quarta-feira, 30 de junho de 2004
"O Porco-Espinho e a Raposa"
"Um verso, colhido entre os fragmentos do poeta grego Arquíloco, assim se expressa: «A raposa conhece muitas coisas, mas o porco-espinho conhece só uma e muito importante». Os estudiosos divergem sobre a interpretação correcta dessas palavras obscuras, que talvez signifiquem apenas isto: a raposa, em que pese a sua astúcia, é derrotada pela única defesa do porco-espinho. No entanto, tomadas figuradamente, tais palavras talvez encerrem um sentido em que caracterizem uma das mais profundas diferenças que dividem escritores e pensadores e, talvez, os seres humanos em geral. Existe, um fosso profundo entre os que, de um lado, relacionam tudo a uma grande visão central, a um sistema mais ou menos coerente e articulado, pelo qual compreendem, pensam e sentem - um princípio organizador único e universal, exclusivamente em função do qual tudo o que são e dizem possui significado - e, de outro lado, aqueles que perseguem vários fins, muitas vezes sem relação mútua e até mesmo contraditórios, ligados - se é que são - apenas de facto, por algum motivo psicológico ou fisiológico, cujo relacionamento não obedece a nenhum princípio moral ou estético (...) O primeiro tipo de personalidade intelectual e artística pertence aos porco-espinhos, o segundo, às raposas ..." [Isaiah Berlin, in Pensadores Russos]