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Idiotia & Felicidade
"Como pode ser-se idiota e, ao mesmo tempo, feliz (...)
Pois explico já. A idiotia e a felicidade são ideias muito vagas, difíceis de cingir em conceitos de circulação universal, digamos. Mas, pensando melhor, acho que certa idiotia é susceptível de conferir ao idiota seu proprietário (ou seu prisioneiro) uma espécie de segurança em si própria que o levará, em determinados momentos, julgo eu, a uma beatitude muito próxima do que se pode chamar estado de felicidade (...)
Não se espante, por conseguinte, o leitor de que um qualquer idiota possa, ao mesmo tempo, ser feliz. É, até, assaz corrente. Há idiotas que se consideram inteligentíssimos, o que é uma forma muito comum de idiotia, e extraem dessa certeza alguma felicidade, aquela maneira de felicidade que consiste em uma pessoa se julgar muito superior à que a rodeiam (...)
Os idiotas, de modo geral, não fazem um mal por aí além, mas, se detêm poder e chegam a ser felizes em demasia podem tornar-se perigosos. É que um idiota, ainda por cima feliz, ainda por cima com poder, é, quase sempre, um perigo ..."
[Alexandre O'Neill, Idiotia & Felicidade, in "Uma Coisa em Forma de Assim", 1985 - sublinhados nossos]