quinta-feira, 12 de janeiro de 2006


Minha querida I...

A encomenda feita já foi despachada. Vai no correio o "meu querido Canalha", para que saibas que "nenhuma mulher está livre de se apaixonar por um cafajeste de boa linhagem". A história profana diz-nos isso mesmo. Lembra-me sempre aquela frase de Durrell: "não posso apaixonar-me porque pertenço a uma antiga corporação secreta: a dos bobos". Convenhamos que a ideia que não há combates contra o outro (o amor é sempre "um combate" lá dizia Giorgio Cesarano ... lembras-te!?) mas sim "contra si próprio", tem todo o sentido. Tantos cansaços devem valer alguma coisa. Tanta batalha assim ganha, custa a descobrir. Tanto quanto a corporeidade autoriza e a gramática possibilita.

Eis um testemunho do (teu) "Canalha":

"Todo o homem que é homem já teve seu dia de canalha. Pelo menos um belíssimo dia de canalha. A parte de um dia, que seja, uma tarde deliciosamente cafajeste. As pessoas costumam se enganar com facilidade, parecem pedir que isso aconteça, e o canalha não é do tipo que nega fogo. Aliás, não negarás fogo é o mandamento numero um desta boa linhagem de cafajestes.

Adoráveis canalhas, é o que são, sobretudo se apenas por um dia. No momento em que se dedicam à arte de seduzir, sejam quais forem os fins, eles serão irresistíveis. Como definiu Aldir Blanc, os 'canalhas cálidos' são ternos, compreensivos e com apurado senso de justiça. No caso de um cafajeste com altíssimo poder de atracção, a esta afabilidade se associa um amor genuíno pelas mulheres - os bons canalhas realmente gostam de mulheres, no sentido amplo.

São capazes de ouvir uma mulher como quem realmente está do lado dela, sem qualquer preconceito ou censura, prestando absoluta atenção ao que ela diz - só os dois parecem existir e é nela que o bom cafajeste está pensando. Mesmo assaltado de sonhos, ele saberá dissimular, esperando a hora certa para o ataque. Um canalha de boa estirpe jamais será vencido pela presa ..."

[Ruy Castro, Carlos Heitor Cony, Aldir Blanc, Marcelo Madureira, Bráulio Pedroso & Geraldo Carneiro, in Meu Querido Canalha, Objectiva, 2004]