quarta-feira, 24 de maio de 2006


O jornalismo segundo 'os próprios' ou o caso Carrilho

"Dos de nuestros grandes males: la solemnidad y la falta de humor" [Borges]

O debate maledicente de ontem, na RTP, entre três carpideiras personagens e o dr. Pacheco Pereira (de permeio) foi um arraial pavoroso de canalhice, que incomoda. O instinto grosseiro, provocador, ordinário mesmo, revelado ao longo do programa pelo trio de pavões que nos saiu na rifa televisiva, não foi agradável de seguir. Não foi, por isso, uma polémica séria, honesta e esclarecedora. Aliás, nesta lastimosa querela - como se pode estimar pelas várias defesas d'honra esculpidas em diversos locais (incluindo a blogosfera) pelas sentinelas do jornalismo corporativo ou "de classe" (ou, mesmo, por putativos candidatos) - as declarações dos indígenas instruídos sobre o assunto já estavam anteriormente assumidas. O hediondo mau da fita, para a tribo corporativa, tinha um nome só: Carrilho.

O programa foi, portanto, não um espaço para debater a corrupção no jornalismo, como é evidente ao longo das acusações de Carrilho e de Rangel, e o modo como empresas e jornalistas acofiados manipulam a opinião pública e publicada, mas uma arena de vaidades e de bufarias. Lamentavelmente.

Mas goste-se ou não da personagem Carrilho (bem retratado por Pacheco Pereira quando regista, com acerto, a máxima: "quem vive pelos jornais, morre pelos jornais"), faz todo o sentido - para que não se esqueça a questão substantiva - o que escreve José Vítor Malheiro (no Público) sobre o espectáculo da "minimização das criticas de Carrilho" ou "desagravo" corporativo, imoral, às acusações feitas. Diz:

"No fundo, tudo se passa como no proverbial caso da prostituta violada, que não consegue ver a sua queixa aceite pela polícia".

O dr. Pacheco Pereira ainda compreendeu, mas já era tarde demais e o local não era o mais aprazível. Quanto ao inenarrável Ricardo Costa a impudicícia demonstrada nos argumentos, todos dignos de delator ou de garoto escolar (eu fiz, mas sei que tu também fizeste), é o episódio mais marcante e terá efeitos nefastos, seguramente, no futuro. Afinal ... the show must go on.