terça-feira, 15 de julho de 2003

MEMÓRIAS DE UM EX-MORFINÓMANO


[Lá se catalogou o Reporter X, o X, o Espião. Ficou-se com uma extraordinária impressão de Reinaldo Ferreira, o Repórter X. Fomos buscar à livralhada o seu famoso (e já difícil de encontrar) livro "Memórias de um Ex-Morfinómano". O prefácio, ao livro, por Artur Portela é elucidativo. Não resistimos a transcrever um pequeno extracto. Como são belas as tardes de Julho!]

Memórias de um Ex-Morfinómano [Reinaldo Ferreira]

"Reinaldo Ferreira foi o maior repórter da Imprensa portuguesa. Morto, continua a sê-lo, através de uma obra extraordinária, fulgurante, caudalosa, que é impossível avaliar (...)
Estou ainda a vê-lo, de olhos cinzentos, fosforescentes, o cabelo loiro, como se fossem as chamas do incêndio da sua alta vocação jornalística; dinâmico, nervoso, fustigante, multiplicando os gestos, as palavras, as ideias, sempre com uma caneta na mão, que não passeava lentamente no papel, mas galopava vertiginosamente, desentranhando-se em milhares de artigos, sensacionais reportagens, crónicas de viagem, novelas de mistério, romances empolgantes, peças de teatro, numa palavras, toute la lyre que ele percutia, sem esforço, como que ébrio ou magnetizado pela mais assombrosa vocação que tenho visto no Jornalismo!

Falta ainda, para o retrato ser flagrante, medir-lhe a estatura física, que não era muito alta, como que condensada na força do salto; desenhar-lhe a fronte enorme, enobrecida de claridade interior; dizer que os cabelos fulvos, chamejantes, pareciam desgrenhados pelo vento das mais arrojadas aventuras e que nos lábios, cremados pelo fumo, ardia sempre um cigarro, quase nunca tirava da boca carregada de cinza - essa mesma cinza de um talento de oiro, irresistível, frenético, electrizante, que ele espalhou sobre o Mundo nas mais extraordinárias e audaciosas performances. (...)
O jornalismo era nele, fisicamente, uma vocação instintiva. (...) Por instinto, decerto -
Reinaldo Ferreira não tinha tempo para ler, tanto escrevia! -, ele introduziu em Portugal a maneira característica do jornalismo americano - incisivo, inconfidente, mesmo escandalosa, densa na sua verdade, em que as imagens, como no cinema, dominam as palavras, fotografando o que se passava e o que se não disse, o que se sabe e o que se esconde, numa reconstituição visual em que tanto as personagens como os pormenores empolgam, visceralmente desnudados. (...)
A certa altura, porém,
Reinaldo Ferreira encontra um formidável adversário. Um gigante enorme, duro, terrível, tolhe-lhe o passo: é o Repórter X.

Mas, quem é o Repórter X? (...) É ele próprio, Reinaldo Ferreira, pseudónimo criado por um lapso tipográfico no final de um seu artigo no jornal A Tarde, e que será até ao fim de tão febril e convulsiva existência - o seu inimigo nº1. O pseudónimo individualiza-se, humaniza-se e destrói Reinaldo. O ser que engendrou entra em circulação. É um nome civil. Uma autêntica personalidade (...) É a sua sombra, que nunca o deixará de perseguir na existência, até aos últimos passos, até á morte! (...)
[Reinaldo Ferreira] desapareceu por completo. À sua mesa de trabalho, com os mesmos traços, o mesmo cigarro em brasa, que não tira das comissuras dos lábios, a grenha a empalidecer com os primeiros fios brancos dos anos - senta-se esse horrível monstro, o repórter X, que o fita, irónico, desabusado, de mãos enluvadas de negro, mascarilha vermelha, sangrenta, irónica, cruel, insaciável, (...) É ele que quem visita as lôbregas prisões, (...), que penetra nos esgotos das tentaculares cidades, (...), que devassa os cárceres dos loucos (...), que se embriaga com os paraísos azuis da morfina e de outros alcalóides, como Aldous Huxley, nas Portas da Percepção, para nos descrever todas as sua bizarrias, todos as suas abomináveis, todas as suas oníricas fantasmagorias. (...)

[Artur Portela, in, Nota Prefacial (pag. 9- 21) às Memorias de um Ex-Morfinómano de Reinaldo Ferreira, Lisboa, 1956]

IN MEMORIAM HENRIQUE BARRILARO RUAS



"Se a terra falasse, havia de contar, por entre abundantes lástimas, muitos sinais do amor dos homens por ela... Terra humanizada é sempre mais que terra trabalhada. Se o homem só a quisesse como nascente de ouro, talvez já ela se tivesse extinguido. Mas, se a terra dá o pão à gente, também nós lhe damos pão. E o pão mais rico que lhe damos não é tanto a semente que a fecunda; é a alma que lhe confiamos."

[Henrique Barrilaro Ruas - in, Cultura Portuguesa nº 2, Janeiro-Fevereiro de 1982]

segunda-feira, 14 de julho de 2003

AINDA ... REINALDO FERREIRA - O REPÓRTER X


Afinal temos, apenas, 115 números do antigo semanário Repórter X. A colecção completa, ao que sei é de 128 números [REPORTER X. SEMANÁRIO DAS GRANDES REPORTAGENS - Director Reynaldo Ferreira (Reporter X) e chefe da redacção, Mário Domingues. Nº 1 (9 de Agosto de 1930) ao Nº 128 (23 de Junho de 1933). Lisboa, 1930-1933]. Ficámos angustiados.

Algumas curiosidades:

- "Existem Templários em Portugal?" [refª ao texto do alemão Paulo Kopper, publicado no Instituto Histórico de Leipzig, nº 9 de 20/09/1931] - in, Repórter X, Ano II, nº 63

- "Cavaleiro de Oliveira - um admirável e quási ignorado jornalista planfetário do século XVIII" [Trata-se de um artigo sobre Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira), com referências ao seu panfleto (muito citado por Camilo e, posteriormente por Aquilino Ribeiro) "Amusement Periodique", publicado em francês e que apenas 3 exemplares chegaram a Portugal (e um às mãos de Camilo)] - in, Repórter X, Ano II, nº 67

- "Hitler, o homem que mete medo ao mundo" [um texto bem premonitório]] - in, Repórter X, Ano II, nº 72

- "O último instantâneo de Joshua Benoliel" - in, Repórter X, Ano II, nº 80

- "O que se passa entre os hebreus e os «Marranos» do Norte?" [refª à revista mensal Há-Lapid, órgão da comunidade isrealita do Porto] - in, Repórter X, Ano II, nº 96

- "Os mistérios da Revolução de 5 de Outubro" - in, Repórter X, Ano III, nº 100

- "Trotski o antigo comissário de guerra russo ... esteve alguma vez em Portugal? " - in, Repórter X, Ano III, nº 105 e 106

- "Finanças Literárias. Os rendimentos dos escritores, nacionais e estrangeiros ... " - in, Repórter X, Ano III, nº 106

- "António Ferro, Salazar. António Ferro, a sua entrevista e o seu entrevistado" - [texto de Reinaldo Ferreira] - in, Repórter X, Ano III, nº 112

domingo, 13 de julho de 2003

CORRESPONDÊNCIA AO MAR



Correspondência ao Mar

Quando penso no mar
A linha do horizonte é um fio de asas
E o corpo das águas é luar

.............

Quando penso no mar, o mar regressa
A certa forma que teve em mim
Que onde ele acaba, o coração começa
.............

[Vitorino Nemésio, in O Bicho Harmonioso]

sábado, 12 de julho de 2003

SOCIEDADE DOS AMIGOS DA DEMOCRACIA PORTUGUESA

Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa

[Do Jornal Republica, 23 de Outubro de 1945 (?), citado pelo Jornal Vitória (25/02/1946)]

"No Rio de Janeiro constitui-se a Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa

O movimento de defesa de unidade democrática, excedeu quanto se tivesse imaginado. Não só em todo o continente, mas através o mundo os portugueses procuram estabelecer a máxima união em defesa da democracia.

A comprovar isto, diremos que no Rio de Janeiro acaba de constitui-se a Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa, com o fim de promover o desenvolvimento das relações entre os democratas portugueses e brasileiros e dar apoio a todas as iniciativas realizadas em Portugal no sentido da conquista das liberdades democráticas, as quais, no entender da sociedade, constituem a melhor garantia da futura cooperação entre os países irmãos.

Eis algumas das individualidades que deram já a sua adesão àquela sociedade:
Gilberto Freire, Manuel Bandeira, Caio Prado Jr., Graciliano Ramos, João Mangabeira, Hermes Lima, Carlos Drumond de Andrade, Hedgar de Castro Rebelo, Abel Chermont, Vinicius de Morais, José Lins do Rego, Sérgio Buarque da Holanda, Jorge Amado, Aparício Torely, Osvaldo de Andrade, ..., Astrugildo Pereira, ..., Ruben Braga, Carlos Lacerda, Joracy Camargo, Paulo Mota Lima, ..., Oscar Niemeyer, ..., Valdemar Cavalcanti, Maria Werneck, ..., Dias da Costa, Raimundo Sousa Dantas, ..., Gastão Cruz, Raul Lins e Slva, ..., Melo Lima, …

As listas de adsão a esta sociedade encontram-se na Livraria José Olímpio, do Rio de Janeiro, e na Associação Brasileira da Imprensa"

VOX POPULI


* Causou impacto nos meios jornalísticos, em especial no NYT e na BBC, o último editorial do mestre José Manuel Fernandes. Consta que vários directores de jornais pediram a demissão; um conhecido presidente americano engasgou-se no Texas com meio copo de JD; um grupo de senhoras pretende patrocinar a Liga dos Amigos do Fernandes; a União dos Blogs Livres aceita, depois de intensas conversações com Pedro Mexia, convidar JMF para presidente honorário; um fadista de renome dedicou-lhe uma canção vadia; um activista de esquerda sucumbiu ao ler o Livro de Estilo, patrocinado pelo mestre; Vasco Graça Moura fez um poema de circunstância; e o Meu Pipi ficou preocupado com a argumentação sobre as 3 fontes, presentes no editorial citado. A redacção do Almocreve das Petas pediu a exoneração do seu director.

* Reapareceu de caqui e chapéu novo colonialista, o senhor Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, na recepção ao Presidente do Brasil. Foi um assombro em S. Bento a elegância de estilo e maviosidade desvelada. Lula da Silva manteve-se hirto e firme. O deputado Telmo Correia compôs o nó da gravata, enquanto Guilherme Silva arregimentou as hostes. Mário Soares não foi ao Tavares!

* Tony Blair jurou pela centésima decima vez que "vão aparecer provas concretas de armas de destruição maciças" no Iraque. José Manuel Fernandes prepara editorial para esse momento solene. Foram pedidas várias garrafas de Don Perignon. Nós por cá abrimos uma Maria Gomes.

* Manuel Vilarinho não fica no Benfica. A redacção do Almocreve embriagou-se, perdidamente. Foi uma correria às garrafas da Quinta do Vale Meão. Sempre assumimos que pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual.

* Cansado de oásis, Alvalades e Quintas do Lago anda o edil de Lisboa, Pedro Santana Lopes. Agora pretende dedicar-se à feitura de túneis. O vício nunca esquece. A nós também não.

* Pedrito de Portugal levou uma estocada no valor de 100.000 Euros. Na Moita é assim. Sejam prudentes, pois.

sexta-feira, 11 de julho de 2003

BOLETIM Nº19 DE J. A. TELLES DA SYLVA

Chegou o Boletim nº 19 da Livraria Telles da Sylva, superiormente dirigida por Margarida Maria Pacheco de Noronha Soares Franco.

Estes boletins são sempre uma fonte de ensinamento, uma aprendizagem com muito gozo. É soberba a descrição biográfica dos autores, bem como as referencias sobre o livro à venda. Por exemplo, no numero 1359, "José da Silva Carvalho /e/ o seu tempo/ ... / " é-nos dito:

"José da Silva Carvalho nasceu em 1782 vindo a morrer em 1856. Magistrado no Porto fundou o Sinédrio que deu origem à Revolução de 1820. Esteve emigrado em Inglaterra durante o reinado de D. Miguel I, vindo posteriormente a ser ministro de D. Maria II, tendo negociado os empréstimos externos. A obra que apresentamos é composta por 2 volumes e um suplemento e trata da correspondência desta figura política de relevo com as diferentes estâncias oficiais da época, comentadas por António Viana. Exemplar com as capas de brochura um pouco deterioradas, com falhas de papel e por abrir."

Como o Boletim está disponível on line, deixo ao leitor e amante do livro a curiosidade da descoberta. Boas compras!

IMAGEM - REVISTA DE CINEMA DOS ANOS 30 (II)


No nº 2 (24 de Maio de 1930) um texto não assinado, com o título «Os estetas do cinema»

"... [o cinema] não é uma arte para raros apenas, destinada a satisfazer a ânsia bizarra, tola, falsa de meia dúzia de estetas com aberrações visuais.
Não a entendem assim certos pequenos decadentes e tristes. O cinema, para esses mancebos, não passa duma colecção de imagens bêbadas. Não lhes agrada ver uma paisagem de casas, como toda a gente vê, com os telhados voltados para o céu. Babam-se de goso quando as coisas e as figuras aparecem na tela branca viradas do avesso. Deliram com os ângulos esquisitos! O ângulo! Como eles enchem a boca com essa palavra saborosa! Rebolam-se quando aparece no écran o mesmo objecto fotografado 10 vezes de sítios diferentes: da ponta do nariz, do lado da frente, da parte de trás, de cima da mesinha da cabeceira, etc. São os estetas, em suma, os encharcados da literatura até ao esqueleto, os seres mais complicados e inúteis da criação. Esses desgraçados não compreendem as coisas simples, tranquilas e humanas
. (...) "

No nº 10 (12 de Setembro de 1930) um texto sobre as aventuras de Arthur Lak, artista jovem de Holywood, na sua iniciação na praia de Santa Mónica e Palm-Beach. Trata-se da via iniciática, a prova de fogo, que os neófitos artistas teriam de passar nesses lugares de veraneio. Desde os flirts (consta que o A. L. atacou 10 putativas candidatas) com variadas estrelas bem na moda, até a um conjunto bem sensaborão de brincadeiras ou praxes de duvidoso gosto. No fim, parece que entregaram ao jovem candidato ao estrelato Arthur Lak pequenos textos literários, conselhos a seguir, prosas curiosas que a revista Imagem transcreve. Eis algumas pérolas citadas, com especial dedicatória a alguns bloguistas e, em especial, aqueles que confessam não levar à pratica a máxima: "A mulher é de quem a trabalha".

"O flirt é um invento de praia, amor epidérmico, leve; duas palavras trocadas, quando se está em maillot. Um amor que não deixa rasto, tal como uma onda, quando rebenta na praia. Na praia de Santa Mónica tudo é assim superficial. Profundo, só é o mar. (...) O flirt é uma bola com que os banhistas jogam, quando estão mergulhados até à cinta. Uma bola com vinte cores. (...) uma bola de sabão, que o vento desfaz; um rebuçado que sabe bem, que é delicioso, mas que passado meia hora, já nos esquecemos do gosto." [Robert Montgomery]

"Se eu escrevesse um livro, havia de intitular-se O Elogio do Maillot. Esse livro seria, ao mesmo tempo, o elogio da América. (...) Paris ensina a vestir. A América ensina a despir. Enquanto a Europa continua agarrada à literatura dos trapos, que inventam corpos divinos à mulheres, nós limitamo-nos a gritar ao mundo: vai-te despir! (...)" [Frances Dee]

"Este ano surpreendi um grupo de «estrelas» ao sol, completamente despidas, num canto discreto da praia de Santa Mónica. Era um grupo de vedetas célebres, adeptas do nudismo. (...) Confesso que fiquei agradavelmente surpreendido co esta visão da velha Grécia. Só a antiga imagem clássica das deusas ao sol, acabadas de sair da espuma, pode descrever a beleza daquele grupo. Fiquei ali horas, a contemplá-las e a filosofar! (...) os corpos das mulheres nuas já nem parecem nus. São maillots cor de rosa, através dos quais a alma espreita." [Frank Albertson]

" ... O paraizo devia ter existido ao pé do mar, numa praia larga com algumas rochas e uma ondas pouco violentas. Foi ali, concerteza, que os nossos primeiros pais viveram, completamente nus e felizes. Isso explica a atracção atávica que ainda hoje sentimos pelo mar, e o desejo que nos assalta de atirar para longe os fatos, quando nos deitamos na areia. (...) O maillot! Deixem-me fazer uma confidência. O maillot despe mais a mulher. Se Eva tivesse aparecido a Adão, vestida de banho, ele não só teria comido a maçã, mas toda a macieira! (...) [Charles Roggers]

[Conselhos de Gary Cooper] " Quando estiveres no estúdio, a filmar, sê o mais natural possível. Mas quando fores para a praia, não hesites: representa."

quinta-feira, 10 de julho de 2003

IMAGEM - REVISTA DE CINEMA DOS ANOS 30

Nas arrumações costumeiras, reunimos a revista IMAGEM, dirigida por Chianca de Garcia e com José Gomes Ferreira como redactor principal. Estamos a 10 de Maio de 1930, quando saiu o número 1, 24 páginas que custavam 1$50 (lembram-se?). O editor era Francisco Bertrand e o administrador João Sá. Na capa, com dedicatória especial à revista, a vedeta alemã Lilian Harvey. Do número de estreia, saliente-se o editorial «Sempre Cinema», onde se debate a questão do cinema mudo versus cinema sonoro

« ... surgiu para o cinema uma nova possibilidade. A imagem juntou-se ao som. E um novo sentido, num mundo que parecia imutável, surgiu, modificando toda a técnica de expressão de que o cinema se servira até hoje. (...) Quer isto dizer que o som veio completar o cinema - ou que o cinema mudo era uma Arte incompleta? Devemos confessar que não. A Lina geral, de Eisenstein, é, através de tudo, uma obra definitiva. (...) O sonoro terá um grande lugar, como tem na literatura o romance e a novela. Mas o mundo persistirá também, pela mesma razão que em todos os países os poetas continuam a sonhar».

Escrevem ainda, António Lopes Ribeiro (Crónica), José Gomes Ferreira (Os que não passam de figurantes. Reportagem sentimental), Cottinelli Telmo ( Os antepassados do sonoro), Rui Casanova (O que cortam os censores em Portugal).

[A continuar a visitação às revistas de antanho]

INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM (EUA)


Saiu uma amostra pequena (no Público de dia 7 de Julho, último) dos livros banidos dos manuais e do receituário escolar pelas «school boards» americanas. Os neoconservadores ianques, agora com a roupagem do politicamente correcto, não param de nos surpreender. Ou talvez não. Deles já se espera tudo. Eis algumas obras do Index, capaz de fazer corar de inveja o nosso Sousa Lara:

- Huckleberry Finn, Mark Twain
- Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley
- Uma Agulha no Palheiro, J. D. Salinger
- Adeus às Armas, Ernest Hemingway
- Diário, Anne Frank
- As Vinhas da Ira, Steinbeck
- Fahrenheit 451, Ray Bradbury
- Harry Potter, J. K. Rowling

BOLETIM BIBLIOGRAFICO Nº15 DE LUÍS BURNAY


Acaba de sair o Boletim Bibliográfico do Livreiro-Antiquário Luís Burnay, totalmente dedicado à bibliografia. Há muito que não tínhamos acesso a um conjunto tão expressivo de livros (684 exemplares) sobre a temática bibliográfica. Tudo é excelente para consulta bibliográfica e desde logo para bibliófilos. Refira-se:

- Bibliotheca Lusitana, de Diogo Barbosa Machado, 4 vols; Dicionário Bibliográfico Português de Inocêncio F. Silva e Brito Aranha, 25 vols; Livros Antigos Portuguezes1489-1600 da Biblioteca ... El-Rei D. Manuel, 3 vols; Catálogo da notável ... livraria ... do ilustre bibliófilo conimbricense Conde do Ameal [Josão Correia de Campos], 1924; Catálogo da ... livraria ... escritores e bibliófilos Condes de Azevedo e Samodães, 2 vols, 1921/22; Catalogo da Livraria Duarte de Sousa, 2 vols, 1972-1974; Manual Bibliographico Portuguez de Livros Raros,..., por Ricardo Pinto de Matos e prefácio de Camilo, 1878.

- Inúmeros catálogos de bibliotecas e livrarias particulares, que foram colocados em leilão, entre os quais a de Ávila Perez, do etnólogo Francisco Lage, do crítico de arte Alfredo Pinto Sacavém, do jornalista Geraldo Soares, do bibliófilo portuense Arnaldo Coimbra da Silva, da biblioteca de Rebelo da Silva, do Dr. Américo Teixeira, Dr. Jorge Peixoto, do escritor Fran Paxeco, do engenheiro agrónomo António Romão Passos, da importante biblioteca do Dr. António Simões Baião, do Eng. Pedro Joyce Diniz, da biblioteca do Conde de Ficalho, da biblioteca preciosa do industrial José Rodrigues Simões, do Prof. Cânones Francisco Gomos, do Visconde de Juromenha, de Francisco Gomes de Amorim, do cónego F. da S. Mattos (Porto), do Barão de Vila Nova de Fozcoa, da biblioteca do romancista Arnaldo Gama, da biblioteca e Arthur de Sandão, de Antonio da Silva Tullio, de Henrique Botelho, do Visconde de Ouguella, da livraria de José Maria Nepomuceno, do bibliófilo Dr. Luiz Monteverde da Cunha Lobo de Viana de Castelo [nós por cá temos um ternura muito especial por catálogos de livrarias e bibliotecas particulares. Pode consultar o site Bibliomanias para mais registos]

- um conjunto de livros importantes e curiosos, como a Bibliografia das Bibliografias Portuguezas, de António Anselmo, 1923; o Arquivo de Bibliografia Portuguesa, sob direcção de Manuel Lopes e Almeida, 56 números, 1955 ? 1968; a Bibliografia Geral Poruguesa sec. XV ? XVI, 1941-1983; o Bibliófilo Aprendiz de Rubens Borba de Morais, S. Paulo, 2ª ed. 1975; Bibliografia sobre a Economia Portuguesa, coordenada por Amaro Guerreiro, 1958 -1967, 13 vols; vários exemplares da Livraria Lusitana e catálogos dos irmãos Santos; A Bíblia do Bibliophilos, de Xavier da Cunha, 1911; a Arte do Livro - Manual do Dourador e Decorador de Livros, por Maria Barjona de Freitas, 1941; os Jornais e Revistas de Coimbra, 1931; Bibliografia Coimbrã de Pinto Loureiro, 1964; e muitos muitos mais.

quarta-feira, 9 de julho de 2003

IN MEMORIAM AUGUSTO ABELAIRA


AUGUSTO ABELAIRAIn Memoriam

Não podia deixar passar: gostava da escrita de Augusto Abelaira. “Bolor” e “Sem Tecto entre Ruínas”, com certeza. Mas, também, as crónicas do Jornal das Letras ou no Jornal. O romancista era demasiado humano para ser de companhia. Mas quem o conheceu sabe que entre a timidez e os infortúnios vários, existia um homem livre. Talvez por isso fosse pouco compreendido. Pouco lido. Nós dizemos – obrigado Abelaira.

NUM BAIRRO MODERNO - CESÁRIO VERDE


E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados,
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos d'uvas - os rosários d'olhos

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E, como feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vivida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras

[in, O Livro de Cesário Verde, Editorial Ática, Lisboa, 1945]

BOAS


De regresso, fico estupefacto com tantas novidades em tão poucos dias. Isto na blogosfera. Porque o país e o mundo estão na mesmíssima posição (perigosos à maneira de Pulido Valente).

- Direi que o fecho do Blogo não é aceitável. E como tal, proponho uma manif bloguista contra a decisão do(s) mentor(es) desse importante espaço que agora desaparece. Não há substituição possível. Volte ao work, já!

- Fiquei comovido pelo bestial figurino do amante de Berlin, o nosso caro MacGuffin. Rodeado de livralhada, a mão docemente segurando o peso da teoria liberal, o Carlos deu a cara no Contra a Corrente. Fez bem. Cada um dá o que pode. Só lamento que em vez de referir o ar “de puto” que supostamente tem, não termine o MacGuffin com a velha máxima de Baudelaire, “A verdade enfática do gesto nas grandes circunstâncias da vida”. Dava uma atmosfera mais erudita.

- Lemos com o recato possível, sem ousar corar por uma única vez, a crónica da Charlotte em estylo maviosamente Carlos Castro (como sugere o JPP) sobre a elegante e cuidada reunião da UBL. Post de impressões (in eternum manebit et ultra) é um curioso documento para a história da blogosfera. Ficámos sabedores da inteligência do Lomba (a juventude é um mystério), compreendemos a timidez Mexiana que depois é transposta para a poesis com sucesso, também concordamos que O Intermitente deve ser castigado, enquanto os giros De Direita não por serem giros. Até aqui tudo bem, mas quer no post da piedosa bloguista Charlotte, quer naquele outro do Pedro Mexia, nada nos é dito sobre os pormenores da desbunda gastronómica havida, nem nos é referido as sinopses das comunicações proferidas, pelo que suspeito deve ter ocorrido o que o narrador de Fradique Mendes nos diz: “Nada de ideias! Deixem-me saborear esta bacalhoada, em perfeita inocência de espírito, como no tempo do senhor D. João V, antes da democracia e da crítica».

quarta-feira, 2 de julho de 2003

O ALMOCREVE AUSENTA-SE POR CURTOS DIAS



Eis, mais acima, sob as vossas cabeças e clamores, o momento da partida. Serei nestes dias um mutante de barriga ao sol. Mas voltaremos quando reunirmos a saudade e em antiquíssimo cantar dos frescos campos do Mondego, faremos espaço de reflexão e de dizeres outros, retomando a nossa (e vossa) ventura.

Pretium laborum non vile. Até Segunda!

Vale

JOSE LAMEGO, O VIGILANTE DAS CIMENTEIRAS


Lamego ontem refutava os actos belicistas no Iraque. Hoje a mando da Secil corre alegremente para lá. Lamego quer ser o primeiro. Eis os últimos suspiros de um velho revolucionário a caminho da velhice. Não pode, o camarada Lamego, sacar das medalhas da sua luta contra o Estado Novo, exibindo o curriculum de ter sido barbaramente agredido nas cadeias da Pide se agora num perfeito golpe de rins, vacila no que é mais sagrado no Homem - ter espinha vertical. Lamego, manifestamente, não tem. A mando das Empresas da Construção Civil, o ex-maoista e actual socialista perdeu por fim o pudor. Afinal, a caminho da velhice, o vil metal está primeiro que a honra e a ética.

Começa a ser preocupante o papel que um conjunto de jovens oriundos da extrema-esquerda, versão maoista, começam a ter na política caseira e internacional. E acompanhar o seus percursos é lembrar o tempo, a lembrança. Não bastava o José Manuel Fernandes (travestido de mestre escola liberal), o João Carlos Espada (mais soft porque a vergonha persiste), o próprio José Pacheco Pereira (nas suas análises de política internacional - que na política lusitana desmarca-se quase sempre - embora se lhe reconheça algum fair play e inteligência política e cultural), o Pedro Baptista convertido agora em simples amador de futebol, versão Pinto-costista, o Henrique Monteiro a colunar expressivamente em defesa da nova pátria do tio Bush, o Vilaça agora literato e fazedor de canções, e muitos mais.

Eis pois um trabalho interessante, a fazer pelo nosso Estudos sobre o Comunismo, sobre a chefia e o percurso individual dos principais dirigentes dos vários movimentos à esquerda do PCP, antes e depois de Abril - desde os troskystas Lambertistas ou Pablistas, ou versões mais familiares, toda a tribo maoista que, dos URML, UCPML, UCMLP, OCMLP, PCPml (em todas as suas versões), O Bolchevista, a ORPCml, MRPP, ... - que contribuíram, de facto, para um Portugal melhor mas ao mesmo tempo instalaram a perplexidade nos tempos de hoje. Porque não acredito que o mundo tenha mudado e os intervenientes restassem na mesma posição. Como quer fazer passar o JPP quando diz que (ele, JPP) não mudou nada, mas sim o mundo. Suspeito que é mais, aquilo que diz Herberto Hélder - As palavras não fazem o homem compreender / é preciso fazer-se homem para compreender as palavras.

REVISTA EPICUR

Para os epicuristas, que os há ainda, a boa nova: acaba de sair o nº34 da EPICUR, superiormente dirigida por Mestre Alfredo Saramago. Logo na abertura podemos ver as fotografias do grupo de aprendizes dos puros, agora em terras da Figueira da Foz. Consta que castigaram várias Quintas dos Cozinheiros, o que me preocupa pois estou a ver que vai subir de preço, rapidamente, ali feita perto da Marinha das Ondas. Mas o tema de eleição é o whisky (assim mesmo escrito). A não perder: uma entrevista a João Paulo Martins, um vate do vinho em Portugal e que tem a ousadia de nos dizer que, "aí pelos 17 ou 18 anos" começou a calcorrear as tascas e mercearias velhas de Lisboa, tendo comprado a sua primeira Barca Velha a um extraordinário preço de 200$00, o que dá direito a ser seviciado imediatamente. Depois, um texto que me assustou, de título, " Garrafeira Guterres", o que seria fantástico: o nosso António abandonando os prazeres celestiais, caindo no pecado terreno. Mas, não é isso, podem ficar tranquilos. Trata-se de João Guterres, de Valença, que tem um autêntico "quartel-general" de vinhos e charutos - Aromas de Vinho. Por fim, uma prova de charutos: Juan Lopez (corona gorda) desta feita. Cubano claro. Refira-se uma entrevista a Jaime Gama, um praticante de puros, e as colunas habituais. Boa leitura a todos e em especial ao Fumaças.

FESTA DOS TABULEIROS OU FESTA DO ESPÍRITO SANTO - TOMAR


A serenidade incómoda, nunca explicada, que nos invade em Tomar, ruas a fugir de ruas, esguias, labirínticas, castelo ao fundo, é sentida por todos que lá vão em visita. O saber do corpo e da terra estão presentes num ritual mágico-religioso ao longo do rio Nabão, num enamoramento que o corpo responde com as doçuras das coisas perenes. Ao longo do ano, no solstício sem dúvida. Na Festa dos Tabuleiros também. Os agradecimentos à Divindade o produto das colheitas, em "acções de graça" de uma religiosidade pagã que se perde nos tempos, tem uma das suas expressões ritualistas mais poderosas em Tomar, nas festas em honra do Espírito Santo. Como nos Açores terá e tem. "É esse o nome do povo, o culto popular do Espírito Santo" [Agostinho da Silva].

"Talvez o povo, para que se atinja seu ideal de governo, de economia e de liberdade, saiba de Constituições mais adequadas do que aquelas que, talvez sempre com as melhores das intenções, lhe fabricaram os especialistas; talvez para um Portugal do Espírito Santo ... " [Agostinho da Silva]

Tomar, pois. "A Festa dos Tabuleiros é essencialmente constituída por um CORTEJO de oferendas, neste caso particular o PÃO, fruto da terra e dom de Deus. Quer a tradição que todos, indistintamente, recebam após a festa o seu Quinhão - a PÊSA - de Pâo Abençoado pelo Pároco - PÃO BENTO - e a CARNE, produto das rezes abatidas propositadamente e que, primitivamente, seriam imoladas em sacrifícios. Também, por vezes, se tem feito incluir na «Pêsa» o Quinhão de VINHO" [Programa Oficial das Festas, 1950].

Tomar, Teodomar dos Visigodos, lugar protegido pela Virgem Negra, presente na Igreja de Santa Maria do Olival (ou da Nossa Senhora das Oliveiras), mais tarde, ao que parece [O Ouro dos Templários. Gisors ou Tomar, Bertrand]" anexada por um convento de beneditino de quarenta e quatro frades? [note-se, 44], a lenda de Santa Iria [ou Ireia, vide Amorim Rosa, "Tomar"], a mixagem cultural, antropológica e etnográfica aí presente; o Castelo dos Templários, o Convento de Cristo, a Ermida da Conceição, a Igreja de S. João Baptista, a Sinagoga, todo uma via simbólica, arquitectónica por descobrir. Como em Sintra, Mafra, Batalha ou nos Jerónimos [vide o Jornal V Império, 1991]

Tomar, Ordem do Templo ou Ordem de Cristo. Gualdim Pais, vindo de Bragança, aluno dos Cruzios, símbolo da defesa desse lugares, mas também procurando "os conhecimentos" que o universalismo templário assumia. Dupla face: Esóterico (Igreja de S. João) versus exóterico (Igreja de S. Pedro). Daí a presença importante da comunidade judaica. O Castelo Templário, o ovo alquímico nas ruínas do castelo que nos diz que a Grande Obra se realizou. A Charola, templo dentro do castelo, octogonal, os medalhões da com a Cruz de Cristo nas abóbadas, edifício único da época, lendas sobre os subterrâneos ou câmaras de iniciação debaixo da sala; a Janela Manuelina do Convento de Cristo com traçados geométricos elucidativos, a Ordem da Jarreteira e do Tosão de Ouro aí presente, que nos leva ao claustro da Micha e do Corvo; e de novo surge Hermes de Trimegisto, lá no alto da abobada; o Olho de Boi Manuelino, com a presença (constante na arquitectura templária) de ângulos de 17 e 34 graus. Eis uma linguagem secreta por descobrir. Toda uma cosmogonia para estudar. Toda uma Terra para visitar.

[Há uma extensa bibliografia, em livros, brochuras, revistas sobre Tomar. Julgamos que é prossível começar por consultar o site Bibliomanias, onde pode aceder a um conjunto, imcompleto que o é, mas expressivo sobre a temática em causa]

terça-feira, 1 de julho de 2003

TOMAR



Ainda hoje
As constelações
São em ti esplendor,
Ponto vivo
De energia e de amor.

Quando batem as horas
No bronze alquímico
Os cavaleiros vigiam
No altíssimo segredo
O nosso inteiro destino.

Tomar,
Onde a neblina
Quando se forma,
É uma esfera armilar

[Eduardo Aroso, in Poemas do Arquétipo, 1990]

FESTA DOS TABULEIROS


Não me apetece escrever. A Net está tão bem nutrida que um tipo se perde nela, alegremente, enquanto cai a noute.

Poderia dar um bravo pelo texto do Daniel Oliveira no Público de hoje. Espantoso de força, pertinente nos argumentos. Arrasador. Ficámos, porém, preocupados dado a dama de Matos ser nossa cliente desde sempre. Nunca perdemos uma boa gargalhada com os paroquiais textos da senhora. E, também, suspeitamos que possa andar amancebada intelectualmente com o profeta César das Neves. Que tal um "Breve Tratado da Raiva", ó dupla maravilhosa?

Assim, fica para amanhã referir a FESTA dos TABULEIROS, ou FESTA DO ESPÍRITO SANTO, que acaba no próximo fim de semana. A não perder em Tomar. E, já agora, alumiadas as almas, será sempre útil castigar o corpo com a gastronomia local.