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terça-feira, 15 de julho de 2003

MEMÓRIAS DE UM EX-MORFINÓMANO


[Lá se catalogou o Reporter X, o X, o Espião. Ficou-se com uma extraordinária impressão de Reinaldo Ferreira, o Repórter X. Fomos buscar à livralhada o seu famoso (e já difícil de encontrar) livro "Memórias de um Ex-Morfinómano". O prefácio, ao livro, por Artur Portela é elucidativo. Não resistimos a transcrever um pequeno extracto. Como são belas as tardes de Julho!]

Memórias de um Ex-Morfinómano [Reinaldo Ferreira]

"Reinaldo Ferreira foi o maior repórter da Imprensa portuguesa. Morto, continua a sê-lo, através de uma obra extraordinária, fulgurante, caudalosa, que é impossível avaliar (...)
Estou ainda a vê-lo, de olhos cinzentos, fosforescentes, o cabelo loiro, como se fossem as chamas do incêndio da sua alta vocação jornalística; dinâmico, nervoso, fustigante, multiplicando os gestos, as palavras, as ideias, sempre com uma caneta na mão, que não passeava lentamente no papel, mas galopava vertiginosamente, desentranhando-se em milhares de artigos, sensacionais reportagens, crónicas de viagem, novelas de mistério, romances empolgantes, peças de teatro, numa palavras, toute la lyre que ele percutia, sem esforço, como que ébrio ou magnetizado pela mais assombrosa vocação que tenho visto no Jornalismo!

Falta ainda, para o retrato ser flagrante, medir-lhe a estatura física, que não era muito alta, como que condensada na força do salto; desenhar-lhe a fronte enorme, enobrecida de claridade interior; dizer que os cabelos fulvos, chamejantes, pareciam desgrenhados pelo vento das mais arrojadas aventuras e que nos lábios, cremados pelo fumo, ardia sempre um cigarro, quase nunca tirava da boca carregada de cinza - essa mesma cinza de um talento de oiro, irresistível, frenético, electrizante, que ele espalhou sobre o Mundo nas mais extraordinárias e audaciosas performances. (...)
O jornalismo era nele, fisicamente, uma vocação instintiva. (...) Por instinto, decerto -
Reinaldo Ferreira não tinha tempo para ler, tanto escrevia! -, ele introduziu em Portugal a maneira característica do jornalismo americano - incisivo, inconfidente, mesmo escandalosa, densa na sua verdade, em que as imagens, como no cinema, dominam as palavras, fotografando o que se passava e o que se não disse, o que se sabe e o que se esconde, numa reconstituição visual em que tanto as personagens como os pormenores empolgam, visceralmente desnudados. (...)
A certa altura, porém,
Reinaldo Ferreira encontra um formidável adversário. Um gigante enorme, duro, terrível, tolhe-lhe o passo: é o Repórter X.

Mas, quem é o Repórter X? (...) É ele próprio, Reinaldo Ferreira, pseudónimo criado por um lapso tipográfico no final de um seu artigo no jornal A Tarde, e que será até ao fim de tão febril e convulsiva existência - o seu inimigo nº1. O pseudónimo individualiza-se, humaniza-se e destrói Reinaldo. O ser que engendrou entra em circulação. É um nome civil. Uma autêntica personalidade (...) É a sua sombra, que nunca o deixará de perseguir na existência, até aos últimos passos, até á morte! (...)
[Reinaldo Ferreira] desapareceu por completo. À sua mesa de trabalho, com os mesmos traços, o mesmo cigarro em brasa, que não tira das comissuras dos lábios, a grenha a empalidecer com os primeiros fios brancos dos anos - senta-se esse horrível monstro, o repórter X, que o fita, irónico, desabusado, de mãos enluvadas de negro, mascarilha vermelha, sangrenta, irónica, cruel, insaciável, (...) É ele que quem visita as lôbregas prisões, (...), que penetra nos esgotos das tentaculares cidades, (...), que devassa os cárceres dos loucos (...), que se embriaga com os paraísos azuis da morfina e de outros alcalóides, como Aldous Huxley, nas Portas da Percepção, para nos descrever todas as sua bizarrias, todos as suas abomináveis, todas as suas oníricas fantasmagorias. (...)

[Artur Portela, in, Nota Prefacial (pag. 9- 21) às Memorias de um Ex-Morfinómano de Reinaldo Ferreira, Lisboa, 1956]

segunda-feira, 14 de julho de 2003

AINDA ... REINALDO FERREIRA - O REPÓRTER X


Afinal temos, apenas, 115 números do antigo semanário Repórter X. A colecção completa, ao que sei é de 128 números [REPORTER X. SEMANÁRIO DAS GRANDES REPORTAGENS - Director Reynaldo Ferreira (Reporter X) e chefe da redacção, Mário Domingues. Nº 1 (9 de Agosto de 1930) ao Nº 128 (23 de Junho de 1933). Lisboa, 1930-1933]. Ficámos angustiados.

Algumas curiosidades:

- "Existem Templários em Portugal?" [refª ao texto do alemão Paulo Kopper, publicado no Instituto Histórico de Leipzig, nº 9 de 20/09/1931] - in, Repórter X, Ano II, nº 63

- "Cavaleiro de Oliveira - um admirável e quási ignorado jornalista planfetário do século XVIII" [Trata-se de um artigo sobre Francisco Xavier de Oliveira (Cavaleiro de Oliveira), com referências ao seu panfleto (muito citado por Camilo e, posteriormente por Aquilino Ribeiro) "Amusement Periodique", publicado em francês e que apenas 3 exemplares chegaram a Portugal (e um às mãos de Camilo)] - in, Repórter X, Ano II, nº 67

- "Hitler, o homem que mete medo ao mundo" [um texto bem premonitório]] - in, Repórter X, Ano II, nº 72

- "O último instantâneo de Joshua Benoliel" - in, Repórter X, Ano II, nº 80

- "O que se passa entre os hebreus e os «Marranos» do Norte?" [refª à revista mensal Há-Lapid, órgão da comunidade isrealita do Porto] - in, Repórter X, Ano II, nº 96

- "Os mistérios da Revolução de 5 de Outubro" - in, Repórter X, Ano III, nº 100

- "Trotski o antigo comissário de guerra russo ... esteve alguma vez em Portugal? " - in, Repórter X, Ano III, nº 105 e 106

- "Finanças Literárias. Os rendimentos dos escritores, nacionais e estrangeiros ... " - in, Repórter X, Ano III, nº 106

- "António Ferro, Salazar. António Ferro, a sua entrevista e o seu entrevistado" - [texto de Reinaldo Ferreira] - in, Repórter X, Ano III, nº 112

sexta-feira, 27 de junho de 2003

FERNANDO PESSOA PELO REPÓRTER X


FERNANDO PESSOA - in Semanário X (de Reinaldo Ferreira)

Reinaldo Ferreira (1897-1935), ou o famoso Repórter X, nascido em 1897 em Lisboa, foi jornalista, escritor de livros policiais e de peças de teatro, fundador de semanários e jornais, mais ou menos sensacionalistas ou curiosamente extravagantes, argumentista e realizador de filmes, aventureiro e ex-morfinómano (Memórias de um Ex-Morfinómano é um testemunho notável do jornalista).

Do X - Semanário de Grandes Reportagens, cujo director e jornalista era Reinaldo Ferreira, número 13 de 7 de Fevereiro de 1935, nos "Homens da Semana" (pag. 4), vem o seguinte sobre Fernando Pessoa:

"O nome Fernando Pessoa surgiu, bruscamente, ao som de uma imprevista pancada de gongo, como um Mefistófeles de Opera (...) e assim, à la minute, duma noite para o dia (...)
Fernando Pessoa que, há dez dias a esta parte é dos indivíduos mais discutidos, não só nos cafés, nas esquinas, nas tertúlias da capital, como em todo o pais, é também dos nomes mais ignorados, das personagens menos conhecidas. (...)
Fernando Pessoa é uma incógnita. (...) Antes de mais nada, é preciso que se saiba que a especial e sempre admiravelmente estranha actividade mental de Fernando Pessoa dura há vinte e tal anos. Já na aurora desta geração, Fernando ocupou um posto marcante de chefe, de orientador fleumático, oculto, desprezando glórias e troféus (...)

Poeta de ritmos preciosos, os seus versos, como a sua prosa, são forjados num ineditismo de concepções que, para muitos significa ânsia audaciosa de sensacionalismo, mas que é apenas uma disciplinada, premeditada e sábia expressão do seu pensamento e dos seu gosto estético. A literatura, para ele, é a sobremesa, o doce da vida. Não exibe as suas produções; raramente as publica. São para ele só, e para alguns amigos. A sua missão na vida, missão mental, espiritual, parece oculta-la como um segredo, e cumpri-la fervorosamente como um desígnio de Deus. Do mistério da sus intimidade apensa se transparenta o seu ar místico, a sua sede de estudo, a orientação complexa das suas leituras, duma biblioteca, da sua cultura. (...)
O seu contacto com a vida, fora da faina profissional é regateado : uma hora, todas as tardes, no Martinho da Arcada, no Terreiro do Paço, cercado por meia dúzia de jornalistas, poetas, escritores, artistas (...) é o menos palrador; mas quando fala, esgota a crítica ao objecto de discussão com um critério estranho, dir-se-ia que filtrado por um cérebro, uma mentalidade, um espírito doutro planeta. Esse estilo das sua expressões críticas, esse seu sistema de análise aos factos ou de profecias às consequências, criou-lhe a vaga fama de "ocultista", ou pelo menos de um mergulhador de textos misteriosos (...)
Fisicamente Fernando Pessoa é magro, tem os lábios sempre comprimidos, como os de uma criança, e como uma criança esbugalha os olhos, atrás dos óculos, numa expressão de pasmo infantil quando escuta algo que o surpreende ou quando fixa a sua atenção numa conversa (...)"