sexta-feira, 19 de dezembro de 2003

OS FILHOS DO "DELGADO"



"Cada gota de saliva que se liberta da conversação transforma-se em ouro" [Tristan Tzara]

Vão, rapazes! Que está o Luís Delgado na T.V. a esclarecer os indígenas lusitanos. Reparai na boca fina e piedosa do comentarista, mesmo quando o esgar urbano e respeitável o martiriza e o traço maledicente se manifesta. Estais de orelhas atentas, sabemos bem. Vós, a quem a felonia nunca incomodou, pois tendes razões secretas que a recita conservadora vos enterneceu e a gravidade democrática vos perturba, estais esta semana excessivamente sentimental. O Delgado, entre o tédio do défice e o riso ministerial, fez-vos partir à desfilada contra os fantasmas costumeiros. Espevitem bem as orelhas que o Bolo-Rei, desta semana, saiu no Iraque. Estava alapado numa toca qualquer, algures, no assombroso triângulo sunita. O mesmo onde vocês, bravos combatentes de sofá, outrora caminharam civilizacionalmente contra os tenebrosos xiitas, os infames curdos, os demónios iranianos, os pérfidos comunistas iraquianos. Com a mão no peito pela Humanidade, com a América por generosidade, pela Europa por determinação, por todos nós. Graças Senhor nessa Santa Hora. E graças, ainda, pelo Bolo-Rei oferta Bush para todos os guerreiros da imaculada cruzada neoconservadora, nesta quadra natalícia. Abri os vossos portáteis e postai.

Postai até que o torpor da volúpia, as comoções da vertigem do fim-de-semana, o espectro daquele homem-de-barbas vos ensine que "sobre o mais belo trono do mundo nunca se sentou senão um rabo" [bem nos dizia Montaigne].