quarta-feira, 7 de julho de 2004
"Protesto"
"Quereis simular civilização? Destrói a noite! - escrevi eu, já não sei quando, no álbum duma caçadora de autógrafos. Ou talvez não escrevesse e apenas inventasse agora a forma de iniciar este meu protesto brando ...
Sim. A melhor maneira de aparentar civilização é este aniquilamento brutal da noite, a «noite dos magros crapulosos» de Antero, a «noite antiquíssima e idêntica» de Fernando Pessoa, à força de arcos voltaicos, lâmpadas de mercúrio, riscos de néons, casinos, anúncios luminosos, candeeiros, centenas de candeeiros de todos os feitios e pesadelos, uns cabeçudos, estes esgalgados de dedos a apontar, aqueles, autênticos forcas de onde pendem cabeças cortadas, outros de chapéus de palha, milhares de candeeiros - ora bolas para esta civilização de automóveis!
(...) Aqui proclamo, pois, solenemente o meu horror à iluminação exagerada das ruas. Para depois ousar pedir (...) - ousar pedir, repito, a quem de direito e em nome dos poetas sonâmbulos, que não cedam à tendência espectacular de fingir civilização, com mais luzes por fora, na nossa linda cidade com tão forte vocação para aldeia inicial ..." [José Gomes Ferreira, in Seara Nova, nº 1423, Maio de 1964]