sexta-feira, 10 de outubro de 2003
JOSÉ ANASTÁCIO DA CUNHA
" ... A livraria do grande geómetra e poeta [José Anastácio da Cunha] foi então arrolada. Na sua estante de pinho, avaliada em 480 réis, alinhavam-se as suas obras de estudo e consulta, obras de matemáticos como Newton, Bessut, Hembert, Shervin, Muller, Lalande, Delacaille, Butler, etc. e obras de literatura que certamente mais interessam a maioria dos leitores. Ei-las: Calepino, avaliado em 2:500 réis; Dicionário Português e Latino, de Pedro José da Fonseca, avaliado em 2:000 réis; as obras do Padre António Vieira, em quinze volumes, avaliadas em 8:000 réis; a Vida do Príncipe D. Theodoro avaliada em 200 réis; as obras de Camões em um volume avaliado em 370 réis; as obras de Homero, O pastor peregrino de Francisco Rodrigues Lobo, avaliada em 720 réis; Teatro de Voltaire; Historia de Portugal, por mr. De La Clede; as obras de Cícero, Virgílio, Ovidio e Tácito; poemas de Milton; Epistolas, de Plínio; Fabulas de Fedro; obras de Rabelais e Molière; Vida de Dom Quixote; Tragedias de Séneca; obras de Suetonio e de Luiz de Gongora; finalmente a Crónica de D. Sancho II, avaliada em 120 réis. Conjuntamente com a livraria que revolveram, lá forma também buscar a sua papelada e dessa apreenderam varas cartas apensas ao processo, algumas das quais de dizeres misteriosos (...)"
[" ... Papeis apreendidos a José Anastácio da Cunha, in Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, Vol. II, de António Baião.
José Anastácio da Cunha era poeta e matemático da Universidade de Coimbra, foi denunciado à Inquisição em 17 de Janeiro de 1778 por um tenente de artilharia do Porto. Confessou em auto que lia Voltaire, era partidário do tolerantismo, lia livros proibidos, comia carne "em dias defesos", etc., tendo sido condenado a três anos de reclusão, tendo-lhe sido perdoado o desterro de quatro anos em Évora.
Refira-se que, relativamente aos citados "dizeres misteriosos" salientado por António Baião, é possível que Anastácio da Cunha tenha sido maçon, tendo ocorrido a sua iniciação enquanto esteve aquartelado em Valença do Minho (conforme sugere Raul Rego) ou talvez em Almeida. Ora a carta que é apresentada por António Baião nos Episódios, torna-se importante porque os tais “dizeres misteriosos” não eram mais que “escrita maçónica”, conforme alguns autores. Sobre este caso da filiação maçónica de Anastácio da Cunha com base na recolha de A. Baião, consulte-se o texto de João Pedro Ferro]