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domingo, 14 de junho de 2009


MANUEL DE LIMA - O REBELDE

Manuel de Lima [1918-1976] está de regresso com "O Rebelde", obra póstuma publicada pela Edium Editores. Manuel de Lima foi um notável ficcionista [quase sempre ignorado pela gentinha intelectual da paróquia] que faz parte daqueles que Maria de Fátima Marinho [autora do mais importante estudo sobre "O Surrealismo em Portugal", INCM, 1987] apoda de "surrealistas sem escola" ou de autores com "traços surrealizantes".

Manuel de Lima ou o "Mestre do non-sense português", como Luiz Pacheco o intitulou [ver a dedicatória ao texto de Pacheco, "O Caso das Salsichas Inimigas" – ref. Maria de Fátima Marinho], nasceu em Lisboa em 1918. Foi violinista profissional em várias orquestras sinfónicas [o "seu sonho era a orquestra sem maestro" – in Luiz Pacheco, "Figuras, Figurantes e Figurões", O Independente, 2004. Leia-se esse espantoso texto de Pacheco sobre Manuel de Lima, "O careca evidente retratado pelo caixa de óculos", pp. 130-135, aliás reprodução da "Ler", nº31, 1995], crítico musical [no estimado Jornal de Letras e Artes, na Arte Musical, Século e Século Ilustrado, Diário de Lisboa, Diário Popular] e autor dramático. A sua narrativa "inverosímil", o nonsense e a densidade das situações recriadas, o ambiente fantástico das suas personagens, a sua escrita de uma riqueza irónica e o seu refinado "humor negro", fazem de Manuel de Lima uma personagem, ela própria, insólita e de assinalar no quadro novelístico português.

Não deixa de ser curioso que o primeiro livro de Manuel de Lima, onde pontifica uma "impossibilidade realista" e um curioso "ambiente fantástico", seja datado de 1944 ["Um Homem de Barbas", ed. de autor, com desenhos de Bernardo Marques e prefácio de Almada Negreiros], pois até 1945, entre nós, o espírito neo-realista entre os intelectuais era ainda enorme respeitabilidade. Note-se que Pedro Oom, em Outubro desse ano, escreve [ref. Maria de Fátima Marinho, ibidem] um artigo no jornal "A Tarde", do Porto, justamente intitulado "Nota sobre o neo-realismo nas Artes Plásticas em Portugal", onde critica o denominado surrealismo; e do mesmo modo, ainda no jornal "A Tarde", Mário Cesariny [ibidem] no artigo "Futurismo e Cubismo" não acede à critica fácil ao neo-realismo, fazendo-o apenas, e indelevelmente só a partir do fim desse ano.

Manuel de Lima integra-se no grupo [entre eles, Mário Cesariny, Luiz Pacheco, António José Forte, Herberto Helder, João Rodrigues, Manuel Castro] que se reunia em 1955 no Café Gelo [quase todos eles vinham de igual tertúlia no Café Royal], de que tanto se fala. Publicou, antes, em 1953, uma importante obra, "Malaquias ou a História de um Homem Barbaramente Agredido" [ed. Contraponto], com um prefácio de António Maria Lisboa [republicado, depois, n’A Intervenção Surrealista e na "Poesia", do mesmo A.M.L.]. Em 1958, Manuel de Lima, Luiz Pacheco e Natália Correia [amiga muito "especial" de Manuel de Lima], escrevem "Caca, Cuspo & Ramela", uma paródia insolente ou diatribe contra Mário Cesariny e o seu grupo [ver, "Pacheco versus Cesariny", de Luiz Pacheco, Estampa, 1974, e onde são transcritas "deliciosas" cartas de Manuel de Lima para Luiz Pacheco]. Em 1965 publica Manuel de Lima uma peça teatral, "O Clube dos Antropófagos" [reedição pela Estampa em 1973, aliás como toda a sua obra]. Por último, na Estampa (1972) sai "A Pata do Pássaro Desenhou uma Nova Paisagem".

"O REBELDE" (Obra póstuma), de Manuel de Lima, recolha e coordenação de Susana Custódio e Isabel Fontes, Edium Editores, 2009.

terça-feira, 30 de setembro de 2003

MAU PARECER

"... A verdade é que ultimamente surpreendera-se a falar só consigo próprio e, durante os monólogos, dizia palavras cujo sentido não compreendia. Chegou mesmo a ter de consultar os melhores dicionários. Outras vezes não compreendia o sentido verdadeiro de frases inteiras. Viu-se obrigado a reatar os estudos de filosofia para atingir o grau de cultura que os seus monólogos revestiam. Se não fosse ter de se interpretar a si mesmo já teria posto de parte todos os estudos. Quando ajeitava a gravata, em frente ao espelho, conversava largo tempo com a imagem reflectida. Ainda não chegara a uma conclusão certa através das conversas mas havia lá qualquer mistério prestes a desvendar-se que o atraía na força de um vício. Ate então apenas descobrira que só por acaso se parecia com o seu retrato reflectido no espelho. Por vezes achava-se com mau parecer – em relação a quem? ..."

[Manuel de Lima, Malaquias ou a história de um homem barbaramente agredido, Contraponto, 1953]