terça-feira, 21 de dezembro de 2004
Passa por mim em Bruxelas
"Tenho uma ligeira oscilação quando ando, até uso uma bengala" [A. O'Neill]
Os altíssimos dias deste final d'annus horribilis deu para assistir à récita pública do Eurostat, sempre fidelíssimo nos 3% e em demanda de défices excessivos, e ao espalhar da fúria, flagelo e dedicação sublime de três admiráveis personagens da lide política doméstica. Fala-se, evidentemente, de Santana Lopes, Bagão Félix e Vítor Constâncio. Dir-se-ia que não nos deixam dar graças às festividades sem qualquer martírio confesso. Estranha forma de vida em que os dotes políticos são completados pela sacrossanta oratória.
A governação está em padecimento de corpo. O que, hoje, foi dado assistir em conferência de imprensa é verdadeiramente espantoso. Fora ninguém ter entendido o porquê da prece mediática, dado não se ter apresentado nada de substantivo, fica-se a saber que em vez da literatura económica e financeira os governantes preferem os jornais, mesmo que estrangeiros. Qualquer dia ainda os apanhamos a ler a Maria, o Record ou as crónicas do Delgado. Por fim, a dupla Lopes & Félix, em alegre coligada apresentam-se como arrependidos, prestam perjuro ao saudoso PEC. Como os desamparados do Barrosismo andam com amargos de boca, descontentes pelo seu sacrifício!
O mistério do défice, a perfeição orçamental, a tabuada contabilística, comove qualquer indígena. Santana Lopes, um crónico incompetente consciente, generoso na sua sabedoria, imolou-se na miséria da mercearia Ferreira Leite. Como desconhece o que quer que seja, acreditou em tudo, seguiu «o Cherne». Pois se todos os extraordinários economistas e olheiros orçamentistas laranjas abraçavam a bondade das medidas do seu amigo Barroso, porque razão se haveria de verter lágrimas? Bagão Félix, o pudibundo cristão do orçamento cheio de graça, faz testemunho de ideias mal arranjadas e, num admirável discurso, dá uma valente sova no talento alemão. Inolvidável. Ligeiro, o despachante do Banco de Portugal, de nome Vítor Constâncio, revela o espírito do provado funcionário público: na falta de patrão, não há receitas extraordinárias para ninguém. No tempo da senhora Ferreira Leite é que era, suspira o piedoso economista. Mas afinal, o que seria uma Nação sem estes talentos bizarros? Pode-se saber?