domingo, 4 de dezembro de 2005


Snu Abecassis

Do Reino da Dinamarca, do outro lado da terra, um sangue feminino que encanta. Que salva, por sinceridade. Que conserva a revolta da juventude. Que é livre. E, decerto, para quem o horror mesquinho, provinciano e reacionário de Portugal era embaraçante, obsceno. Quem, assim, encara com gosto o mundo, não lhe basta o beiral de janela. Não fica na boçalidade do lar. No silêncio da casa. A aventura de caminhar por inteiro, largando o corpo à paixão da vida e à mansidão do tempo, não tem desalento. Tem afectos mil. Saudade doce, mesmo que o fim da viagem fosse tremenda. O programa na TV sobre Snu Abecassis, uma senhora admirável, foi notabilíssimo. Uma carícia à vida.

"Um astro fugitivo te enleou
No que é dado à paixão cumprir-se em morte;
E algo espantosamente te levou
Cioso do que é frágil no mais forte.

Ó fúria de seres morto prematuro,
Sobre o abismo, extremamente vivo,
Jogando às cartas com o anjo escuro
A luz do teu relâmpago persuasivo.

Tinhas fome de quê? de quem? de Deus?
De amor seria, pois furacão de flores,
Passaste, atirando aos fariseus,
O escândalo gentil dos teus amores ...
"

[Natália Correia, in Recordando o Amante Francisco Sá-Carneiro Em Memoria da Minha Amiga Snu, Junho de 1984]