domingo, 19 de dezembro de 2010
O POLÍTICO
"A noite é quando uma pessoa está cansada do dia"
Aos ledores instruídos nos recatos nocturnos, aos novos que adengam na blogosfera, às meninas discretas e (im)prudentes, aos presumidos pastores dos jornais, a criados desatentos, à confraria dos snrs. Silvas, aos ilustres adegueiros Lellos & V. Lemos, aos pitorescos escrivães Sousas Tavares & J. Manuel Fernandes, à caprichosa toilette chez Helena Matos, ao sereníssimo D. Emídio Rangel, à Venerável Casa do Largo do Rato, aos discípulos do beato Augusto Santos Silva (vulgo S.S.) ... oferece-se as máximas escriptas de mestre Palmeirim, obra muy bem acabada sobre cousas notáveis do reyno de Portugal e da União.
"Quando um homem qualquer não tem de fazer, e receia por um resto de pudor passar por vadio, mete-se a político.
Ser político, em Portugal, significa falar no orçamento e não o ler; na Carta Constitucional, e não saber onde ela se vende; no poder executivo, e confundi-lo com todos os outros poderes, menos com o próprio poder executivo.
Para se ser político, precisa-se: primeiro, audácia; segundo, ignorância; terceiro, ociosidade. Com estes três predicados, a leitura de alguma folha periódica, e o conhecimento pessoal de dois ou três homens que já fossem ministros, está o político feito.
O político é geralmente um homem enfastiado e fastidioso, a quem correm mal os negócios públicos e pior ainda os domésticos (...)
A primeira cor da bandeira do político é a liberdade. Outras, conforme os tempos, crismam-se de – progresso – melhoramentos materiais - economias e moralidade. Como pedir custa pouco, o político pede tudo, até tributos bem pesados ... que não pesem a ninguém.
Por via de regra o político, no exercício das suas tendências e faculdades, corre todos os partidos, defende todas as teorias, abraça todas as opiniões, e tem a habilidade de se confessar ainda por cima coerente com as doutrinas de todos os publicistas, o que é um absurdo.
O político incorrigível é uma espécie de tabuada cronológica, indica com exactidão as datas, mas poupa-se ao incómodo de filosofar sobre a significação dos números (...)
O político tem com o perdigueiro a analogia de farejar e levantar a caça. Notícia sem fundamento, ou boato sem verosimilhança, nasce exclusivamente do político. É ele que justifica mais do que ninguém a frase popular fazer de um argueiro um cavaleiro. O que os franceses chamam canard e nós dizemos galga é de ordinário invenção do homem dado às evoluções e artimanhas da política. Não podendo ajeitar o mundo à sua feição e desejos, compraz-se em pôr em circulação a mentira que, correndo de boca em boca, chega a ganhar foros de verdade averiguada como tal (...)
O político endurecido nos vícios da sua profissão tem de ordinário uma roda de papalvos que o ouvem com respeito, e aplaudem com entusiasmo ...”
Luís Augusto Palmeirim, Galeria de Figuras Portuguesas, P&R, 1989, pp 117-119
Boa noute ... que pretium laborum non vile.