Ramalho Ortigão [1836-1915]
Nasce no Porto a 24 de Novembro de 1836
"O viajante sente ao entrar na Figueira [... da Foz], no tempo dos banhos, uma impressão semelhante à que se experimenta penetrando nos gerais da Universidade em dia lectivo. É a impressão do lente, do pedagogo, da aula. Tem-se uma espécie de terror mesclado de tédio. Há uma atmosfera especial de pedanteria, de rigor e de troça. Aspira-se vagamente o cheiro dos sapatos e das velhas batinas gordurosas na aula quente e fechada. A fisionomia dos doutores, de uma grave expressão enfática, guindada e oca, as cabeleiras dos estudantes aparatosamente penteadas, os ares dogmáticos de uns, misturados com os ares patuscos de outros, um tom geral de prelecção ou de desfrute, uma tonalidade especialmente afectada na pronunciação, um desgarre peculiar de gestos e maneiras, tais são as principais notas que caracterizam a população de Coimbra. (...)
Antigos estudantes reprovados, velhos cabulas incorrigíveis, de cabelos cheios de caspa, e a barba por fazer, o rosto macilento e sombrio, as unhas e os dentes sujos, os sapatos acalcanhados, passam chupando o cigarro e arrastando no macadam coberto de papeis rasgados a ponta da capa enodoada e rota. Os professores, habituados pela antiga organização da Universidade a exercerem sobre o aluno um poder quási ilimitado, afeitos à bajulação, à pusilanimidade, à subserviência dos escolares, caminham majestáticamente com a determinação imperiosa de quem mandará cortar a cabeça dos estrangeiros que se não ajoelhem na passagem deles e das suas famílias ..."
[Ramalho Ortigão, in As Praias de Portugal]