sexta-feira, 27 de agosto de 2004
Uma Miserável Direcção
"Já andei para marinheiro, mas pus óculos e fiquei em terra" [O'Neill]
Pensar o que seriam os nossos dias sem as mazelas do futebol é empreendimento que ninguém consegue contemplar. O futebol inspira a paróquia lusitana, educa a mocidade indígena, faz editoriais nos jornais, corre de boca em boca. O assunto infunde os actos mais lascivos aos seus associados e simpatizantes. A desonra da derrota é um putatio familiar. A boçalidade, a grosseria, a injúria, as imprecações, tudo isso não passa de dedicados e ternurentos gorjeios de linguagem, uma espiritualidade irreverente, um plebeísmo profano, e quando acompanhados de picarescos gestuais então atinge excelentes resultados. Longe de nós evitar tais afectos comovidos de caridade futebolística. As massas têm esse decoro domingueiro que ninguém deve lamentar.
Ora, evidentemente, o Benfica é a putain respecteuse da nação. Manda avisar os incautos que o Glorioso, mesmo que conspurcado pelos afazeres de Luís Filipe Vieira & Veiga, Vilarinho Lda, não perde a serenidade fidalga e a paciente luta de espírito. Porém, a prelecção desta semana contra os jogadores, o tempero lingual evidenciado ou a gramática impetuosa reproduzida, não revela uma justa lucidez e o brilho de antanho. É que as vergastadas, assim confeccionadas, foram incorrectamente direccionadas. Ao que parece a pandilha dos Filipe Vieira e seus amigos - os tais que formaram esse extraordinário arco constitucional, da direita à esquerda da classe politica, contra a direcção infame de Vale & Azevedo - não foram devidamente surpreendidos. Não é evidente que esta actual e miserável direcção de amigos do "alheio" (nisto bem mais eficaz que a de Vale & Azevedo), esta dissoluta união nacional anti-benfiquista que transviou o clube e o embrenhou nas trevas por longos anos, merecia continuados e esforçados manguitos? Faleceu a coragem aos entusiastas benfiquistas? Poderá ser?
Livros & Arrumações
- curiosa separata dos Anais da Faculdade de Farmácia do Porto (vol. XXII), intitulada "Inventário de uma Botica Conventual do Século XVIII", por A. C. Correia da Silva, Porto, 1972. Depois de uma curta historiografia da farmácia em Portugal, salientando a "botica conventual do Mosteiro de Alcobaça" como a primeira, refere a primeira Farmacopeia publicada, a "Pharmacopea Lusitana" (1704) de Frei Caetano de Santo António, "boticário do Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra". A partir do informação da existência de "um Inventário da Botica do Mosteiro de Grijó", documento datado de 1770, e após uma explicação sobre esse mesmo mosteiro, parte para a exposição do documento, descrevendo "termos de juramento" dos boticários, "boticários avaliadores", bem como as "variadas drogas e medicamentos, desde as plantas medicinais ainda hoje em uso, aos produtos e preparações mais estranhas (que o autor descreve nas suas notas), como o óleo de minhocas ou de ratos, os bofes de raposa em pó ou os olhos de caranguejo, tudo perfeitamente de acordo com os mais genuínos usos da terapêutica setecentista". Por fim, e antes do inventário, propriamente dito, que é extraordinário para neófitos, refere um conjunto de livros citados no próprio inventário, todos de interesse bibliográfico. Estimado.
- pelas Edição das Oficinas Gráficas, Lisboa, na Colecção Estudos Sociais, um opúsculo de propaganda nacional-sindicalista, sobre "sindicalismo orgânico", aliás "manual do sindicalismo orgânico" por Rolão Preto, 1930, intitulado "Balisas". Na contracapa refere a publicação da "Técnica da Revolução Nacional" de António Pedro, que desconhecemos. O opúsculo escrito em termos de pergunta-resposta, versa a "Economia Liberal e Economia Colectiva", "A Produção", "o Sindicalismo Orgânico", bem como uns curiosos princípios da produção que configuram a "Orgânica do Estado Integral". Diz-nos: "Negamos a solidariedade do proletariado universal por cima e contra as fronteiras sagradas das nações"; "condenamos a liberdade de trabalho, a livre concorrência, a liberdade do comércio, por contrários à Produção,...".
- curiosa separata dos Anais da Faculdade de Farmácia do Porto (vol. XXII), intitulada "Inventário de uma Botica Conventual do Século XVIII", por A. C. Correia da Silva, Porto, 1972. Depois de uma curta historiografia da farmácia em Portugal, salientando a "botica conventual do Mosteiro de Alcobaça" como a primeira, refere a primeira Farmacopeia publicada, a "Pharmacopea Lusitana" (1704) de Frei Caetano de Santo António, "boticário do Real Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra". A partir do informação da existência de "um Inventário da Botica do Mosteiro de Grijó", documento datado de 1770, e após uma explicação sobre esse mesmo mosteiro, parte para a exposição do documento, descrevendo "termos de juramento" dos boticários, "boticários avaliadores", bem como as "variadas drogas e medicamentos, desde as plantas medicinais ainda hoje em uso, aos produtos e preparações mais estranhas (que o autor descreve nas suas notas), como o óleo de minhocas ou de ratos, os bofes de raposa em pó ou os olhos de caranguejo, tudo perfeitamente de acordo com os mais genuínos usos da terapêutica setecentista". Por fim, e antes do inventário, propriamente dito, que é extraordinário para neófitos, refere um conjunto de livros citados no próprio inventário, todos de interesse bibliográfico. Estimado.
- pelas Edição das Oficinas Gráficas, Lisboa, na Colecção Estudos Sociais, um opúsculo de propaganda nacional-sindicalista, sobre "sindicalismo orgânico", aliás "manual do sindicalismo orgânico" por Rolão Preto, 1930, intitulado "Balisas". Na contracapa refere a publicação da "Técnica da Revolução Nacional" de António Pedro, que desconhecemos. O opúsculo escrito em termos de pergunta-resposta, versa a "Economia Liberal e Economia Colectiva", "A Produção", "o Sindicalismo Orgânico", bem como uns curiosos princípios da produção que configuram a "Orgânica do Estado Integral". Diz-nos: "Negamos a solidariedade do proletariado universal por cima e contra as fronteiras sagradas das nações"; "condenamos a liberdade de trabalho, a livre concorrência, a liberdade do comércio, por contrários à Produção,...".
quarta-feira, 18 de agosto de 2004
Simplesmente ... Sampaio & Moura
"Bem merece o engano, quem creu mais o que lhe dizem, que o que viu" [Camões]
Este voluptuoso país, com a sua Presidência da República sólida de improviso legalista e extremada de oferendas inenarráveis ao estado de direito, com uma PGR alquebrada entre os interstícios do regime judiciário e irredutível em actos de contrição, tornou-se uma fastidiosa demonstração de mesquinhas guerrilhas marteladas um pouco por todo o lado, uma patética e irreparável comédia caseira, uma bizarria para a geração vindoura.
As ferventes posições do dr. Sampaio, sem talento e sem probidade alguma, em prol da hospedagem de tudo o que é mais duvidoso do sistema judicial português, segurando e assumindo a defesa de quem - como Souto Moura - não sabe (ou não pode) governar a sua própria casa, que é afinal a morada primeira do sistema judicial indígena, há muito deixou de ser surpresa ou provocar qualquer tipo de estupefacção.
O dr. Sampaio, com a naturalidade que lhe assiste, pretende ser uma espécie de rainha de Inglaterra, abstendo-se de qualquer ritual de descortesia para com os interesses da partidocracia estabelecida. E se bem o pensou, melhor o fez. As laudatórias ao senhor Souto Moura pelo PR, concebidas em judiciosos pareceres que ninguém, de boa fé, entende ou acata com tranquilidade, o suposto pronunciamento de Santana Lopes por "pactos" de regime, certamente substanciosos e geniais aos olhos do bloco central, bem como as inacreditáveis afirmações do senhor PGR sobre fugas de informação e violação de segredo de justiça na sua própria morada, tornarão imortal essas bizarras figuras, Sampaio & Moura. E mesmo que amanhã o país saiba de novas tragédias e singulares acontecimentos, pois que a desgraça humana é fértil e os jornais subsistem, a lição encantadora que se espera do prudente e piedoso português é que se incline, genuflexo, diante da têmpera de tão inquebrantável duo. Deo Gratias!
Nota ou prancha: os confrades da GLQL, pela pena ígnea do Manuel e em clamor retumbante a uma posta almocrevada, não gostaram de andar na ilustre companhia dos escribas do CM, de parte luminosa do MP e da gratidão da governação laranja. Temos pena da comovente angústia da GL. Porém é disso que se trata, nada a fazer. A linhagem das afirmações proferidas, ao longo de vários posts limianos, vai nesse sentido, pois dimana-se a defesa, a qualquer preço e sem condições, do trabalho do senhor PGR e do MP no tumultuoso sistema judiciário português. Mais, compreende-se a defesa viçosa, pelo Manuel, do MP contra os vilões da política, bem distribuídos que foram os arremedos feitos a CAA, a Vital Moreira e a JPP. Apesar das certezas da GL, o sistema judicial português caminha para o caos, com tudo o que isso implica para o Estado de Direito. Para uns, como a GL, o influxo judicial faz-se com o actual PGR como companhia, para outros, nesse sacerdócio não entra tal magnifica figura. É tudo.
Livros & Arrumações
- curioso opúsculo de Simeão Pinto de Mesquita - monárquico integralista, colaborador da "Nação Portuguesa", advogado, que com outros, dá parecer jurídico, em defesa do testamento de D. Manuel e da constituição da Casa de Bragança, apoiando o protesto de D. Duarte Nuno -, intitulado "Unidade e Permanência da Revolução Mundial", publicação da conferência "aos estudantes de Coimbra, em Março de 1928", e publicada somente em 1937. O autor divaga sobre a "existência de um propulsor secreto e constante da Revolução", a partir de uma conjuração da Maçonaria (cuja prosa é hilariante), dos ditos "Iluminados" de Adão Weischaupt (que, pasme-se, nos é dito que se infiltraram na Maçonaria de antanho, o que não deixa de ser espirituoso), da Carbonária, da I Internacional (apresentada como possível "emanação exteriorizada dessas seitas") de Marx, Mazzini e Bakunine. Refere, ainda, que as "doutrinas bolchevistas são as do manifesto comunista, são as de Babeuf e de Weishaupt". Apresenta, no início, uma bibliografia curiosa sobre a temática.
- admirável texto "aos moradores e frequentadores do Concelho de Cascais", por José Nunes da Matta, "Arborização do Concelho de Cascais e sua Influência no Futuro deste Concelho", datado de 1926. O autor apresenta interessantes aspectos a ter em conta: "regularização das chuvas por meio da arborização", a "acção directa das árvores para a infiltração da água nos depósitos subterrâneos", "a falta de arvoredo na bacia hidrográfica das ribeiras e rios dá lugar a cheias bruscas e turvas", etc. Conclui a dado passo: "Por isso a besta fera e vilão brutal e infame que dentro deste Concelho roubar ou destruir árvores de matas particulares ou de estradas públicas, não é apenas um torpe selvagem e desprezível ladrão, mas também um traiçoeiro e infame assassino".
- curioso opúsculo de Simeão Pinto de Mesquita - monárquico integralista, colaborador da "Nação Portuguesa", advogado, que com outros, dá parecer jurídico, em defesa do testamento de D. Manuel e da constituição da Casa de Bragança, apoiando o protesto de D. Duarte Nuno -, intitulado "Unidade e Permanência da Revolução Mundial", publicação da conferência "aos estudantes de Coimbra, em Março de 1928", e publicada somente em 1937. O autor divaga sobre a "existência de um propulsor secreto e constante da Revolução", a partir de uma conjuração da Maçonaria (cuja prosa é hilariante), dos ditos "Iluminados" de Adão Weischaupt (que, pasme-se, nos é dito que se infiltraram na Maçonaria de antanho, o que não deixa de ser espirituoso), da Carbonária, da I Internacional (apresentada como possível "emanação exteriorizada dessas seitas") de Marx, Mazzini e Bakunine. Refere, ainda, que as "doutrinas bolchevistas são as do manifesto comunista, são as de Babeuf e de Weishaupt". Apresenta, no início, uma bibliografia curiosa sobre a temática.
- admirável texto "aos moradores e frequentadores do Concelho de Cascais", por José Nunes da Matta, "Arborização do Concelho de Cascais e sua Influência no Futuro deste Concelho", datado de 1926. O autor apresenta interessantes aspectos a ter em conta: "regularização das chuvas por meio da arborização", a "acção directa das árvores para a infiltração da água nos depósitos subterrâneos", "a falta de arvoredo na bacia hidrográfica das ribeiras e rios dá lugar a cheias bruscas e turvas", etc. Conclui a dado passo: "Por isso a besta fera e vilão brutal e infame que dentro deste Concelho roubar ou destruir árvores de matas particulares ou de estradas públicas, não é apenas um torpe selvagem e desprezível ladrão, mas também um traiçoeiro e infame assassino".
sábado, 14 de agosto de 2004
[Da Súcia-dade]
O regaço do poder político é um acto preliminar que desnuda qualquer virtude ansiosa. E sabe-se a tentação do lusitano pela delação, facécia e torpeza, que ciclicamente surge na batalha das ambições políticas, mesmo que aqui e ali subsista a lenda de egrégias santidades, evocadas entre burlescas vaidades e sublimes actos de fé pela coisa pública. De facto, a peça político-policial que assistimos, via processo Casa Pia, tornou-se uma venda a retalho de informações entre jornalistas, a classe política e responsáveis de Instituições, um lugar comum da denúncia, uma comédia maledicente, uma vida torpe, que o indígena afastado da azáfama do exercício do poder muito aprecia. Somos sempre deliciosamente esforçados em qualquer obscenidade.
O assunto das K7s (presumivelmente) roubadas adensou a curiosidade do Portugal profundo. Suspeitamos que, ungido de luar, não há nenhum português, supostamente ilustrado, que não murmure adocicadas análises e enfastiadas urdiduras em noutes de passeio à beira-mar. Pior ainda: dão-nos requintadas teorias, sarcásticas insinuações, cínicos prantos, curiosos pastiches. Modulando e manipulando informações a seu belo prazer, à putativa nobreza da dor que furtivamente expelem em artificiosas efabulações resta a pouca serenidade com que lançam dissimulados avisos à navegação, reparos desbragados sob a lei e o direito, visando neutralizar qualquer reflexão sobre o estado da justiça e o exercício da cidadania. Ao que se presume, cabe unicamente às elites o entretimento, a inteligência e o saber dessa demanda, enquanto o povo ironicamente sobrevive, por iliteracia técnica-jurídica e política, graças às emoções das leituras dos jornais, revistas e blogs.
Assim, as diversas peças paridas à volta desta intriga de Verão são, manifestamente, para todos os gostos e suspiros.
Há a chacota da maquinação e descredibilização do processo Casa Pia pelos beneditinos jornalistas do CM (extraordinário trio de ex-jornalistas desportivos, os 2 Octávios mais o Marcelino) que engordaram o improviso da investigação à custa de ilegalidades pífias e manipulações graciosas e que agora, convertidos que foram ao estado de indignação legalista, despertam caricaturalmente para a defesa da lei, com o Sindicato dos Jornalistas como patrono e o MP ausente. Rodeados de "fontes" que controlam sem qualquer incomodidade, o requinte manipulador do Octávio e Cia empolgam a movimentada plateia de probos defensores do estado de direito. Como está em marcha o tal processo de descredibilização, pouco importa assuntos perfeitamente inócuos, como o segredo de justiça, a ética jornalística ou a manipulação de informações. Aliás se tais episódios sempre existiram, porquê perder tempo como isso? Estão nesta sensibilidade veneradora o CM, parte do MP e do Governo, o "prisioneiro" desnudado Souto Moura, o excomungado Salvado e os fogosos Manuel & José da GL. Aliás, os resfolegantes posts destes últimos opiniosos bloguistas atingem o paradoxo de instruírem a plebe da blogosfera sobre os malefícios de ilicitudes havidas, via a autópsia de um post de JPP - o que não deixa de ser hilariante procedente de quem vem - a par d'outras calcetadas pistas a seguir, em deslumbramento e inspiração.
Noutro lado, persiste a comédia de capa e espada da cabala contra o PS e Ferro Rodrigues, agora claramente vigorosa dada as transcrições d'O Independente, o posicionamento da PGR e a delinquência entre jornalistas e importantes figuras institucionais. Por outro lado, a entrevista a desoras do ex-director nacional da PJ - revelando desconhecer "o quid obscurum do métier" - é um remoque a quem o incumbiu de singularíssima tarefa, que por ora se desconhece. O que não deixa de ser significativo e perturbador.
Por último, os frémitos desta semana parecem não abalar a monotonia da PGR, se tivermos em conta o anterior caudal de comunicados proferidos e a precedente chinfrineira de mau gosto de Souto Moura, face aos agora muito mal-amanhados comentários sobre todo este caso. A trapalhada é para continuar. Avancem os próximos.
[In Memoriam António Domingues - 1920/2004]
"... Na Cervejaria
dizia
um senhor e sua mulher de azul e mise exactamente
no momento em que leve
ágil
animal
pisa o chão duro e frio do salão
um valente Rodolfo Valentino conhecido
do casal
Alarga-se o sorriso de gambas róseas
na boca do senhor
um adeusar de sua mão papuda
em louvor
do amigo Rodolfo
Ela de faces em rosácea e alva dentadura
logo revelada
fica enlevada
mas honesta na Cervejaria pensa:
- Meu marido dá-me todo o conforto do lar
dá-me gambas ao jantar
e mais logo dá-me quatro horas de Ben-Hur na plateia
onde a moda nova oferece as minhas pernas
às vistas desarmadas
dá-me futuro
recheio no seguro e o Rodolfo
só me daria aquilo com que sonhei durante
tanto tempo
amor, amor, amor apenas"
[António Domingues, in Primeira Imperial]
terça-feira, 10 de agosto de 2004
[Em Agosto malha a gosto]
Há uma ingenuidade evidente na insensatez das férias. O sonho da quietude ondulante, o clima ameno, a paisagem de sossego, tudo isso se esmorece quando os indígenas lusos & os estrangeirados resolvem avançar direitos à civilização. Avessos a qualquer manifestação de urbanidade, os indolentes veranistas iniciam uma actividade febril, deliciosamente saloia, refervida numa algazarra de consumo pós-moderna, entre os festejos evocativos do poder local, o bálsamo da praia aquém dos nefastos bafos lisboetas e as noites tormentosas do trottoir público. Bem cedo as autarquias e demais lugarejos entenderam que seria conveniente afastar essa ideia bizarra de serem os termos de Lisboa. A transitória hospedagem em Agosto há muito deixou de ser esse paraíso de recrear o espírito e a saúde. A vida moderna estilhaçou tudo e todos. Má sorte os mistérios de Agosto.
- [dos jornais] o vulgar destes dias é a inexistência das curiosas e enternecidas reprimendas jornaleiras. Com as várias sinecuras a banhos, o requinte dos jornais e revistas reveste-se de harmoniosas prosas romanceadas, exuberantes murmúrios políticos bem limados, festas de high-life mimosas e invulgares. A carpintaria dos jornais é o "Homem". A máxima destes dias é que "o estilo é o Homem". Compreende-se. Porém, a acreditar no Editorial d'O Público do dia 7 de Agosto, José Manuel Fernandes não pratica essa colorida e movimentada etiqueta. Não está distraído. A sua perfumada peça, plena d'estilo colorido no alto do seu talento, faz referência, pela énesima vez, à suposta legalidade da invasão do Iraque. Que saudades do regresso do senhor director, do seu trabalho educativo, do seu formidável espanto. É sempre bom saber que nem os ares convalescentes d'Agosto definharam a sua linguagem florida, mesmo que o choradinho seja mero rabicho intelectual.
- [cassetes piratas] o sonho de Adelino Salvado nunca ninguém o saberá. A não ser que brote forte e rigoroso na reprodução das célebres cassetes piratas, musicando-as à cadência da sua citada comissão de serviço político-partidário, de muita estimação. O talento de senhor ex-director da PJ ficará ardentemente inscrito na envolta demissão de Maria José Morgado, na volúpia dedicada ao célebre "Apito Dourado" e, principalmente, no desvelado zelo com que defendeu o segredo de justiça. De tal modo a obra cresce, que o poder político resolve ultrapassar a justiça, com o teclado Santana Lopes e Souto Moura musicando investigações, alardeando desveladas paixonetas pela lei e a ordem do mundo da justiça. Entretanto, para que a comédia de verão não espere, o inefável jornalista Octávio, do pasquim Correio da Manhã, promove sem qualquer rebuço judicial, providências cautelares, ridicularizando tudo e todos. Por sua vez, o sr. Óscar do Sindicato anunciou qualquer coisa que ninguém entendeu, entre aventuras para jornalistas em começo de carreira e verduras protestatórias que ofusca a inteligência, enquanto a PGR lança sobre a nossas malabrutas cabeças um espantoso texto, da mais pura e casta insanidade. Como são de folia as tardes de Agosto.
Livraria Modo de Ler
Vítor Silva & Santos apresenta o seu 21º Catálogo da Livraria situada no Porto (Praça Guilherme Gomes Fernandes, 38, 2º A). Em pleno Agosto faz bem receber catálogos assim.
Algumas referências: Escrita da Terra e outros Epitáfios, de Eugénio de Andrade (tiragem fora do mercado, de 310 expls), 1974 / Sete Livros Sete Retratos, por Eugénio de Andrade (tiragem especial em caixa própria, em homenagem ao poeta na atribuição do prémio Camões), Porto, 2001 / Árvore - Folhas de Poesia, 1951-53, IV fasc. (compl.) / Litoral a Oeste, de José Loureiro Botas, 1940 / Contemporânea - Revista mensal, dir. de José Pacheco, Lisboa, 1922-24, X números (incompl.) / Daqui Houve Nome Portugal (antologia de verso e prosa sobre o Porto, c/ pref. de Eugénio de Andrade), 2000 / In Memorian Eça de Queiroz (org. de Eloy do Amaral e Cardoso Martha), Lisboa, 1922 / O Mês de Dezembro e outros Poemas, por Vasco Graça Moura (c/ guaches de Júlio Resende), Porto, 1976 / Uma Mão Cheia de Nada Outra de Coisa Nenhuma, por Irene Lisboa (rara) / Flores e Canções, de Cecília Meireles (ilust. de Vieira de Silva), Rio de Janeiro, 1979 (ed. rara) / Céu em Fogo, de Mário de Sá-Carneiro, Lisboa, 1915 (rara) / Camões dirige-se aos seus contemporâneos e outros textos, por Jorge de Sena, Inova, 1973 (tir. de 310 expl) / Antologia dos Economista Portugueses (sec. XVII), por António Sérgio, Lisboa, 1924 / O Algarve na Obra de Teixeira-Gomes (c/ 40 des. de Bernardo Marques, Lisboa, 1962 (ed. 500 expls) / Poemas Malditos, de Paul Verlaine (c/ desenhos eróticos de José Rodrigues), 1981 / A Vida Começou Assim (Novelas), por António Vitorino
domingo, 1 de agosto de 2004
Pierre Bourdieu [n. 1 Agosto 1930-2002]
"... o livro de P. Bourdieu e de J. C. Passeron, Les Héritiers, permanece actual (...) este livro chama a atenção para os mecanismos que, no interior da própria escola, transformam as desigualdades sociais em desigualdades escolares. Em particular, desmistifica a ideologia do dom, que olha como «natural» o que é, afinal, herança cultural de classe. «Os estudantes mais favorecidos», escreve, Bourdieu e Passeron, «não só devem ao meio de origem os hábitos, o treino e as atitudes que lhes são mais úteis nas tarefas escolares, mas herdam também saberes e um savoir-faire, gostos e um bom gosto, cuja rendibilidade escolar, embora indirecta, não deixa de se verificar (...)
Assim, estes dois autores concluem que nem as desigualdades esconómicas nem a vontade política bastam para explicar a discriminação escolar - o sistema educativo contribui também, através da sua própria lógica, para assegurar a perpetuação do privilégio. A igualização formal face à escola (a «igualdade de oportunidades») jamais conseguirá, portanto, superar as desvantagens dos alunos oriundos das classes trabalhadoras ..." [Maria Filomena Mónica, in Escola e Classes Sociais, GIS, 1981]
Locais: P. Bourdieu / Pierre Bourdieu (1930-2002) / Pierre Bourdieu Bibliography / Pierre Bourdieu sociologue énervant / Le constructivisme structuraliste de Pierre Bourdieu / La vie Sociologique de Pierre Bourdieu / Sociólogo Cidadão / Hommage à Pierre Bourdieu / En Memoria de Pierre Bourdieu / Lire Pierre Bourdieu / Obituary
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