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quinta-feira, 22 de maio de 2008


Torcato Sepúlveda (1951-2008)

"Era um grande libertário e um grande liberal" [cf. Francisco José Viegas, in JN, 22/05/2008]

"Nunca se devia dizer nada, nunca se devia chorar desta maneira. Torcato Sepúlveda, amigo de muitas horas, de muitas conversas, meu companheiro de tanta literatura gasta e por gastar, a voz, a fúria, a zanga, os livros, a memória de muitas páginas, o leitor amável, o leitor furioso, o céptico entusiasta, os bancos de jardim, o Jardim da Parada logo de manhã, os jornais, as estantes, os bares, as varandas sobre a planície. Nunca se devia chorar desta maneira a quem nunca se dirá adeus, adeus, adeus, mesmo que essa palavra exista, mesmo que essa palavra não exista lá, para onde vais." [Francisco José Viegas, Despedidas]

"Pacheco [Luiz] nunca escreveu romances porque a sua literatura era de urgência: a de matar a fome, de zurzir os bonzos que mandavam nas letras, de atacar o salazarismo a golpes de impropérios e gargalhadas” Palavras de Torcato Sepúlveda ... na sequência da morte do escritor Luiz Pacheco, e que poderiam servir-lhe quase de auto-retrato ... [Ana Marques Gastão, DN, 22/05/2008, p. 57]

Torcato Sepúlveda, aliás, João Torcato Macedo Duarte Sepúlveda, nasce em Braga a 27 de Fevereiro de 1951. Filho de professores [cf. Gastão, ibidem], começa as suas leituras (com a imensa paixão que sempre o acompanhou) pela biblioteca de casa. Camilo, Eça, Júlio Dinis, Alexandre Herculano, e muitos mais autores lhe encheram a alma e vida, marcando-lhe o prazer da leitura, o gozo da escrita ou o apuro da conversa. Em Braga, ainda, frequenta a vasta biblioteca do pai do seu amigo Américo Barbosa [cf. entrevista à Rádio Universitária do Minho] e toma conhecimento com as obras de escritores estrangeiros. Colabora, então, num jornal de escola. Depois de findo o liceu vai para Coimbra, cursar Filologia Românica. Os tempos de Coimbra, com as tempestades políticas de então (crise 69), trazem-lhe outras leituras, diferentes realidades, novas combatividades e o mesmo ardor pelos livros. Participa nas lutas académicas, conhece os escritos de surrealistas portugueses (António Maria Lisboa, Cesariny, ...), lê Debord e outros situacionistas [Internacional Situacionista (IS)].

[Coimbra teve um núcleo curioso de pró-situacionistas e publicações ligadas à IS – diga-se que em 1972, foi publicado em Coimbra "Banalidades de Base”, de Raoul Vaneigem e (segundo Torcato) foram publicados no Diário de Coimbra alguns textos, sob pseudónimo. Em 1971, os pró-situacionistas de Coimbra interrompem uma sessão de Julien Gracq, na Alliance Française, com ruidosas palavras de ordem. Na altura participa Carlos Amaral Dias, que pouco depois é preso. Outros pró-situacionistas, como Francisco Alves (tradutor da "Sociedade de Espectáculo" e que em finais de 1964 foge do país) ou Américo Nunes da Silva (antropólogo), são citados no "Leituras", do Jornal Público, 6 de Maio de 1995, p.2]

Parte para o exílio (discordando da guerra colonial) na Bélgica, onde vive entre 1971-1974 trabalhando como operário. Entra em contacto, na época, com os situacionistas belgas e franceses. Nunca se dizendo pró-situacionista, curiosamente, escreve anonimamente [Anónimo do Seculo XX] "Reflexão sobre a estratégia da luta de classes em Portugal", Braga, 1976, e outros textos sob pseudónimo, que marcam a literatura da IS em versão portuguesa. Decerto, Torcato Sepúlveda era quem mais sabia, entre nós, sobre a influência do movimento da IS em Portugal, matéria aliás nunca devidamente recenseada.

Regressa depois de 25 de Abril de 1974, trabalha no serviço de fronteiras em Vila Real de Santa António e a convite de Vicente Jorge Silva entra para o Expresso, colaborando na crítica literária [assinando João Macedo]. É co-fundador do jornal Público, editando o estimado suplemento literário "Leituras", saindo em 1997 para ingressar no Semanário. Colaborou ainda no Independente, na revista Invista, no jornal A Capital e na Grande Reportagem. Trabalhava actualmente na NS (Diário de Notícias). Fez crítica literária e traduções [como a "Historia desenvolta do Surrealismo", Antígona, 2000] e sob pseudónimo como: Silva de Viseu, Buíça, D. Luís da Cunha.

Torcato Sepúlveda, que morreu no dia 21 de Maio de 2008, era "homem de tantas histórias, de muitos amigos, de outros inimigos (...) era um redactor de estilo inconfundível, ora virulento ora comovente, na quase extinta linha de fronteiras entre jornalismo e literatura ..." [Ana Marques Gastão, ibidem]. Uma perda terrível.