Herberto Helder de
Oliveira [n. 23 Novembro 1930 - m. 23 Março de
2015]
“(…) a morte faz do teu
corpo um nó que bruxuleia e se apaga,/ e tu olhas para as coisas pequenas/ e
para onde olhas é essa parte alumiada toda”.
► “Como Pedro Mexia
refere na sua reacção à morte do poeta, não tardará a tornar-se pacífico que
Herberto Helder é o poeta central da segunda metade do século XX, como Pessoa o
foi da primeira. Mas é uma centralidade que é ao mesmo tempo uma anomalia, porque
a mágica e bárbara linguagem de Herberto, mesmo na sua versão atenuada dos
últimos livros, parece vir do fundo dos tempos e ter nascido por engano nesta
modernidade.
Não há na poesia portuguesa pós-Pessoa nenhum poeta que tenha exercido um tal poder de atracção e gerado tantos epígonos. E nenhum mais absolutamente impossível de imitar com proveito.
Quem leu desprevenidamente esses primeiros livros de Herberto, nos anos 60 e 70, há-de ter experimentado essa sensação de que a poesia só podia ser aquilo. Foi sempre esse o maior e mais estranho dom de Herberto Helder: convencer-nos (ainda que injustamente) de que escreve directamente em poesia, como se a poesia fosse a sua língua materna, e todos os outros poetas se limitassem a traduções mais ou menos conseguidas de um idioma perdido de que só ele detinha a chave (…)
Gastão Cruz lembra que conviveu muito com o poeta mais velho nos anos 60 e 70. “Primeiro, no restaurante Toni dos Bifes, ao lado do prédio onde vivia Carlos de Oliveira, e depois da morte de Carlos de Oliveira no café Monte Carlo.
Herberto era muito amigo do poeta de Sobre o Lado Esquerdo e “sentiu muito a sua morte”, diz Gastão Cruz: “A morte afectava-o, ele manifesta uma grande dificuldade em enfrentar o envelhecimento e a morte, e isso é muito visível em Servidões e em A Morte sem Mestre”.
Num e no outro livro, diz ainda, “vai por caminhos de linguagem
diferentes dos anteriores, mais metafóricos, mas continua a ter uma linguagem
fulgurante, só que com mais referências ao concreto”. A última poesia de
Herberto “era de uma grande força verbal”, diz, e “mantinha uma ligação
profunda com o que sempre foi a poesia dele, uma poesia de um poema único” (…)
A ensaísta Rosa Maria Martelo afirma dever a Herberto
Helder “horas sem conta de pura alegria de ler, de vislumbre, de paixão das
coisas do mundo”. E ao saber que o poeta “morreu de morte súbita”, diz que “ter
sido assim de repente” lhe parece “de uma grande justiça”. Nos últimos livros,
recorda, “tinha antecipado muitas vezes a morte própria, vivendo-a em poemas
exasperados, sem querer fugir à violência, ao pânico, mas em certos textos
desejava isto mesmo: morrer depressa e sem dor”. E acrescenta: “Ele que nos
últimos livros morreu tantas vezes, com evidente sofrimento”.
Herberto deixa-nos, diz, “uma das obras maiores alguma vez
escritas em língua portuguesa, porque na sua poesia a língua extrema-se em
subtileza, nitidez, precisão conceptual e plástica”. E sublinha que o poeta
“escreveu com paixão absoluta” para notar que, “nestes tristes tempos, em que o
significado das palavras flutua constantemente ao sabor de interesses e
compromissos”, ele nos deixa “uma escrita que acontece literalmente no reverso
disso, do lado da verdade, que é onde as palavras são um corpo vivo, sempre
acabado de nascer”
FOTO de Alfredo Cunha
FOTO de Alfredo Cunha
[Luís Miguel Queirós, in jornal Público, 25 Março 2015, pp 2-4]
[EM CONTINUAÇÃO]