quarta-feira, 18 de novembro de 2009
A SUPREMA NÁUSEA
Esse "cadáver político" que dá pelo nome de José Sócrates – curioso sujeito que um dia a História julgará – pode obrar as mutações de carácter pessoal que melhor entender; pode sustentar uma variedade de amigos e protectores, seguros e insaciáveis de interesses e benesses, em defesa da sua imaculada honra; até mesmo se pode aceitar (em sua defesa) que ande cativo da média ou da canalha da rua, e deste modo arremessado como um qualquer dissoluto ou pária; mas não deixa de revelar aos cidadãos, nessa sua insânia de poder e delírio de casta, em tudo o que tacteia, participa e manda, esse espectáculo nauseabundo de participação e decapitação do Estado de Direito e do regime democrático.
Campo minado de interesses conflituantes, a instituição judicial não resistiu aos abusos do poder partidário, à lógica da promiscuidade política. E não soube, no seu articulado normativo-jurídico e no seu edifício processual, desconstruir essa desordem. O pastiche e a esquizofrenia que estes dias têm afluído a público, via caso "Face Oculta", é um arrazoado inédito e pasmoso, um enxovedo discursivo insanável às instituições e aos seus interlocutores, um convite e incentivo à prevaricação da classe política, uma afronta ao Estado de Direito e aos cidadãos.
Mais que os arremedos formais ou processuais, que ninguém de boa fé entende, nem mesmo esses cérebros mirrados dos opinadores, ou melhor, para lá do formalismo processual em todo este caso, a narrativa política depara-se com escrivães obedientes, com sujeitos enturvados na lide partidária, com bobos da corte.
Afinal, que dizer da criadora interpretação material posta a circular pelo sr. PGR sobre a não existência de "indícios probatórios" que podiam levar à instauração de procedimento criminal a José Sócrates? Acaso é da sua exacta incumbência e atribuição? E como considerar a alucinante, tanto como provocatória, declaração do actual ministro da Economia, Vieira da Silva, considerando existir "espionagem política", sem que um processo lhe tombe sobre a sua desmiolada cabeça? Acaso um governante, um simplório ministro, pode ofender publicamente toda a magistratura, e passar impune? E que dizer do recorrente Santos Silva (ou do sr. Lello), agora a vigorizar direito e a malhar nos magistrados? Pode comportar-se tais procedimentos? Pode o sr. Presidente da República e o Supremo Tribunal de Justiça, com todos estes embaraços, não entrarem na querela? Ao que tudo indica, parece que sim. As omissões são ensurdecedoras. E esclarecem e sinalizam o regime a que temos direito. E a sua ruína.