sexta-feira, 18 de julho de 2003

ARRUMAÇÕES E JORNAIS - GAZETA DO MÊS

Começamos a limpeza e resguardo dos periódicos. Por mero acaso, a coluna de hoje de JPP no Público é um registo elucidativo de alguma apetência que alguns têm por guardar jornais e revistas. Dantes era usual recortar as noticias que se queria e cola-las em folhas de papel, que depois de encadernava modestamente. Tenho alguns volumes curiosos, desde as eleições de Norton de Matos, Arlindo Vicente, Humberto Delgado, vários Primeiro de Janeiro, Diário de Lisboa e um sem fim de jornais, que comprámos em bom tempo.

No cimo do monte, salta-nos a Gazeta do Mês, de Lisboa. Só possuímos 3 números. O primeiro data de Maio de 1980 e o 3º e suponho último, de Julho do mesmo ano. O director era o João Martins Pereira, chefe da redacção Jorge Almeida Fernandes. Alguns colaboradores do 1º número: Adelino Gomes, António Lima (gráfico), António Sena, Augusto Abelaira, Eduarda Dionísio, Fátima Bonifácio, Fernando Belo, Helder Moura Pereira, João Miguel Fernandes Jorge, João Santos, Joaquim Manuel Magalhães, José António Salvador, Leonor Pinhão, Mário Botas, Pedro Saraiva, Rodrigues da Silva, Rui Oliveira, Teresa Ferrand, Teresa Joaquim, Vasco. A propriedade era de José Manuel Cortês. Custava 60$00.

Nº1 : Capa: SOS Estarreja. Primeiro Caderno e Revista.

No 1º Caderno, na critica de Livros, temos: "Ligeiras coisas:objectos principais" de A. Franco Alexandre, por Helder Moura Pereira; Joaquim Manuel Magalhães escreve sobre Augustina Bessa Luís e o livro Conversações com Dmitri e outras Fantasias; Jorge Roza de Oliveira sobre Ruy Belo (Despeço-me da terra da alegria) e, curiosamente, João Miguel Fernandes Jorge, num bonito texto, fala-nos sobre Ruy Cinatti, Lembranças de S. Tomé e Príncipe, 1972.

" ... Ruy Cinatti neste seu goso pelas terras do português não nos dá um movimento, dá-nos uma direcção: S. Tomé e Príncipe é uma direcção que não pertence a ninguém, mas é de todos; é um pouco como nos contasse o ritmo próprio do português no mundo ...

«É preciso viver entre os vivos». A frase do começo deste pequeno guia a um livro de Ruy Cinatti destrói-se com esta pratica de Montaigne. Contradizer a aventura seria contradizer a vida. Vida e aventura são estes falares das ilhas atlânticas ...

Inauguro a ilha. Vivo-a inteiro
sem receio de me estar sonhando
navegador heróico de outras eras.
Os frutos que me oferecem desalteram.
Sinto-me capaz de endoidecer
Mas de alegria só, mas deslumbrado
............... "

[continua]

BARROSO E A ECONOMIA POLÍTICA


A prestação do PM na TV foi um enorme bocejo. Já se esperava ouvir tão melodiosa discursata, alias inserida numa «petição de princípios» (que corresponde a falta de argumentação, no dizer de Perelman) por um Portugal a recuperar da tanga em que foi metido, a caminho de novo oásis paradigmático. Para época de veraneio até não foi mal pensado. Ainda olhámos de soslaio para o faccis do nosso PM quando chamado a dar explicação para a aparente contradição entre a vacina da empresarialização contra o monstro insano referido por Cavaco Silva e a desbunda da gestão da Amadora-Sintra. Ou mesmo quando foi chamado à pedra para analisar a consolidação orçamental, ou o celebre PEC e a evasão fiscal. Atento, o nosso PM não foi na cantilena Juditiana. Afinal não estávamos na fase de open mindedness. Não havia riscos a correr. Barroso não é definitivamente uma open-minded person (H. W. Johnstone, Jr.). Eis o estilhaçar da teoria da argumentação, em todo o seu esplendor. Talvez José Bragança de Miranda nos possa elucidar sobre esta costumeira pragmática do discurso televisivo do poder. Por mim, essa personagem conceptual do governante em conversas ao país é mera ficção retórica.

Mas o que é preocupante são as afirmações sobre a performance económica do governo. Compreendemos que governar, hoje em Portugal, seja "alta competição", como refere o PM, mas que sobre a economia e os economistas nos atire com lapalissadas, é constrangedor. Se o PM se refugia numa exercício escolástico baseado em que "a economia não é uma ciência exacta" ou que "não há nenhum economista que possa prever" o que pode acontecer, então não se pode entender a sua convicção na prestação da politica económica e orçamental, nem se pode defender o cunho fundamentalista da senhora ministra das Finanças em torno da problemática do deficit. E muito menos se pode falar no putativo modelo económico escolhido, porque não se sabe muito bem o que isso representa. Não era esperado que o PM esgrimisse ideias em torno da controvérsia neoclássica versus pós-keynesianos. Nem que explicasse as diferenças substantivas entre o grupo constituído por Miguel Cadilhe, Silva Lopes ou Cavaco Silva, e o outro onde fazem parte Miguel Beleza, o inefável Tavares Moreira e Ferreira Leite. Não era obrigado a tal. Mas apenas que tivesse em conta que em "alta competição governativa" não ter em conta os dados estatísticos, manipulando-os conforme as estratégias, se pode pagar caro a ousadia. É que, quem se mete com a economia ... leva!

quinta-feira, 17 de julho de 2003

AY! HAVANA ME MATA!



Uma delícia o daiquiri com Compay Segundo sugerido pelo O Cozinheiro. Eu acredito que só pode ter sido um barman (Ribalagua) do El Floridita e não um engenhocas americano, a inventar o daiquiri. No Floridita ou na Bodeguita del Medio, a mesma perdição.

Lá dizia Hemingway: "My daiquiri in the Floridita and my mojito in the Bodeguita".

quarta-feira, 16 de julho de 2003

RAUL LINO (1879-1974)



Exposição "Raul Lino, Cem anos Depois" no Museu Machado de Castro em Coimbra. Até 14 de Setembro.

O CEDRO DE GUERNICA [sobre a Guerra Civil Espanhola]



No fragor da batalha
- que era como um troar de tempestade -
a árvore da metralhadora.
..............................
Todo o Euzcádi chorou
no cedro assassinado a morta liberdade.
..............................
Mas que importa perder o cedro de Guernica,
por momentos não ter ao sol o seu lugar,
Se a luta que travais, gentes de Euzcadi, implica
Que cada «pueblo» tenha um cedro de Guernica
Para não mais tombar?!


Novembro de 1938

[Álvaro Feijó - in, A Guerra Civil de Espanha na Poesia Portuguesa. Antologia por Joaquim Namorado, Centelha, Coimbra, 1987, pag. 41]

BREVES


*O Governo acaba de mudar, pela quarta vez em menos de dois anos, a sua orientação quanto à construção de um novo aeroporto internacional na Ota. Convenhamos que já é demais para não ser demasiado rude e acrescentar que já passámos da fase da trapalhada à da palhaçada (Nicolau Santos, EXPRESSO)

* [Nicolau Santos e o melhor Governo desde 1986 - Expresso]

PRIMEIRO-MINISTRO: Aníbal Cavaco Silva.
MINISTRO DAS FINANÇAS: Miguel Cadilhe
MINISTRO DA JUSTIÇA: António Costa
MINISTRO DA INDÚSTRIA - Mira Amaral
MINISTRO DA SAÚDE - Correia de Campos
MINISTRO DA EDUCAÇÃO - David Justino
MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS - Jaime Gama
MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS - João Cravinho
MINISTRO DA AGRICULTURA – Nenhum
MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - Dias Loureiro
MINISTRO DA DEFESA - Fernando Nogueira
MINISTRO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA - Mariano Gago
MINISTRO DA CULTURA - Manuel Maria Carrilho

* Artigo de Vital Moreira no Publico, com exigência de uma simples explicação, a saber: porque razão os bestiais belicistas portugueses, travestidos de jornalistas e/ou pensadores liberais, estão calados nesta patranha que foi a Guerra do Iraque? Um bloguista que por mero escapismo é jornalista avança com a sugestão de o mesmo Vital Moreira pedir desculpas sobre as suas (do Vital) mentiras. Extraordinário, este putativo jornalista. Aprendeu depressa as metodologias da administração neoconservadora americana. Temos homem!

terça-feira, 15 de julho de 2003

HASTA SIEMPRE!



HASTA SIEMPRE!

MEMÓRIAS DE UM EX-MORFINÓMANO


[Lá se catalogou o Reporter X, o X, o Espião. Ficou-se com uma extraordinária impressão de Reinaldo Ferreira, o Repórter X. Fomos buscar à livralhada o seu famoso (e já difícil de encontrar) livro "Memórias de um Ex-Morfinómano". O prefácio, ao livro, por Artur Portela é elucidativo. Não resistimos a transcrever um pequeno extracto. Como são belas as tardes de Julho!]

Memórias de um Ex-Morfinómano [Reinaldo Ferreira]

"Reinaldo Ferreira foi o maior repórter da Imprensa portuguesa. Morto, continua a sê-lo, através de uma obra extraordinária, fulgurante, caudalosa, que é impossível avaliar (...)
Estou ainda a vê-lo, de olhos cinzentos, fosforescentes, o cabelo loiro, como se fossem as chamas do incêndio da sua alta vocação jornalística; dinâmico, nervoso, fustigante, multiplicando os gestos, as palavras, as ideias, sempre com uma caneta na mão, que não passeava lentamente no papel, mas galopava vertiginosamente, desentranhando-se em milhares de artigos, sensacionais reportagens, crónicas de viagem, novelas de mistério, romances empolgantes, peças de teatro, numa palavras, toute la lyre que ele percutia, sem esforço, como que ébrio ou magnetizado pela mais assombrosa vocação que tenho visto no Jornalismo!

Falta ainda, para o retrato ser flagrante, medir-lhe a estatura física, que não era muito alta, como que condensada na força do salto; desenhar-lhe a fronte enorme, enobrecida de claridade interior; dizer que os cabelos fulvos, chamejantes, pareciam desgrenhados pelo vento das mais arrojadas aventuras e que nos lábios, cremados pelo fumo, ardia sempre um cigarro, quase nunca tirava da boca carregada de cinza - essa mesma cinza de um talento de oiro, irresistível, frenético, electrizante, que ele espalhou sobre o Mundo nas mais extraordinárias e audaciosas performances. (...)
O jornalismo era nele, fisicamente, uma vocação instintiva. (...) Por instinto, decerto -
Reinaldo Ferreira não tinha tempo para ler, tanto escrevia! -, ele introduziu em Portugal a maneira característica do jornalismo americano - incisivo, inconfidente, mesmo escandalosa, densa na sua verdade, em que as imagens, como no cinema, dominam as palavras, fotografando o que se passava e o que se não disse, o que se sabe e o que se esconde, numa reconstituição visual em que tanto as personagens como os pormenores empolgam, visceralmente desnudados. (...)
A certa altura, porém,
Reinaldo Ferreira encontra um formidável adversário. Um gigante enorme, duro, terrível, tolhe-lhe o passo: é o Repórter X.

Mas, quem é o Repórter X? (...) É ele próprio, Reinaldo Ferreira, pseudónimo criado por um lapso tipográfico no final de um seu artigo no jornal A Tarde, e que será até ao fim de tão febril e convulsiva existência - o seu inimigo nº1. O pseudónimo individualiza-se, humaniza-se e destrói Reinaldo. O ser que engendrou entra em circulação. É um nome civil. Uma autêntica personalidade (...) É a sua sombra, que nunca o deixará de perseguir na existência, até aos últimos passos, até á morte! (...)
[Reinaldo Ferreira] desapareceu por completo. À sua mesa de trabalho, com os mesmos traços, o mesmo cigarro em brasa, que não tira das comissuras dos lábios, a grenha a empalidecer com os primeiros fios brancos dos anos - senta-se esse horrível monstro, o repórter X, que o fita, irónico, desabusado, de mãos enluvadas de negro, mascarilha vermelha, sangrenta, irónica, cruel, insaciável, (...) É ele que quem visita as lôbregas prisões, (...), que penetra nos esgotos das tentaculares cidades, (...), que devassa os cárceres dos loucos (...), que se embriaga com os paraísos azuis da morfina e de outros alcalóides, como Aldous Huxley, nas Portas da Percepção, para nos descrever todas as sua bizarrias, todos as suas abomináveis, todas as suas oníricas fantasmagorias. (...)

[Artur Portela, in, Nota Prefacial (pag. 9- 21) às Memorias de um Ex-Morfinómano de Reinaldo Ferreira, Lisboa, 1956]

IN MEMORIAM HENRIQUE BARRILARO RUAS



"Se a terra falasse, havia de contar, por entre abundantes lástimas, muitos sinais do amor dos homens por ela... Terra humanizada é sempre mais que terra trabalhada. Se o homem só a quisesse como nascente de ouro, talvez já ela se tivesse extinguido. Mas, se a terra dá o pão à gente, também nós lhe damos pão. E o pão mais rico que lhe damos não é tanto a semente que a fecunda; é a alma que lhe confiamos."

[Henrique Barrilaro Ruas - in, Cultura Portuguesa nº 2, Janeiro-Fevereiro de 1982]

segunda-feira, 14 de julho de 2003

AINDA ... REINALDO FERREIRA - O REPÓRTER X


Afinal temos, apenas, 115 números do antigo semanário Repórter X. A colecção completa, ao que sei é de 128 números [REPORTER X. SEMANÁRIO DAS GRANDES REPORTAGENS - Director Reynaldo Ferreira (Reporter X) e chefe da redacção, Mário Domingues. Nº 1 (9 de Agosto de 1930) ao Nº 128 (23 de Junho de 1933). Lisboa, 1930-1933]. Ficámos angustiados.

Algumas curiosidades:

- "Existem Templários em Portugal?" [refª ao texto do alemão Paulo Kopper, publicado no Instituto Histórico de Leipzig, nº 9 de 20/09/1931] - in, Repórter X, Ano II, nº 63

- "Cavaleiro de Oliveira - um admirável e quási ignorado jornalista planfetário do século XVIII" [Trata-se de um artigo sobre Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira), com referências ao seu panfleto (muito citado por Camilo e, posteriormente por Aquilino Ribeiro) "Amusement Periodique", publicado em francês e que apenas 3 exemplares chegaram a Portugal (e um às mãos de Camilo)] - in, Repórter X, Ano II, nº 67

- "Hitler, o homem que mete medo ao mundo" [um texto bem premonitório]] - in, Repórter X, Ano II, nº 72

- "O último instantâneo de Joshua Benoliel" - in, Repórter X, Ano II, nº 80

- "O que se passa entre os hebreus e os «Marranos» do Norte?" [refª à revista mensal Há-Lapid, órgão da comunidade isrealita do Porto] - in, Repórter X, Ano II, nº 96

- "Os mistérios da Revolução de 5 de Outubro" - in, Repórter X, Ano III, nº 100

- "Trotski o antigo comissário de guerra russo ... esteve alguma vez em Portugal? " - in, Repórter X, Ano III, nº 105 e 106

- "Finanças Literárias. Os rendimentos dos escritores, nacionais e estrangeiros ... " - in, Repórter X, Ano III, nº 106

- "António Ferro, Salazar. António Ferro, a sua entrevista e o seu entrevistado" - [texto de Reinaldo Ferreira] - in, Repórter X, Ano III, nº 112

domingo, 13 de julho de 2003

CORRESPONDÊNCIA AO MAR



Correspondência ao Mar

Quando penso no mar
A linha do horizonte é um fio de asas
E o corpo das águas é luar

.............

Quando penso no mar, o mar regressa
A certa forma que teve em mim
Que onde ele acaba, o coração começa
.............

[Vitorino Nemésio, in O Bicho Harmonioso]

sábado, 12 de julho de 2003

SOCIEDADE DOS AMIGOS DA DEMOCRACIA PORTUGUESA

Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa

[Do Jornal Republica, 23 de Outubro de 1945 (?), citado pelo Jornal Vitória (25/02/1946)]

"No Rio de Janeiro constitui-se a Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa

O movimento de defesa de unidade democrática, excedeu quanto se tivesse imaginado. Não só em todo o continente, mas através o mundo os portugueses procuram estabelecer a máxima união em defesa da democracia.

A comprovar isto, diremos que no Rio de Janeiro acaba de constitui-se a Sociedade dos Amigos da Democracia Portuguesa, com o fim de promover o desenvolvimento das relações entre os democratas portugueses e brasileiros e dar apoio a todas as iniciativas realizadas em Portugal no sentido da conquista das liberdades democráticas, as quais, no entender da sociedade, constituem a melhor garantia da futura cooperação entre os países irmãos.

Eis algumas das individualidades que deram já a sua adesão àquela sociedade:
Gilberto Freire, Manuel Bandeira, Caio Prado Jr., Graciliano Ramos, João Mangabeira, Hermes Lima, Carlos Drumond de Andrade, Hedgar de Castro Rebelo, Abel Chermont, Vinicius de Morais, José Lins do Rego, Sérgio Buarque da Holanda, Jorge Amado, Aparício Torely, Osvaldo de Andrade, ..., Astrugildo Pereira, ..., Ruben Braga, Carlos Lacerda, Joracy Camargo, Paulo Mota Lima, ..., Oscar Niemeyer, ..., Valdemar Cavalcanti, Maria Werneck, ..., Dias da Costa, Raimundo Sousa Dantas, ..., Gastão Cruz, Raul Lins e Slva, ..., Melo Lima, …

As listas de adsão a esta sociedade encontram-se na Livraria José Olímpio, do Rio de Janeiro, e na Associação Brasileira da Imprensa"

VOX POPULI


* Causou impacto nos meios jornalísticos, em especial no NYT e na BBC, o último editorial do mestre José Manuel Fernandes. Consta que vários directores de jornais pediram a demissão; um conhecido presidente americano engasgou-se no Texas com meio copo de JD; um grupo de senhoras pretende patrocinar a Liga dos Amigos do Fernandes; a União dos Blogs Livres aceita, depois de intensas conversações com Pedro Mexia, convidar JMF para presidente honorário; um fadista de renome dedicou-lhe uma canção vadia; um activista de esquerda sucumbiu ao ler o Livro de Estilo, patrocinado pelo mestre; Vasco Graça Moura fez um poema de circunstância; e o Meu Pipi ficou preocupado com a argumentação sobre as 3 fontes, presentes no editorial citado. A redacção do Almocreve das Petas pediu a exoneração do seu director.

* Reapareceu de caqui e chapéu novo colonialista, o senhor Presidente da Assembleia da República, Mota Amaral, na recepção ao Presidente do Brasil. Foi um assombro em S. Bento a elegância de estilo e maviosidade desvelada. Lula da Silva manteve-se hirto e firme. O deputado Telmo Correia compôs o nó da gravata, enquanto Guilherme Silva arregimentou as hostes. Mário Soares não foi ao Tavares!

* Tony Blair jurou pela centésima decima vez que "vão aparecer provas concretas de armas de destruição maciças" no Iraque. José Manuel Fernandes prepara editorial para esse momento solene. Foram pedidas várias garrafas de Don Perignon. Nós por cá abrimos uma Maria Gomes.

* Manuel Vilarinho não fica no Benfica. A redacção do Almocreve embriagou-se, perdidamente. Foi uma correria às garrafas da Quinta do Vale Meão. Sempre assumimos que pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual.

* Cansado de oásis, Alvalades e Quintas do Lago anda o edil de Lisboa, Pedro Santana Lopes. Agora pretende dedicar-se à feitura de túneis. O vício nunca esquece. A nós também não.

* Pedrito de Portugal levou uma estocada no valor de 100.000 Euros. Na Moita é assim. Sejam prudentes, pois.

sexta-feira, 11 de julho de 2003

BOLETIM Nº19 DE J. A. TELLES DA SYLVA

Chegou o Boletim nº 19 da Livraria Telles da Sylva, superiormente dirigida por Margarida Maria Pacheco de Noronha Soares Franco.

Estes boletins são sempre uma fonte de ensinamento, uma aprendizagem com muito gozo. É soberba a descrição biográfica dos autores, bem como as referencias sobre o livro à venda. Por exemplo, no numero 1359, "José da Silva Carvalho /e/ o seu tempo/ ... / " é-nos dito:

"José da Silva Carvalho nasceu em 1782 vindo a morrer em 1856. Magistrado no Porto fundou o Sinédrio que deu origem à Revolução de 1820. Esteve emigrado em Inglaterra durante o reinado de D. Miguel I, vindo posteriormente a ser ministro de D. Maria II, tendo negociado os empréstimos externos. A obra que apresentamos é composta por 2 volumes e um suplemento e trata da correspondência desta figura política de relevo com as diferentes estâncias oficiais da época, comentadas por António Viana. Exemplar com as capas de brochura um pouco deterioradas, com falhas de papel e por abrir."

Como o Boletim está disponível on line, deixo ao leitor e amante do livro a curiosidade da descoberta. Boas compras!

IMAGEM - REVISTA DE CINEMA DOS ANOS 30 (II)


No nº 2 (24 de Maio de 1930) um texto não assinado, com o título «Os estetas do cinema»

"... [o cinema] não é uma arte para raros apenas, destinada a satisfazer a ânsia bizarra, tola, falsa de meia dúzia de estetas com aberrações visuais.
Não a entendem assim certos pequenos decadentes e tristes. O cinema, para esses mancebos, não passa duma colecção de imagens bêbadas. Não lhes agrada ver uma paisagem de casas, como toda a gente vê, com os telhados voltados para o céu. Babam-se de goso quando as coisas e as figuras aparecem na tela branca viradas do avesso. Deliram com os ângulos esquisitos! O ângulo! Como eles enchem a boca com essa palavra saborosa! Rebolam-se quando aparece no écran o mesmo objecto fotografado 10 vezes de sítios diferentes: da ponta do nariz, do lado da frente, da parte de trás, de cima da mesinha da cabeceira, etc. São os estetas, em suma, os encharcados da literatura até ao esqueleto, os seres mais complicados e inúteis da criação. Esses desgraçados não compreendem as coisas simples, tranquilas e humanas
. (...) "

No nº 10 (12 de Setembro de 1930) um texto sobre as aventuras de Arthur Lak, artista jovem de Holywood, na sua iniciação na praia de Santa Mónica e Palm-Beach. Trata-se da via iniciática, a prova de fogo, que os neófitos artistas teriam de passar nesses lugares de veraneio. Desde os flirts (consta que o A. L. atacou 10 putativas candidatas) com variadas estrelas bem na moda, até a um conjunto bem sensaborão de brincadeiras ou praxes de duvidoso gosto. No fim, parece que entregaram ao jovem candidato ao estrelato Arthur Lak pequenos textos literários, conselhos a seguir, prosas curiosas que a revista Imagem transcreve. Eis algumas pérolas citadas, com especial dedicatória a alguns bloguistas e, em especial, aqueles que confessam não levar à pratica a máxima: "A mulher é de quem a trabalha".

"O flirt é um invento de praia, amor epidérmico, leve; duas palavras trocadas, quando se está em maillot. Um amor que não deixa rasto, tal como uma onda, quando rebenta na praia. Na praia de Santa Mónica tudo é assim superficial. Profundo, só é o mar. (...) O flirt é uma bola com que os banhistas jogam, quando estão mergulhados até à cinta. Uma bola com vinte cores. (...) uma bola de sabão, que o vento desfaz; um rebuçado que sabe bem, que é delicioso, mas que passado meia hora, já nos esquecemos do gosto." [Robert Montgomery]

"Se eu escrevesse um livro, havia de intitular-se O Elogio do Maillot. Esse livro seria, ao mesmo tempo, o elogio da América. (...) Paris ensina a vestir. A América ensina a despir. Enquanto a Europa continua agarrada à literatura dos trapos, que inventam corpos divinos à mulheres, nós limitamo-nos a gritar ao mundo: vai-te despir! (...)" [Frances Dee]

"Este ano surpreendi um grupo de «estrelas» ao sol, completamente despidas, num canto discreto da praia de Santa Mónica. Era um grupo de vedetas célebres, adeptas do nudismo. (...) Confesso que fiquei agradavelmente surpreendido co esta visão da velha Grécia. Só a antiga imagem clássica das deusas ao sol, acabadas de sair da espuma, pode descrever a beleza daquele grupo. Fiquei ali horas, a contemplá-las e a filosofar! (...) os corpos das mulheres nuas já nem parecem nus. São maillots cor de rosa, através dos quais a alma espreita." [Frank Albertson]

" ... O paraizo devia ter existido ao pé do mar, numa praia larga com algumas rochas e uma ondas pouco violentas. Foi ali, concerteza, que os nossos primeiros pais viveram, completamente nus e felizes. Isso explica a atracção atávica que ainda hoje sentimos pelo mar, e o desejo que nos assalta de atirar para longe os fatos, quando nos deitamos na areia. (...) O maillot! Deixem-me fazer uma confidência. O maillot despe mais a mulher. Se Eva tivesse aparecido a Adão, vestida de banho, ele não só teria comido a maçã, mas toda a macieira! (...) [Charles Roggers]

[Conselhos de Gary Cooper] " Quando estiveres no estúdio, a filmar, sê o mais natural possível. Mas quando fores para a praia, não hesites: representa."

quinta-feira, 10 de julho de 2003

IMAGEM - REVISTA DE CINEMA DOS ANOS 30

Nas arrumações costumeiras, reunimos a revista IMAGEM, dirigida por Chianca de Garcia e com José Gomes Ferreira como redactor principal. Estamos a 10 de Maio de 1930, quando saiu o número 1, 24 páginas que custavam 1$50 (lembram-se?). O editor era Francisco Bertrand e o administrador João Sá. Na capa, com dedicatória especial à revista, a vedeta alemã Lilian Harvey. Do número de estreia, saliente-se o editorial «Sempre Cinema», onde se debate a questão do cinema mudo versus cinema sonoro

« ... surgiu para o cinema uma nova possibilidade. A imagem juntou-se ao som. E um novo sentido, num mundo que parecia imutável, surgiu, modificando toda a técnica de expressão de que o cinema se servira até hoje. (...) Quer isto dizer que o som veio completar o cinema - ou que o cinema mudo era uma Arte incompleta? Devemos confessar que não. A Lina geral, de Eisenstein, é, através de tudo, uma obra definitiva. (...) O sonoro terá um grande lugar, como tem na literatura o romance e a novela. Mas o mundo persistirá também, pela mesma razão que em todos os países os poetas continuam a sonhar».

Escrevem ainda, António Lopes Ribeiro (Crónica), José Gomes Ferreira (Os que não passam de figurantes. Reportagem sentimental), Cottinelli Telmo ( Os antepassados do sonoro), Rui Casanova (O que cortam os censores em Portugal).

[A continuar a visitação às revistas de antanho]

INDEX LIBRORUM PROHIBITORUM (EUA)


Saiu uma amostra pequena (no Público de dia 7 de Julho, último) dos livros banidos dos manuais e do receituário escolar pelas «school boards» americanas. Os neoconservadores ianques, agora com a roupagem do politicamente correcto, não param de nos surpreender. Ou talvez não. Deles já se espera tudo. Eis algumas obras do Index, capaz de fazer corar de inveja o nosso Sousa Lara:

- Huckleberry Finn, Mark Twain
- Admirável Mundo Novo, Aldous Huxley
- Uma Agulha no Palheiro, J. D. Salinger
- Adeus às Armas, Ernest Hemingway
- Diário, Anne Frank
- As Vinhas da Ira, Steinbeck
- Fahrenheit 451, Ray Bradbury
- Harry Potter, J. K. Rowling

BOLETIM BIBLIOGRAFICO Nº15 DE LUÍS BURNAY


Acaba de sair o Boletim Bibliográfico do Livreiro-Antiquário Luís Burnay, totalmente dedicado à bibliografia. Há muito que não tínhamos acesso a um conjunto tão expressivo de livros (684 exemplares) sobre a temática bibliográfica. Tudo é excelente para consulta bibliográfica e desde logo para bibliófilos. Refira-se:

- Bibliotheca Lusitana, de Diogo Barbosa Machado, 4 vols; Dicionário Bibliográfico Português de Inocêncio F. Silva e Brito Aranha, 25 vols; Livros Antigos Portuguezes1489-1600 da Biblioteca ... El-Rei D. Manuel, 3 vols; Catálogo da notável ... livraria ... do ilustre bibliófilo conimbricense Conde do Ameal [Josão Correia de Campos], 1924; Catálogo da ... livraria ... escritores e bibliófilos Condes de Azevedo e Samodães, 2 vols, 1921/22; Catalogo da Livraria Duarte de Sousa, 2 vols, 1972-1974; Manual Bibliographico Portuguez de Livros Raros,..., por Ricardo Pinto de Matos e prefácio de Camilo, 1878.

- Inúmeros catálogos de bibliotecas e livrarias particulares, que foram colocados em leilão, entre os quais a de Ávila Perez, do etnólogo Francisco Lage, do crítico de arte Alfredo Pinto Sacavém, do jornalista Geraldo Soares, do bibliófilo portuense Arnaldo Coimbra da Silva, da biblioteca de Rebelo da Silva, do Dr. Américo Teixeira, Dr. Jorge Peixoto, do escritor Fran Paxeco, do engenheiro agrónomo António Romão Passos, da importante biblioteca do Dr. António Simões Baião, do Eng. Pedro Joyce Diniz, da biblioteca do Conde de Ficalho, da biblioteca preciosa do industrial José Rodrigues Simões, do Prof. Cânones Francisco Gomos, do Visconde de Juromenha, de Francisco Gomes de Amorim, do cónego F. da S. Mattos (Porto), do Barão de Vila Nova de Fozcoa, da biblioteca do romancista Arnaldo Gama, da biblioteca e Arthur de Sandão, de Antonio da Silva Tullio, de Henrique Botelho, do Visconde de Ouguella, da livraria de José Maria Nepomuceno, do bibliófilo Dr. Luiz Monteverde da Cunha Lobo de Viana de Castelo [nós por cá temos um ternura muito especial por catálogos de livrarias e bibliotecas particulares. Pode consultar o site Bibliomanias para mais registos]

- um conjunto de livros importantes e curiosos, como a Bibliografia das Bibliografias Portuguezas, de António Anselmo, 1923; o Arquivo de Bibliografia Portuguesa, sob direcção de Manuel Lopes e Almeida, 56 números, 1955 ? 1968; a Bibliografia Geral Poruguesa sec. XV ? XVI, 1941-1983; o Bibliófilo Aprendiz de Rubens Borba de Morais, S. Paulo, 2ª ed. 1975; Bibliografia sobre a Economia Portuguesa, coordenada por Amaro Guerreiro, 1958 -1967, 13 vols; vários exemplares da Livraria Lusitana e catálogos dos irmãos Santos; A Bíblia do Bibliophilos, de Xavier da Cunha, 1911; a Arte do Livro - Manual do Dourador e Decorador de Livros, por Maria Barjona de Freitas, 1941; os Jornais e Revistas de Coimbra, 1931; Bibliografia Coimbrã de Pinto Loureiro, 1964; e muitos muitos mais.

quarta-feira, 9 de julho de 2003

IN MEMORIAM AUGUSTO ABELAIRA


AUGUSTO ABELAIRAIn Memoriam

Não podia deixar passar: gostava da escrita de Augusto Abelaira. “Bolor” e “Sem Tecto entre Ruínas”, com certeza. Mas, também, as crónicas do Jornal das Letras ou no Jornal. O romancista era demasiado humano para ser de companhia. Mas quem o conheceu sabe que entre a timidez e os infortúnios vários, existia um homem livre. Talvez por isso fosse pouco compreendido. Pouco lido. Nós dizemos – obrigado Abelaira.

NUM BAIRRO MODERNO - CESÁRIO VERDE


E eu recompunha, por anatomia,
Um novo corpo orgânico, aos bocados,
Achava os tons e as formas. Descobria
Uma cabeça numa melancia,
E nuns repolhos seios injectados

As azeitonas, que nos dão o azeite,
Negras e unidas, entre verdes folhos,
São tranças dum cabelo que se ajeite;
E os nabos - ossos nus, da cor do leite,
E os cachos d'uvas - os rosários d'olhos

Há colos, ombros, bocas, um semblante
Nas posições de certos frutos. E entre
As hortaliças, túmido, fragrante,
Como alguém que tudo aquilo jante,
Surge um melão, que me lembrou um ventre.

E, como feto, enfim, que se dilate,
Vi nos legumes carnes tentadoras,
Sangue na ginja vivida, escarlate,
Bons corações pulsando no tomate
E dedos hirtos, rubros, nas cenouras

[in, O Livro de Cesário Verde, Editorial Ática, Lisboa, 1945]