terça-feira, 19 de dezembro de 2006
CONSELHOS AO MORDOMO
"Se servir as bebidas, tenha maior cuidado em poupar trabalho, assim como a garrafeira e os copos de seu amo. Por isso, como se pressupõe serem amigos todos quanto jantam à mesma mesa, faça com que bebam pelo mesmo copo, sem o lavar, o que lhe evitará muita canseira, assim como a possibilidade de os partir (...)
Limpe as pratas, esfregue as facas e sacuda o que estiver na mesa com os guardanapos e as toalhas que tiverem servido, na altura, porque nem sempre é dia de lavagem, além disso poupará os esfregões e, como recompensa de tanta economia, acho que o mordomo pode, com toda a legitimidade, usar os mais lindos guardanapos como gorro de noite (...)
Mandam-lhe decantar uma garrafa suspeita? Quando estiver aí a meio, dê-lhe uma sacudidela a preceito e mostre, num copo, que o conteúdo começa já a aparecer turvo (...) [meta o dedo em todas os gargalos, para ver, se as garrafas estão cheias; é o método mais seguro, porque nada há como o tacto]
Quando, meu caro mordomo, um convidado se retira, tenha a preocupação de se pôr bem à vista e de o acompanhar até à porta, e, assim que tiver oportunidade para isso, fite-o bem na cara, com o que poderá ganhar um xelim (...)
Feche, todos os dias, um gato, no compartimento onde se guardam as porcelanas, não se dê o caso de os ratos se meterem lá dentro e escaqueirarem a louça toda (...)
Amole as costas das facas de modo que cortem tanto como o gume; isto terá a vantagem de os convidados poderem experimentar o outro lado se lhes parecerem embotadas; e para mostrar que se não poupa a afiar facas, passe-as tanto que gaste boa parte da lâmina e até mesmo o punho de prata. Isto aumentará o bom nome de seu amo, como indício de casa bem governada, e o ourives poderá, algum dia, ter consigo uma lembrança
[Jonathan Swift, in Preceitos para uso do pessoal doméstico, Estampa, 1979. Nota: sublinhados nossos]