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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
PERFIL DO IDIOTA
O dia d’hoje – dia de greve dos docentes – fez aparecer, em sibilina fúria, o perfeito idiota. Aquele que, do governante ao comum dos mortais, intervém à espera que a sorte lhe sorria nas bandas da governação. O idiota é um rapaz estimável. Como o lacaio a quem o seu senhor manda entregar uma lembrança. O nosso perfeito idiota tem na literatura um excelente lugar. O seu segredo, que é a mesmo da congregação onde se matriculou, está há muito estudado.
Eis, como exemplo, um preceito para avaliação do perfil do idiota, pelo mestre Ernesto Sampaio, de sábia descrição:
"O IDIOTA é geralmente competente, moralmente irrepreensível e socialmente necessário. Faz o que tem a fazer sem dúvidas ou hesitações, respeita as hierarquias, toma sempre o partido do bem e acredita religiosamente nas grandes ficções sociais.
A incapacidade de relacionar as coisas, as ideias e as sensações transforma-a ele em forca, e como lhe escapam as causas e os fins do que lhe mandaram fazer, fá-lo com prontidão e limpeza, sem introspecções inúteis. Do mesmo modo, como vê no destino o único regulador da vida, acha que se uns dão ordens e outros obedecem é porque todos cumprem misteriosas injunções da providência, as quais é não só inútil, mas criminoso sondar.
O IDIOTA só pode ser bom. Para o mal, precisa-se de imaginação, inteligência discriminativa, espírito científico. (...) O IDIOTA é um bom cidadão. Sem ele, a sociedade entraria em curto-circuito, incendiada entre os pólos do dever e da desobediência revolucionária. (...)
Embora para um IDIOTA seja uma desvantagem não saber que o é, normalmente ninguém lho diz: segundo Brecht, «tornar-se-ia vingativo como todos os idiotas». Aliás, o mesmo Brecht diz que ser idiota não é grave: «É assim que você poderá chegar aos 80 anos. Em matéria de negócios é mesmo uma vantagem. E então na política!» (...)
Para o IDIOTA, os sentimentos e as emoções são «uma boa», constituindo dados manipuláveis. Em si mesmo, não acha qualquer sentido ou valor, mas de qualquer modo são coisas que lhe podem trazer vantagens ou desvantagens: é preciso, portanto, avaliar-lhes as implicações e consequências. Ao lidar com sentimentos e emoções, os próprios e os alheios, o problema, para o idiota, consiste em controlá-los, guiá-los, desfrutá-los, e isso implica trabalho, cálculos complicados e a aprendizagem de técnicas nem sempre fáceis. (...)
O IDIOTA circula à volta do sucesso como a borboleta em redor da chama, agarrando-se como lapa ou mexilhão a quem o alcança. Espertalhão, agrada-lhe receber, mas dá o menos possível, e arranja sempre qualquer explicação ética para justificar este comportamento. Na realidade, a sua lógica, elementar como as suas poucas ideias e imagens, consiste apenas em receber sempre mais do que dá. (...)
Os IDIOTAS andam sempre juntos: consomem os mesmos produtos, frequentam os mesmos locais, lêem os mesmos livros e jornais, e têm uma habilidade notável para descobrir e evitar quem não é idiota. Graças a Deus! A política, porém, unifica o conjunto da sociedade sob o signo da idiotia: pessoas estimáveis, notáveis até nos diversos domínios do saber e da cultura, quando chegam a política tornam-se idiotas. Triunfam, quer-se dizer. Tornam-se, enfim, públicas".
Ernesto Sampaio, publicado no Diário de Lisboa, de 12/06/1987, e reeditado no livro "Ideias Lebres", Fenda, 1994, p. 133-36.
A todos uma boa janta!
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