quarta-feira, 17 de setembro de 2003
ESTE É O BOM GOVERNO DE PORTUGAL
Um Reino de tal valor
e de povo tão honrado
é justo seja louvado
desde o vassalo ao Snr;
ainda que fraco orador
a verdade hei de dizer,
e cada qual recolher
pode aquilo que lhe toca,
ainda que digna o provoca
uma imitação Real.
Este é o bom governo de Portugal.
...............
Da Câmara, e Senado
que em obras, taxas, licenças
deve com toda a presteza
ter particular cuidado,
o governo é de estado
e são as ruas da cidade
monturos e porquidade;
e o que tem que vender
o vende pelo que quer
por ter seguro o costal.
Este é o bom governo de Portugal.
...............
Que venha todo o estrangeiro
e cada um negociando,
o ouro e prata vão levando
deixando-nos sem dinheiro;
e não há já conselheiro
que seja homem de talento,
que apurado o entendimento
algum remédio lhe aplique,
para que o Reino não fique
exausto deste metal.
Este é o bom governo de Portugal.
...............
Já não temos que esperar
neste governo insolente
mais que perecer a gente
sem o bem nunca alcançar;
só para Deus apelar
pode o povo português
e pedir-lhe desta vez
que nos dê governo novo,
para que com ele o povo
siga no seu natural.
Este é o bom governo de Portugal.
...............
[Tomás Pinto Brandão]
"Esta sátira não se encontra entre as poesias impressas de Tomás Pinto Brandão. Aparece no chamado códice Lino de Mattos, das Obras de Gregório de Matos Guerra, segundo cópia feita por Lino de Mattos, em 1946, mass. Marcado 1/59/3 e R/64/3 da Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro), em dois volumes. É depois do Índice do 2º volume que se encontra a sátira ao governo de Portugal. Na última pág. o copista anotou: Extraído do Ms. R/3/64 de ... folhas 64 a 67, existentes na na Bca. Nal. De La. Segundo o anotador das obras de Gregório de Matos, vol. VII, col. Os Bahianos, compilação de James Amado, a sátira não tem indicação de autoria mas é sabidamente de Tomás Pinto Brandão, companheiro de Gregório de Matos na Bahia (...) Existem, certamente, numerosos inéditos de Pinto Brandão. Muitas outras poesias, que correm como sendo de Gregório de Matos, de Tomás de Noronha e de Frei António das Chagas serão, provavelmente, de Pinto Brandão como dele são algumas que juntamente com outras de João de Brito Lima se encontram no 2º volume do chamado códice Manuel Pereira Rabelo, oferecido, em 1962 (?), por Eugénio Asencio a Celso Ferreira da Cunha, e que se atribulam a Gregório de Matos. (...)" [João Palma-Ferreira, Este é o bom governo de Portugal, in Revista Critério, nº 1, Nov. 1975]
"Como escreveu João Bautista de Castro [Mapa de Portugal Antigo e Moderno, t. II, 1763] foi Tomás Pinto Brandão célebre poeta (...) que para o estilo jocoso teve particular energia e propendeu muito para o satírico; porem, naquele seu género sempre os seus versos serão memoráveis. (...) Sublinhe-se, no entanto, que não é apenas a curiosidade da sátira, apesar do muito que denuncia as «políticas» do reinado de D. João V, que torna oportuna a exumação da obra deste poeta vulgar. Ela é também um concludente repositório de notícias importantes sobre o último quartel do século XVII e primeiro do século XVIII e um autêntico manancial para o estudo de diversos aspectos da sociedade portuguesa numa época que tem sido sistematicamente esquecida.
Pinto Brandão nasceu no Porto, em 5 de Março de 1664 (...) Aos 17 anos veio para Lisboa, Nos finais de 1680 fez conhecimento com Gregório de Matos Guerra, com quem partiu para a Bahia, a assentar praça no terço da guarnição da cidade. Em 1693 foi mandado prender por L. Gonçalves da Câmara Coutinho, almotacé-mor e capitão-general da capitania da Bahia. Esteve preso durante cerca de um ano (...) pena que o novo governador, D. João de Alencastre, lhe comutou em degredo para o o de Janeiro. (...) novamente preso por ter escrito uma sátira contra um amigo do governador [foi] mandado em degredo para Angola. Mal chegou a S. Paulo de Luanda foi metido a ferros e posteriormente conduzido a Benguela, para servir no Presídio, onde passou alguns anos. Atingiu o posto de capitão de infantaria e foi senhor de sessenta ou setenta escravos. Segundo a tradição, viveu em mancebia com a neta do rei Caconda, Nana Ambundo, de quem teria um filho. (...) Luís de Menezes, ao ser nomeado governador, lhe concedeu permissão para regressar a Portugal. Partiu para o Rio de Janeiro, vendeu os escravos (conservando apenas um, de nome Damião, que o serviu até à morte) e casou-se. (...) Na capital [Lisboa] vivia opulentamente, frequentava as Comédias e casas de jogo e gastava com liberalidade. Após uma escandalosa disputa com a sogra, separou-se da mulher, salvando-se da prisão (por denúncia de crimes obscuros) pela interferência do duque do Cadaval e do Conde de Unhão.
À beira da miséria (...) dedicou-se à profissão de poeta. (...) As suas silvas e romances, sátiras e décimas vendia-as pela cidade a Irmandade dos Homens Cegos (...) Em 1732, com auxilio do marquês de Cascais, imprimiu as obras num volume a que pôs o título de Pinto Renascido (parodiando, talvez a Fénix Renascida ... )Tinha sessenta e seis anos quando foi retratado, vivendo já do amparo de raros amigos que chegaram-se a reunir para lhe obter dinheiro, mas só quando caíra na maior miséria foi socorrido pelo Conde de Sabugosa, que lhe deu casa na Junqueira. (...) morreu em 31 de Outubro de 1743 (...)" [João Palma-Ferreira, ibidem]
Consultar: Este é o bom governo de Portugal , poema completo/ Tomás Pinto Brandão, texto de Camilo Castelo Branco / Notícia sobre os Códices de Gregório de Matos / Gregório de Matos / Gregório de Mattos, 360 Anos.