terça-feira, 18 de abril de 2006


Uma vela dia 19 de Abril: para que a memória não nos atraiçoe

Lembra-nos Nuno Guerreiro como é frágil a memória dos homens. Como a remissão, muito para além das tremendas paixões de cada qual, dificulta a nossa sempre presumida liberdade. A nossa ilustrada cidadania. O nosso manual de sobrevivência é sempre uma curiosa dissimulação, um temerário retiro argumentativo, sem inteligência, decência, nem memória. Somos todos uns eruditos domésticos, entre os nossos pares.

Tudo isto a propósito da convocação (pois, é disso que se trata) para nos associarmos, sem sacrifício de espécie alguma a não ser o que dita a consciência, à evocação desse ignominioso massacre de judeus, que há 500 anos enlutou a nossa memória. O miserável espectáculo de antanho tolhe a mão, não apenas dos antigos fanáticos mas também dos novos "humanistas". A deserção de alguns revela quão longe ainda está a dignidade do homem. Existem objecções muito menos virulentas.

Acender "uma vela simbólica por cada uma das vítima" dos tempos idos de 1506 é afirmar que ainda não estamos "gastos", entre o desvario da vida e o desespero dos homens. Porque a memória "pejada de memória" assim evocada, sendo trágica e chorada até, não nos vai deixar submersos por novos senhores ou novas causas. Que aí estão à bater-nos porta. Mais cedo que tarde.

[De outro modo, o infame acontecimento assinala, pelo menos para alguns, o começo da decadência do reino de Portugal. A ideia presente, em alguns historiadores, que a razão primeira que originou a posterior expulsão dos judeus (com novas cenas aterradoras, como relata Pinheiro Chagas, na História de Portugal) se deveu à paixão doentia de D. Manuel por D. Isabel (filha dos Reis Católicos, noiva do "malogrado" príncipe D. Afonso), dado ter cedido ao pedido da princesa como consentimento para o casamento, é curioso mas não pode explicar tudo. Mesmo entre a corrente dita tradicionalista ou esotérica (vide António Telmo) persiste a questão. Mas isso é outro assunto, que fica para um dia qualquer, mas que convém, talvez, recordar]