O desportivamente correcto ou coisas do Carvalho"
Ele era daqueles que querem sempre fazer mais e melhor, mesmo quando não lho pedem. Essa qualidade, num criado, é abominável" [
G-C Lichtenberg]
Estamos maravilhados. Pelo que nos avisam, a
missão d'hoje - provida em embrulho muito civilizador, respeitável e sempre obediente - é reconhecer o princípio e o ensinamento da "
coisa" dita correcta. A autorização para o uso do testemunho da infâmia já foi. E belos tempos foram. Hoje floresce entre nós a temporada das pombas mansas. Temos de ter majestade nos conceitos, dúvida na disputa, cerimónia nas palavras. O assunto do contraditório é sempre esculpido entre um breve insinuar do
politicamente correcto, o piscar d'olhos e a eterna pancadinha nas costas. Todos bem-educados.
Na verdade, que vemos nós? Que contra a perversão da labita sempre odiosa da canalha, se exige a
fineza do subtilmente correcto. Exemplos!? Tem um homem, num achaque de lhaneza, necessidade de enviar à merda um árbitro, a mulher, um jornalista, o patrão ou um primeiro-ministro, mas,
hélas, deve sucumbir ao politicamente correcto e fazer fé na oratória do dr.
César das Neves ou citar, se for caso disso,
Paula Bobone. Mais: quando o cidadão, por exemplo, é aliviado na carteira, delicadamente, pelo notável
Ministro das Finanças, deve sorrir de encantamento pátrio. É o que diz a boa língua do jornal
Expresso & outros papéis de referência. Na sua casa, rezam as crónicas, o gentio luso tem o
venerável compromisso de não importunar os meninos e meninas, para não ser tratado por libertino e evitar reparos de maior. De facto, os psicólogos e os sociólogos estão, como se sabe, em todo o lado. Todo o cuidado é pouco. Leia-se os relatores. E no restaurante? Aí, deve o sujeito ser fiel ao cardápio, encomendar
polidamente, não escancarar a boca de protestos e jamais,
mas jamais, deverá ser herege em casa alheia. A civilização, ilustremente correcta, exige-o.
Essa qualidade
natural do sujeito moderno (dirá o
paciente liberal em trânsito na blogosfera) é estupenda, distinta e de referência. Evidentemente para todos os não-vulgares. Mas mesmo entre os outros, os ordinários indígenas, o
consenso começa a ser ecuménico. Ser correcto politicamente, literariamente, sexualmente ou desportivamente, eis a superstição recente. Estamos em pleno vitalismo neo-burguês. É o aperfeiçoamento da modernidade, o bordão da globalização, a vibração liberal, dizem.
Ora tal manual de civilidade arribou em força este Verão, via
Mundial de Futebol. As croniquetas últimas foram fatais. Não há mais pachorra. Vem o caso, que uns, vítimas de dor futeboleira ou por convicção de sentinela avançada da "
coisa" dita correcta, promoveram, em altos brados, essa nobre arte do desportivamente correcto num palavrório que culminou, imponente, em editorial à
Manuel Carvalho. No jornal
Público, tendência
JMF. Com efeito, o vaidoso
Carvalho, não tendo o
Rui Rio à perna todos os dias, investiu sobre a generalidade dos indígenas, em particular os do futebol. Depois de
aturado estudo televisivo, o escosido
Carvalho sustenta que somos todos
manhosos,
viciosos,
palavrosos (coisa perigosa!),
dissimulados. No futebol e em tudo. A dor oftálmica é do
Carvalho. Portanto, nada de espantos: os outros lá fora (
ingleses ou franceses) são o exemplo a seguir, a raça ungida e fidalga. Por cá, só na aparência se sabe o que é o futebol. Sigamos, pois, o
Carvalho.
Avanti!