 Luiz Pacheco: entrevista ao Correio da Manhã
Luiz Pacheco: entrevista ao Correio da Manhã"Os óculos pesam nos olhos que cegaram. À cabeceira, o jornal '
Avante' e um livro de 
José Gomes Ferreira não são bibelôs, mas companhias. 
Luiz Pacheco, criatura de inteligência rigorosa, de lucidez sobrenatural, um livre pensador que disse e diz coisas que não são fáceis de serem ditas, está preso a um cadeirão, tem o robe vestido, o aquecedor ligado e uma manta para o frio não lhe magoar o esqueleto. Nasceu em Lisboa, na Rua da Estefânea, a 
7 de Maio de 1925, pai de oito filhos - frutos de muitos amores, na vida escolhida, que foi dura por prazer, só fez o que bem entendeu (...)
- Oh miúda, eu já li muito. Nem queira saber o que eu já li. Agora é a minha filha que me lê os artigos de jornais e algum livro que eu queira ler. Ocupo o raio do tempo a ver a 
RTP Memória. Estou a ver coisas que nunca tinha visto. Como por exemplo, o 
Júlio Isidro, o 
Zip-Zip. Gosto de ver velhadas. (…)
[
O melhor aluno do Liceu Camões gosta de velhadas...] - Não me faça rir. Mas fui o melhor daquela malta toda. Entrei em 1936 e fiquei lá oito anos. Sentava-me sempre na carteira da frente, porque os meus olhos já eram dois sacanas. O avô desse tipo chamado 
Eduardo Prado Coelho foi meu professor. Nós cagávamo-nos no gajo.
[
Quando é que funda a editora Contraponto?] - A editora começou a funcionar em 
1951, logo depois do primeiro número da revista. Nasceu no ensaio de uma terceira via e só tinha um critério: os gajos do Estado Novo não podiam entrar. Vivia um bocado à mercê do facto de eu e o 
Jaime Salazar sermos amigos. Quando foi publicado o '
Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano', de 
Mário Cesariny, o Jaime ficou f. Pensava que a editora era só para ele. Mais tarde, o mesmo aconteceu com 
Cesariny, quando 
Herberto apareceu. Razão tinha o 
Gaspar Simões em chamar-me '
O sacristão do Surrealismo', por publicar aquela gajada. Não faz muito tempo, vendi a editora à irmã do 
Manuel Alegre por um preço de m..
[
Era amigo de Cesariny?] - Essa pergunta traz água no bico. Dizem que nós éramos amantes. Um disparate. O gajo não fazia o meu género. Eu nunca tive a mania de Paris. Ele tinha.
[
É autor de muitos livros, mas nunca escreveu romances] - Porque é preciso ter disciplina. Mas não é como escritor que posso ser importante. Se me perguntarem da minha importância é como editor. Editei muitos livros que eram muito baratos. Tinha bons autores, 
Raul Leal, 
Natália Correia, 
António Maria Lisboa, 
Herberto Hélder, 
Vergílio Ferreira, 
Mário Cesariny. Jamais editaria, por exemplo, o 
Fernando Namora. Ele era um aldrabão. Ou o 
José Agualusa, que não escreve nada. É um pateta alegre.
[
O que nos diz dos políticos?] - São uns m. Comparados com eles próprios. Aquela que foi ministra das Finanças era uma tipa séria, mas era cá um camafeu.
[
Gosta do José Sócrates?] - Quem é? Não o conheço. 
[
Mas gosta de Pedro Santana Lopes?] - É um 'bom vivan'. Não deixou obra nenhuma, mas sabe viver. Andava nas discotecas e estes gajos – o pequeno, o gajo que é quase anão – fez-lhe a folha. O 
Santana é um senhor. Gosta das noites. E bebe o seu copinho. Eu deixei de beber há uma semana. Ao almoço bebia vinho - tinto, pois está claro. Quando se fala em vinho fala-se em tinto.
[
O País reconhece as pessoas?] - Não podemos falar de um só País. De Lisboa ao Porto existem dois países ou, talvez, existam quatro países em Portugal. Por exemplo, o 
Mário Soares, quando era Presidente da República, deu-me 650 contos. Uma vez, no Chiado pedi-lhe 20 paus emprestados. E ele deu-mos. Este presidente, o actual, que tem aquela cara, não me deu nada.
[
Vive de alguma pensão?] - Tenho um subsídio de 120 contos, graças ao 
Alçada Batista. E também ao 
Balsemão, que teve a feliz ideia de inventar o decreto do mérito cultural. O 
Santana despachou um decreto que favorece pessoas que estão na minha situação. Mas não é por isso que gosto do rapaz. O tipo sabe o que é bom. O que é bom para mim são umas garotas, que vêm cá de manhã para me fazerem a higiene. Não é mau"
[
Luiz Pacheco entrevistado por Miriam Assor, 
in Correio da Manhã, 
8/04/2007 - sublinhados nossos]