terça-feira, 11 de julho de 2006


Leituras & anotações

(15 Julho) International Day of Protest: Shut Guantanamo Now! / Bush Is Pressed on Reporting Domestic Surveillance [The W. Post] / Como vender o liquidar una biblioteca particular recibida en herencia / George Bush singing 'Sunday Bloody Sunday' [video] / Globalisation and its contents [The Little Magazine] / Google acabará con las bibliotecas [El Confidencial] / Hate Groups Are Infiltrating the Military, Group Asserts [N.Y.T.] / The Genius of George Bush [video] / The Six Sins of the Wikipedia [Sam Vaknin] / Velvets top album poll

Imposible negociar las pasiones - entrevista com George Steiner

Dice usted en En el castillo de Barbazul, de manera bastante abismada, que la cultura no vuelve al hombre más humano. Habla incluso de una cierta derrota de la cultura. Existiría una proximidad inquietante entre la cultura y el horror.

Le responderé en dos partes. Primero existe lo que yo llamo la 'paradoja de Cordelia'. Regreso por la tarde a mi casa después de haber leído con mis alumnos El Rey Lear, con la cabeza ocupada aún por las palabras de Lear que sostiene en sus brazos a Cordelia muerta: 'Never, never, never...', pero no oigo los gritos de la calle. La ficción es más poderosa que los lamentos de aquellos que sufren a nuestro alrededor. No por omisión deliberada, sino por un mecanismo psíquico que hace que el gran arte se apodere de la conciencia a tal grado que nos hacemos insensibles a los gritos de los hombres de carne y hueso. ¡Es una paradoja horripilante! Mi segunda respuesta concierne a la fractura entre la forma inhumana que tiene un hombre de llevar sus actividades políticas o públicas y su capacidad para crear belleza. Nietzsche responde que la belleza está más allá del bien y del mal. Yo puedo entenderlo por lo que respecta a la música, pero no con la literatura. No acepto la idea de que el hombre pueda dividirse en pequeños compartimientos estancos. Para mí, es el mismo hombre el que por la tarde interpreta a Bach y el que por la mañana tortura en un campo. Sin duda resulta inexplicable, pero lo que es seguro, en cambio, es que las humanidades no resistieron a la barbarie. ¡La música no dijo no! Poco antes de suicidarse, Walter Benjamin escribió: 'La base de todas las obras maestras es la barbarie' [ler toda a entrevista, aqui]

in Confabulario - suplemento de cultura de El Universal. México, 1 de julio de 2006 [aliás, in Magazine Littéraire, trad. de Alberto Román]

sexta-feira, 7 de julho de 2006


Alguma Poesia e outras considerações desagradáveis

"... Há, nitidamente, na mais jovem poesia portuguesa, um retrocesso. Tenho observado, com mágoa, a infinita suficiência destes livros. Quer formal, quer intimamente, estamos na época da 'Maria-vai-com-as-outras'. E tudo serve: as descobertas ou hábitos formais dos outros, o grande destino do homem (que merecia mais meditação e mesmo declamação), até a própria habilidade rítmica. Tudo serve, desde que seja possível o individuo convencer-se, e aos seus pares, de que é poeta (...)

Nunca se publicaram tantas críticas, e nunca, suponho eu, se leram tantos metros de prosa, impressionista, didáctica ou erudita, falando de tudo, menos da essência da obra criticada.

De modo que, em resumo: por um lado, a critica oral ou escrita faz o elogio dos epígonos e da mediocridade; e, por outro lado, lamenta amargamente a mediocridade reinante. Isto é um beco sem saída, para quem está nele ..."

[Jorge de Sena, Mundo Literário, nº2, 18 de Maio de 1946]

In Memoriam José Vieira Marques [1934-2006]

"Partiu como chegou ao mundo do cinema silencioso, afável, disponível para dar a conhecer cinema de todos os continentes e linguagens estéticas. José Vieira Marques, antigo director do Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz, morreu aos 72 anos, em Setúbal. Ontem, foi a enterrar no cemitério de Algeruz, na cidade onde vivia com a irmã.

Um homem de inspiração humanística, com uma visão plural da vida e da sociedade. Foi padre, mas o cinema foi sempre encarado como uma forma de promoção cultural e de conhecimento das pessoas", destacou António Roma Torres, médico psiquiatra e crítico de cinema durante vários anos no JN ..."

[Manuel Vitorino, JN]

quinta-feira, 6 de julho de 2006


It is I, João Carlos Espada!

"Sperai! Caí no areal e na hora adversa" [F. Pessoa]

Pobre de nós! Julgámos que o desabafo do trovador liberal João Carlos Espada, no penúltimo Expresso, era um rabisco a descoberto. Dizia o professor, da jangada do seu Mar Aberto, que a dita "coluna" se despedia do Actual. Não concluímos a leitura ilustrada da coisa, porque aturdidos pelo cantar do Espada, abrimos insidiosamente uma Quinta do Crasto, por sinal bem honesta, e assim ficámos em amena conjectura sobre tal vaticínio do inefável professor.

Mal de nós! Fomos, por demais, imprudentes. Acontece que entre o regalo de antever o Espada no conforto do lar, afinal coisa de Lord, ou magicarmos o inferno do professor alapando-se no Hotel Palácio do Estoril (ouviram a música!?) com todos aqueles senhores do King's College, de Harvard, ou mesmo vindos da Wyzsza Szkola Biznesu, para não falar já da senhora Filomena Mónica ou do poetrasto Graça Moura, não concluímos a croniqueta do Actual. Ora sucedeu que a zelosa Balbina, fiel empregada da casa, desempestou o escritório e arrumou o papel do dr. Balsemão para um qualquer canto esconso e inatingível. Nada de temer.

Portanto meus amigos, imaginem a alucinação havida, quando esta semana, debaixo do trecho espirituoso do jovem Coutinho no 1º caderno da folheca balsâmica citada, surge o olho maroto do imortal professor João Calos Espada, fitando-nos. Que susto!

Disse-nos: It is I, João Carlos Espada!. E era, de facto, o exterminador do intelecto indígena. Fugimos dali, inopinadamente ... até hoje. Mas estamos vivos para contar. Deo gratias!

segunda-feira, 3 de julho de 2006


Gil J. Wolman [1929 - m. 3 Julho 1995]

"A herança literária e artística da humanidade deve ser usada para objectivos propagandísticos de guerrilha. É, evidentemente, necessário ir além do mero escândalo. Já que a oposição à noção burguesa de arte e génio artístico se tornou há muito um sapato velho, o bigode que Duchamp pintou na Mona Lisa não é mais interessante do que a própria Mona Lisa sem bigode. Nós precisamos empurrar este processo ao ponto de negar a negação ..." [Debord & Wolman]

"Gil J. Wolman a créé une série de gestes de négation de l'art, portant sa destruction jusqu'à ses ultimes conséquences. Paradoxalement, les processus d'extinction, mettant en crise la notion même d'?uvre, font de lui l'un des créateurs les plus extrêmes du Lettrisme et de l'Internationale Lettriste qu'il fonde avec Guy Debord. Son ?uvre 'désoeuvrée' est le chaînon qui mène directement à l'Internationale Situationniste. C'est au c?ur de cet 'anti-art', de cette 'décréation', que se situe son rapport au Surréalisme. Du mouvement d'André Breton, il va reprendre en les inversant, ou les détournant, la plupart des signes. S'il détourne pour lui rendre son sens premier explosif, s'il coupe, assemble hors de leur contexte, des fragments de mots, de phrases du 'Traité du style' d'Aragon, c'est extrait d'une édition pirate de 1979, circulant avec au verso une 'épitaphe' iconoclaste de Louis Scutenaire 'Ici gît Aragon Louis'. On n'est pas sûr que ce soit lui; quand il reprend un portrait de Benjamin Peret, ou de Breton, Eluard et René Char, c'est pour en faire une 'Inhumation', un effacement par la couleur blanche ..." [ler mais aqui]

Locais: Gil Joseph Wolman / Gil J. Wolman / Lettrism / Internationale lettriste / Um Guia Prático para o Desvio [Debord & Wolman] / Intervention de Gil J Wolman, délégué de l'Internationale lettriste, au Congrès d'Alba, en septembre 1956 / Uivos para Sade (manuscrito do filme)

3 - Aniversários atrasados - 3

São eloquentes, polidos e deliciosamente encantadores. Não se trocam contra reclamações. Exercitados de virtudes, têm todas as licenças necessárias. Escrevem por palavras, lidam com o mundo, saltam todos os muros. Fizeram 3 - Anos - 3 de esperançosa paixão. Têm uma alma feliz. São livres. O Adufe, o Avatares do Desejo e Dias com Árvores estão de parabéns.

Saúde e fraternidade. Cheers!

10 Stupids Boys, One Tiny Hooligan

"Que bela noite ordinária eu passei!" [Alexandre O'Neill]

Não há nada de mais viscoso que o bramido imbecil do jornalismo tablóide inglês. Pior que a azáfama desses mal-castrados ingleses, sempre em festins conspiratórios & devassas que agoniam, só os escritos hilariantes de Sir João Carlos Espada no "Mar Aberto". God save the Queeen!

A campanha difamatória, alarve, mesmo xenófoba, com que a imprensa de Inglaterra envenenou o jogo de Gelsenkirchen, a que se seguiu, depois da derrota inglesa, ignóbeis comentários e pedantes ameaças, contra tudo e todos, revela a escumalha do pior jornalismo. God bless us!

Que os jogadores ingleses, todos bem tratados de libras & de mulherio aos pés, sejam assim difamados publicamente por analfabetos compulsivos, revelam como desprezíveis são. E não mereciam. Porque jogaram bem e com acerto táctico. Mas cada qual tem o que merece. E bem.

UM GRUPO ... UMA EQUIPA


"Temos que baste: a pátria à janela
e a vontade na cama
" [Eduardo Pitta]

Temos excelentes indígenas. Francamente vigorosos, quase perfeitos No trabalho, a obrar o ensino, na literatura, a fazer estádios, na organização da coisa pública, a construir presidentes, na oração económica, a montar projectos, na confissão de existir, a submeter cenários financeiros, no vigor da critica, a desconstruir o Estado. Somos inteiramente infalíveis. Na verdade somos todos úteis rapazes & muito melhores raparigas. Exemplos?

Temos o lavado Sócrates, a postulada Agustina, o prodígio Belmiro, a TV Cabo, o pastor José M. Fernandes, a família Palla & Costa, o compadre Marcelo, a sacristia do Espada, o spin Carlos Castro, a cabeça de Rui Rio, o laço primoroso de Nicolau Santos, a sandice de Vasco Rato, o professor Cavaco, a implacável Helena Matos, o Sporting, a Universidade de Coimbra, o mercado literário do E.P.C., a frontaria económica de Sérgio Figueiredo, o iconoclasta Rui Ramos, a diva Rebelo Pinto, o mundo parlamentar, a obra do Alberto João, o Nobel Sousa Tavares, a revista Atlântico, o autorizado liberal João Miranda, a luminária Inês Pedrosa e o senhor Pinto da Costa. Possuímos quase toda a inteligência e glória. Os nossos eruditos indígenas são magníficos. Iluminam. Somos quase bons.

Mas nada se compara com o futebol. No futebol, para espanto dos ignorantes & para alegria da canalha, é que somos, realmente e definitivamente, excelentes. O futebol, assim castigado pelo grupo de Portugal, arrebata a perfeição em cada um. Bastaria o esforço e dedicação contagiante dos nossos jogadores, contra a velha Albion, para mudar o país. Mais provavelmente, restaria unicamente o profissionalismo e seriedade de Ricardo para sermos um país normal, com uma elite inteligente, prática e estudiosa. Não será difícil, sabe-se agora, imaginar que, se porventura os nossos governantes fossem estrangeirados, a nossa viagem seria uma outra. E o país não falaria sozinho. Dúvidas?

sexta-feira, 30 de junho de 2006


Frédéric Bastiat [n. 30 Junho 1801-1850]

"O Estado é a grande ficção pela qual todos tentam viver às custas dos outros" [Bastiat]

"Bastiat fut profondément catholique et profondément liberal" [Silvio Berlusconi]

"Os economistas têm uma maneira singular de proceder. Para eles existem apenas duas espécies de instituições, as artificiais e as naturais. As instituições feudais são instituições artificiais; as da burguesia são instituições naturais. Nisto assemelham-se aos teólogos, que também distinguem duas espécies de religiões: qualquer religião que não seja a sua é uma invenção dos homens, enquanto que a sua própria religião é uma emanação de Deus. Deste modo, houve história, mas já não há" (Karl Marx, Misere de la Philosophie. Réponse à la Philosophie de la Misere de M. Proudhon, 1837, p. 113)...

O mais divertido é Bastiat, que imagina que os gregos e os romanos viviam apenas da rapina. Mas para se viver da rapina durante vários séculos, é necessário que tenha existido sempre qualquer coisa para roubar ou que o objecto das rapinas continuas se reproduza constantemente. É de crer, pois, que os gregos e os romanos tivessem também o seu processo de produção, e portanto uma economia que constituía tanto a base material da sua sociedade, quanto a economia burguesa constitui a base da sociedade actual. Ou pensará Bastiat que um modo-de-produção assente no trabalho dos escravos é um sistema de roubo? Coloca-se então num terreno perigoso. Quando um gigante do pensamento como Aristóteles pode enganar-se na sua apreciação do trabalho escravo, por que é que um economista anão como Bastiat haveria de acertar na sua apreciação do trabalho assalariado?" [Karl Marx, O Capital]

Locais: Frédéric Bastiat (1801-1850) / Between the French and Marginalist Revolutions / The Law

Inês Pedrosa: a menina que rouba gargalhadas

Inês Pedrosa, derradeiro génio do Alegrismo indígena e escriba da "Crónica Feminina", foi atormentada por um jornal com uma exuberante questão escolástica: "Os professores são culpados do insucesso escolar?". Atrevida e ingrata interrogação do jornalista, mas que não intimidou a redactora deliciada de "nas tuas mãos".

A inspiração da versada Inês, envolta em educação literária e deslumbrante na sua pública anemia política, deu-lhe para dizer: "Sim. Se metade dos alunos chumbam não é porque são mais burros que os outros. A culpa é dos professores e de quem os educou. A ministra está a ser corajosa". A arborização deste argumento pedrosiano abate qualquer um. Assim transida de pedagogês escorreito, a tesourada que a formidável Inês deu, honrou-a para todo o sempre.

Pode, de algum modo, estar Inês num noante laudatório à mulher-ministra, ou mesmo em exercícios de venadoria rosa, mas lembramo-nos sempre do que judiciosamente afirmou, alhures: "há sempre gente pronta a aplaudir os que fritam os outros, para não se queimar".

Ora não consta que Pedrosa mexa em questões de exorcismo pedagógico, à cause da angústia literária. E sabe-se, também, que a única banalidade de base sobre o ensino que tricotou recentemente foi preconizar que "uma criança de 3 anos" deva ler Manuel António Pina ou Sophia (prudentemente não refere as histórias para crianças dos autores, para não arreliar os papás). Ora, como a ministra da educação expurgou do exame de eduquês ao 9º ano o vate Camões e o ourives Gil Vicente, à revelia dos programas & à sorrelfa da contemplação de Inês Pedrosa, estamos decididamente confundidos. Será que é desta que a serviçal do eduquês ministerial escrevinha um folheto sobre as "Instruções aos amantes" da educação? Agradecia-se dedicatória. Obrigado!

Aniversários - Blogs

3 blogs que são palácios, blogosfera acima, excelentes para pousios desregrados, escrita seleccionada, másculos de palavras e límpidos d'espírito. Recebem todos os dias, com honra e vícios estimulantes. Dão festas admiráveis, letras íntimas, postas insinuantes. Têm colaboradores encartados. Dão-se alvíssaras!

Parabéns Aba de Heisenberg, Memória Virtual, Respirar o Mesmo Ar. Saúde e Fraternidade.

terça-feira, 27 de junho de 2006


Catálogo 13 da Livraria D. Pedro V

Saiu o Catálogo do mês de Junho da Livraria D. Pedro V (R. D. Pedro V, nº 16, Lisboa), a preços convidativos.

Algumas referências: Mistérios da Praia da Rocha, de Marcos Algarve, 1926 / Fado. Origens líricas e motivação poética, por Mascarenhas Barreto, Áster, s.d. / O Português Cristóvão Colombo agente secreto do Rei Dom João II, de Mascarenhas Barreto, 1988 / Na Senda da poesia, de Ruy Belo, 1969 / A Selva, de Ferreira da Castro [il. de Portinari], 1955 / A Cruz de Vila Viçosa, por Rodrigo Vicente D'Almeida, 1963 / Saudades de Mim, de António Ferro, 1957 / A Caravela Portuguesa e a prioridade Técnica das Navegações Henriquinas, de Quirino da Fonseca, 1978, II vols / O Saloio, por João Paulo (Mário) Freire, Porto, 1948 / Revolucionários e Querubins, por José Martins Garcia, Ed. Afrodite, s.d. / O Districto de Aveiro, por Marques Gomes, 1877 / Dezanove Recantos. Epopeia Sumária, de Luiza Neto Jorge, 1967 / Páginas Desconhecidas, de J. P. Oliveira Martins, Seara Nova, 1948 / In Memoriam de J. P. Oliveira Martins, 1902 / In Memoriam de Ferreira da Castro, Cascais, 1976 / Saudade para Dona Genciana, de José Rodrigues Miguèis, 1956 / Bibliografia das Literaturas Africanas de Expressão Portuguesa, de Gerald Moser & Manuel Ferreira, 1983 / O Culto da Arte em Portugal, de Ramalho Ortigão, 1896 / Textos Sadinos, por Luiz Pacheco, 1991 / As Amantes de Dom João V, por Alberto Pimentel, 1892 / A Ditadura do Proletariado, por Carlos Rates, Ed. Batalha, 1920 / Na Linha de Fogo. Crónicas Subversivas, de Manuel Ribeiro, 1920 / Rui Knopfli Memória Consentida 20 Anos de Poesia, INCM, 1982 / Nuno Gonçalves, por Reynaldo dos Santos, 1955 / Memorias das Antiguidades de Mértola, por Sebastião P. Martins Veiga, 1983 / Sermões, pelo Padre António Vieira, Obras Completas, 1959, IV vols (XV tomos)

segunda-feira, 26 de junho de 2006


Valente equipa!

"Na Holanda o Demónio era negativo (...)

Na Holanda é assim. O Demónio está no meio das vacas - não escreve poemas. Não pode exercer os seus dons. Pensa, perde o nome
" [H.H.]

Eis uma equipa valente & d'alma repleta de ambições. Eis uma selecção ardente de sabedoria, de instinto altivo. Que a todos contagia. O manto de futebol que a selecção de futebol de Portugal fez desfiar na Batalha de Nuremberg, contra uns holandeses medrosos, grosseiros e pouco talentosos, recompensa qualquer mortal. Dos que gostam de futebol, evidentemente.

Aos que vaticinavam mil desgraças e celebravam maldições a jogadores e à equipa técnica, de novo o céu lhes caiu sobre as cabeças. Aos tumultos de Pinto da Costa, Manuel Serrão ou, mesmo, de Rui Santos, o grupo de Portugal deu um testemunho de valentia, uma bofetada de paixão, uma lembrança cruel. E que merece ser louvado. Aos que desprezam o futebol, com a perversidade do politicamente correcto enquanto expurgam as paixões da vida tão putativamente vivida, que não desistam: um dia sereis, fatalmente, felizes.

quinta-feira, 22 de junho de 2006


Hoje estivemos assim ...

"Estamos gastos sim estamos
gastos
O dia já foi pisado como devia
e de longe nosso coração
piscou na lanterna sanguínea dos automóveis
Agora os corredores nos desaguam
neste grande estuário
em que os sapatos esperam
para humildemente conduzir-nos a nossas casas ..."

[Francisco Alvim, Drummondiana: A Roupa do Rei]

Dos Blogs ... para fugir à moléstia

- III Aniversário: farol da escrita pura ou lugar dos afectos, o Opiniondesmaker fez 3 (três) anos venturosos. A sua escrita não carece de descanso. É um pergaminho de sentimentos incessantes onde se respira eternos e frondosos prazeres. Sigamos então os passos do Desfazedor de Rebanhos. Parabéns!

- "... A escrita alquímica não é uma encantação, é uma incantação, no impulso que leva os alquimistas a descrever, repetir, citar, enumerar , recordar e recordar num labor incessante que o MUTUS LIBER com as suas gravuras apresenta , sem contudo desvendar o segredo que todos ambicionam descobrir. Não há segredo, há trabalho ..." [Y. K. Centeno]

Não há felicidade maior que o luzimento de acompanhar a escrita de Y. K. Centeno. Maior arquitectura que sonhar os raios "desta vida ainda inteiros na boca" [As palavras que pena]. O espírito da revelação em 2 Blogs, assim tão perto de nós, é magnificente. Mil graças ... as nossas!

- A esta hora, na Casa Fernando Pessoa, o intelecto de Alexandre Soares Filho asfixiou Lisboa. Certamente! A coisa prometia animação e todos os cavalheiros de peito liberal foram depositar saudades. Esperemos pelos testemunhos de reconhecimento, por amor dos aplausos. Somos ... todos ledores & ouvintes.

Anotações

Barbara Epstein, Editor and Literary Arbiter, Dies at 77 [N.Y.T.] / Ladrões levam toda coleção de gravuras de Debret no Rio / The Unequal Exchange of Time and Space: Toward a Non-Normative Ecological Theory of Exploitation [Alf Hornborg] / Copacabana e a cultura urbana carioca

terça-feira, 20 de junho de 2006


Arrumações - Vynil, CDs e Cassetes Piratas

"Sou uma pessoa de gostos simples, contento-me com o melhor" [O. Wilde]

Formosa new wave ou diamante de virtude. Até a noite é mais bela, assim despojada de pecados. Afinal os corpos são "vastos como a aurora /... / com as mãos estendidas a tactear o cenário" [Queneau]. A lista de mazelas do Bande à Part dos Nouvelle Vague é isso mesmo. Um hino ao coração. Ao nosso ... evidentemente. Ilimitadamente.

Nouvelle Vague - Heart of GlassCastpost

"Once I had a love and it was a gas
Soon turned out had a heart of glass
Seemed like the real thing, only to find
Much to mistrust, love's gone behind

Once I had a love and it was divine
Soon found out I was losing my mind
It seemed like the real thing but I was so blind
Much to mistrust, love's gone behind ...
" [ver letra aqui]

Kurt Schwitters [n. 20 Junho 1887-1948]

"My name is Kurt Schwitters ... I am a painter and I nail my pictures together...I should like to join the Club Dada"

"Eu amo a limpeza higiénica! Tinta a óleo tem cheiro de banha rançosa. Tinta têmpera fede como ovo podre. Carvão e grafite são os dejectos mais lambuzentos que há, vê-se já pela própria cor. Eu amo a limpeza e a pintura higiénica. E dei-lhe o nome de pintura 'MERZ'. A pintura 'MERZ' utiliza os materiais mais delicados, como puríssimo grude de farinha de centeio, pedaços de objectos e nacos de papel esterilizados, madeira bem lavada e ferragens e afins sem adição de álcool. A pintura 'MERZ' é completamente livre de bacilos. O único bacilo realmente transmissível pela pintura 'MERZ' é o bacilo da raiva. O contágio ocorreu, sem que eu pudesse impedir, através da mordida de críticos raivosos. No momento, o bacilo é retransmitido a todos os críticos que se mordem com a pintura 'MERZ'. MERZ não morde, mas os críticos, sim. Os críticos mordem, e mordem-se de raiva, como buldogues ..." [aqui]

"Ó tu, bem-amada dos meus vinte e sete sentidos, amo-te!
Tu teu tu a ti eu a ti tu a mim - Nós?
Isto (diga-se de passagem) não é daqui.
Quem és tu, inumerável fêmea? Tu és - és tu? -
Há quem diga que deves ser - deixa-os dizer, os que não sabem
como o campanário está de pé.
...
Ana Flor! Ana, A-na, dedilho o teu nome.
O teu nome pinga como carne tenra sangrando.
Sabes tu, Ana, tu sabes que és bela?
Podes ser lida de trás para diante, e tu, a mais senhora
de todas, tu és a mesma da frente para trás: a-n-a ...
"

[Kurt Schwitters, A Ana Flor, trad. Jorge de Sena]

Locais: Kurt Schwitters / Kurt Schwitters (1887-1948) / Kurt Schwitters / Kurt Schwitters (port.) / Kurt Schwitters (1887-1948) / Kurt Schwitters: o Dadaísta que era Merz

quinta-feira, 15 de junho de 2006


Ensino: a destruição final (conclusão)

Interessa não esquecer, para que a arrogância de uns e a vã glória de outros não sejam recompensados, um ponto crucial em toda esta questão da análise da nova proposta de alteração do ECD, a saber: o lugar que toma a autoridade da competência do docente (e da sua legitimação), baseada em conhecimentos técnicos ou "poder do especialista" - aquilo que uns denominam por poder cognoscitivo [Simões, 1980] - e o modo como este poder, lido através da nova proposta em marcha pela ministra, é diluído, pela partilha na estrutura escolar e pela avaliação da prática profissional dos professores, através do chamado poder normativo, autoritativo e remunerativo, topos da legitimação de todo o poder. E antever de que modo isso tudo se conjuga para que se possa alguma vez pronunciar, com a maior das bondades, que se está presente uma mudança educacional visando uma Escola de qualidade, de rigor e moderna.

Estamos a falar, evidentemente, das bases do poder do professor, aqui tomadas de diferentes formas (do pessoal ao cognoscitivo, do normativo ao autoritativo) e que Formosinho Simões em tempos interpretou. Diga-se que existe uma vasta bibliografia sobre a matéria e que parece esquecida pela turbulência das decisões governativas. Faz tempo que o famoso "Relatório Braga da Cruz" (Análise Social, 1988, vol. XXIV), poderoso e exaustivo levantamento da situação do professor em Portugal, mandado fazer por Roberto Carneiro, assegurava que "os professores são agentes privilegiados da reforma que, por isso mesmo, deve começar por eles e deve ser levada a cabo com eles". De lá para cá instalou-se o vazio no comprometimento, motivação e colaboração dos professores na reforma educativa. O ministério da educação adoptou o autismo como prática existencial e qualquer regulamentação exarada nunca teve em conta o debate e a participação dos docentes em sede de escolas. Percebe-se, assim, a necessidade que têm a ministra Maria de Lurdes Rodrigues de insultar professores, sindicatos e de estes últimos zurzirem na ministra. Não podem existir uns sem os outros, porque são a face da mesma moeda. Por isso, a diversão comunicativa da senhora ministra é não só lamentável, como desnecessária.

Dissemos que se deveria questionar o modo como as "bases do poder do professor" são entendidas na nova proposta. Acontece que o discurso da Ministra, inebriado no estudo da organização escolar a partir da sociologia das organizações e das profissões, tem em conta somente a racionalidade e eficácia (esse conceito extraordinário) da organização escolar, desconhecendo que o que toma teoricamente é uma parte do saber das organizações e não a própria ciência em si. Não admira que nessa tentativa (organizacional) de determinar o tipo de cooperação entre os intervenientes escolares, em que forçosamente estará presente a autonomia de decisões e onde deve ser assumido divergências de interesses, esteja sempre ausente a análise das estruturas e das relações de poder. E quando é assim, subsiste a tentação de começar do zero, fazendo-se "tábua rasa" dos conhecimentos e competências, laboriosamente adquiridos pelos profissionais [José Matias Alves, 2006]. E que é bem evidente na proposta.

Assim, quer seja pelo fim da carreira única (sem fundamentação teórica pertinente que se notasse) e a instituição de diferenciações profissionais, sem um mecanismo credível de avaliação do mérito (até porque a este está reservado um sistema de cotas de matriz economicista); quer pela assumpção de uma avaliação anual do desempenho, baseado na mais burocrática das modalidades e na mais doce confusão dos interesses; quer pelo aumento da componente lectiva (coisa inacreditável em educação) e da não-lectiva, transformando o docente num proletário do eduquês, pelo que deixará de estudar e investigar conteúdos científicos (coisa maldita em eduquês) ou pedagógicos; quer pela desvalorização remunerativa agora proposta (tudo é considerado horas não-lectivas e, como tal, não pagas) que imobilizará definitivamente os docentes nas funções a desempenhar; quer pela introdução na avaliação do desempenho dos docentes da figura dos pais, tornando-a de ordem meramente normativa (aqui entendida na avaliação da função de socialização. Coisa que "guru" da politica educativa José Manuel Fernandes, por ignorância, desconhece) e não de teor cognoscitivo; por tudo isso em conjunto estão definitivamente alteradas as bases do poder do professor, desvalorizando-se a profissão pela natureza omnipotente do poder normativo, autoritativo e remunerativo sobre critérios de natureza científica e técnica. Se pensarmos, como nos diz J. F. Simões, que "a profissão docente é das raras que tem por objectivo transmitir a própria base do seu poder", isto é conhecimentos que outro não tem, então é evidente que o ensino bateu no fundo. E a inquietação, por parte de gente séria, ganha todo o sentido. Sem surpresas!