segunda-feira, 15 de setembro de 2003
O DESNUDAR DA POLÍTICA
"Creio no Inferno; é portanto aí que estou" [Rimbaud]
A política é o nosso inferno. Nosso purgatório. Quando desnudada, o seu acto de revelação remete para a ocultação, e caímos numa crispação entre o corpo (falante) e o poder. O discurso oficial e oficioso não esconde nem mostra. Os seus efeitos são meros jogos de linguagens à maneira de Wittgenstein. Estamos no paradigma da "política oblíqua" – não há antes nem depois. Num mundo em crise, num país em crise, numa crise em crise ... que melhor saudade que a da vida (Vieira).
São, pois, tempos curiosos os que vivemos. Erro nosso ou o "excesso de civilização dos incivilizáveis" (Pessoa)? Vários corpos, imensos rostos, mas "qual é o sujeito do outro"? Barroso e o seu ar blasé de quem não é nada com ele, ou eu sou diferente dos outros? Portas, com aquele tom grave, inchado, cuspindo ameaças, dedo em riste que a democracia segue dentro de momentos? A Ferreira Leite, impassível, em serviço de tracção ao défice orgulhosamente nosso? O inefável Figueiredo Lopes completamente inútil, simplesmente inactivo, meticulosamente deformado do tédio da governação? O Carmona Rodrigues curandeiro de viadutos, amotinado das obras públicas? O Theias, ambientalmente semeado num filme outro, enterrado até à cabeça num qualquer riacho de província? O Roseta, excomungada a social-democracia que o dinheiro amansou, num carrossel cultural que não sai do lugar? O amestrado Arnaut, frenético, piscando o olho em cerimónias, tábua de engomar da governação? Todos em osmose universal, todos mesmo aqueles que "fazem mijar a caneta para cima do papel de jornal" (Péret).
Dilema da "mulher de César"
O Presidente da Câmara da Figueira da Foz teceu comentários inaceitáveis sobre qualquer tipo de suspeição levantada no (agora) caso dos terrenos do Vale Galante, conforme se pode ler n'O Publico de ontem. Vários blogs figueirenses (O Palhinhas, Amicus Ficaria) já se tinham referido ao facto em causa, que irritou o senhor presidente. O engenheiro Duarte Silva não pode ameaçar cidadãos quando questionado sobre assuntos da sua governação. Não é pago para tal. E como sabe "à mulher de César não basta ser séria, é preciso parecer séria".
A notícia vinda no jornal O Publico é, goste-se ou não, preocupante. Independentemente da actual autarquia ter (ou não) as mãos atadas sobre o negócio feito pela gestão de Santana Lopes da venda do terreno à Imofoz (Grupo Amorim) e à sua configuração nos termos da hasta pública ("iniciar, no prazo de um ano, a construção do hotel", o que não foi feito), tal não lhe permite impedir que se procure explicações para a venda do terreno em menos de 24 horas, feito pela própria Imofoz a uma outra empresa (Fozbeach), com mais valias de 1,145 milhões de euros.
Os cidadãos têm o direito e o dever de procurar explicações para este caso, não sendo bastante o engenheiro Duarte Silva assumir que o negócio feito por Santana Lopes lhe "é alheio", ou mesmo dizendo que o "anterior executivo foi pouco prudente". Até porque, na Figueira (ao que se sabe) ninguém é mudo. Há muito tempo.