quinta-feira, 29 de setembro de 2011
MOLÉSTIA COLOSSAL
"Coveiro – Encarregado de esconder os segredos do boticário e as asneiras do médico" [in Dicionário João Fernandes, 1878]
A colecção de memórias económico-políticas destes últimos 30 anos (trinta e seis, mais exatamente) é colossal. O encontradiço apanha, na sua infecta relaxação, desde logo a figura do pregoeiro dr. Cavaco (o custo psicológico da crise), apanhando, nesta bula do mainstream economics, alguns mitos vivos da paróquia (que curiosamente não nos largam a braguilha televisiva) e que o repertório cavaquista construiu na sua irremissível tragédia – o inenarrável dr. Catroga; o fabulista & mui bem reformado (post tot tantosque labores) Silva Lopes; depois (ou ex-ante) o implacável homúnculo da vera casta económica, o dr. Bessa e as suas tábuas macroeconómicas; o galante homo ludens da estética económica, Miguel Beleza, um purista clássico na capacidade de gozo; os sempre sábios, o utilitário mercantil Braga de Macedo e o merceeiro (também investido de pitonisa) Medina Carreira.
A não esquecer, evidentemente, a presença desse durável alumbrado, Mira Amaral, posto que decorado, em evidência, pela sua discursata apofântica sobre a nova catalaxia, enquanto que, e curiosamente, o aprendiz (no sentido literal) leitor do The Wealth of Nations, o meante Pina Moura, depois de abolido os vínculos, surge cada vez mais insuspeito, mas por vezes pouco inventivo nas divinas parábolas sobre a ortodoxia do mercado. Já o mesmo não é de dizer, quando se escancara o asilo económico, do ex-vencido da economia, o autorizado "burger" Luís Campos e Cunha, agora misteriosamente arredado do respeitável auditório, ao que julgamos por modéstia ou puro amadorismo. Respirai, pois, a fragrância destes cultivadores da poção económica & financeira, o exército de reserva do dr. Cavaco, ad majorem gloriam.
A conversa em família do presidente Cavaco, ontem na TVI, vem confirmar a sua atávica irresponsabilidade política e desvela (à margem) a sua imutável estratégica de desenvolvimento económico (a doxa cavaquista no seu melhor), aquela que nos colocou na penúria e nos faz cair na barbárie. Cavaco, que curiosamente apareceu travestido de professor, confeccionando a matéria da aula sobre o exaurimento financeiro, lamentou que os seus apelos (?) sobre a "situação explosiva" financeira em curso não fossem "ouvidos", esquecendo (com dolo) que sempre foi um lídimo apoiante da governação de Sócrates & Teixeira dos Santos (uns reformadores da pátria, no seu preclaro entendimento).
A barrela que agora pretende fazer é, sem sombra de dúvida, tardia, pouco habilidosa, inoperante. É tarde! Demasiado tarde! Cavaco - que nunca foi um estadista sério e consistente, um político completo, antes um simples técnico (e garantidamente medíocre) - não tem autoridade política (o monstro financeiro tem a sua paternidade) para procriar lamentações. E se nos lembrarmos que, ainda há poucos anos, nos requintou com a exaltação de se seguir o "excelente" trabalho da economia madeirense, então a tragédia está consumada. Não é por acaso que Jardim é deixado em sossego paroquial. O sr. Silva entende que pode dormir, para todo o sempre, indiferente às dívidas, tropelias e abusos daquele indivíduo.
Depois, em transe dominical, o putativo técnico faz recomendações à governança europeia. Do memorandum cavaquista, para além da bem humorada mensagem filosofante para "um programa de competitividade, crescimento e emprego", com insólitos remoques a frau Merkel, ressalva-se o projecto singular de um BCE a produzir "infinitamente" moeda (honeste vivere que tanto alumiou os governos de Cavaco) para cobrir a indisciplina orçamental dos estados. A exortação de Cavaco é bem conhecida. E temos fundadas razões para não aderir a este santo padroeiro, que em tempos frequentou York.
"Lass dir zeit", dr. Cavaco!