sexta-feira, 13 de junho de 2008


O governo da Crise

O demónio da Crise que as empresas de camionagem celebrizaram toda a semana, ao que parece inexplicável para as mentes colegiais do grupo Socrático, lançou aprimoradas opiniões, quase sempre de palmatória em punho. Da mão esquerda castrada (o silêncio foi d’oiro) à sempre tradicional devassa da mão direita, todos e cada um trilharam caminhos e pronunciamentos severos, observações espirituosas e "cantilenas" intelectuais curiosas.

A direita etnográfica desenterrou l’esprit du vieux maître Salazar e entre fantasias jurídicas e colecções de impropérios musculados (o invocado cassetete do dr. Rui Pereira foi proverbial) exigiu a lei e a ordem perante as actividades contra a segurança do Estado. Desde o putativo lockout (?) chorado pela direita da esquerda (onde pontifica angustiosamente o dr. Vital Moreira) e deliberado pela centelha intelectual da gente da superstição liberal (em que o irreconhecível Gabriel Silva foi seu lídimo representante) até ao pressuposto de uma arbitrária greve (?), a coisa a diligenciar seria sempre o recurso à "democrática" bastonada. Simples, pesada e sem rastos.

O governo, porém, não lhes fez a vontade. À revelia, já se vê, da vontade e animo forte do dr. Pacheco Pereira, que em esforço de cidadania exigia umas fortes bengaladas nesses instigadores da desordem pública, ademais seus correligionários de partido. Por seu lado, a sra. Ferreira Leite, sem perceber o que estava a acontecer - decerto porque estava em estudos para o formoso défice - desapareceu da ribalta. E ao que se presume, para voltar num dia qualquer de nevoeiro, falando baixinho aos ouvidos selados dos seus companheiros. A coisa promete! Por outro lado, o cada vez mais presidente Américo Tomás, que num rasgo de modéstia assina com raça, Cavaco Silva, não se quer meter em novos fadários. Basta-lhe para a sua vidinha, umas passeatas, uma mão cheia de emigrantes, um rancho folclórico, algumas condecorações e outros tantos almoços. A vida está difícil para todos!

E que dizemos nós, perguntais vocemessês, de cassetete em punho? Pois ... não temos nada a declarar! Estamos muito para além desta indigestão da crise do petróleo, quer das causas quer dos remédios avulsos recomendados. E mesmo se o debate sobre a alta dos preços das commodities, a crise financeira ou as pressões inflacionárias, os efeitos da taxa de juro ou a presumida credibilização os sábios do BCE (ou FED) seja, por si só estimulante, acaba sempre por ser demasiado masturbatório. Preferimos não perder a floresta (como heterodoxos que somos) e por isso não confundimos a dose com o remédio em si. Isto é (por exemplo): não confundimos a causa da inflação com os seus sintomas. E que tem resultado entre nós – via BCE – à utilização da taxa de juro como vulgar e único instrumento anti-inflacionário. Até mesmo porque causas da inflação existem muitas, tais como as crises e, especialmente, as crises das crises. E, bem melhor que a curiosa masturbação a que temos direito, aí estão as taxas de crescimento, a alta de desemprego e perda do poder de compra para evidenciar a pouca inocência em tudo isso. Nada a declarar, portanto!

Enfim ... dizemos apenas que as esperanças ou as suas sucessivas trocas, definitivamente morreram e a utopia, coisa imaginosa d’antanho, é cada vez mais um simples "género literário". Ou como diria o Vasco Pulido Valente: "a vida é como um funil que se vai estreitando de possibilidades". Nada a declarar!