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quarta-feira, 5 de novembro de 2003

RAÚL BRANDÃO [1867-1930]




Morre em Lisboa, 5 de Novembro de 1930

Raul Germano Brandão, nasce na Foz do Douro, filho de pequenos proprietários, neto de pescadores [in Quem é Quem, de Álvaro Manuel Machado, que seguiremos de perto], frequenta o Curso de Letras que abandona para entrar na carreira militar ("O Inferno deve ser uma retrete de soldado em ponto maior" - diz). Amigo de António Nobre (participa na autoria do folheto Os Nefelibatas, sob o pseudónimo de Luís Borja, pertencendo, pois, ao grupo dos nefelibatas, de influência simbolista), Columbano e de Teixeira de Pascoes, tem uma obra vasta (contos, livros de viagens, peças de teatro e estudos históricos) mas cujo livro de referência maior será sempre Húmus, uma das pérolas da literatura portuguesa. Colabora em jornais (Correio da Manhã de Pinheiro Gomes), O Dia, a Republica (onde foi chefe de redacção), em várias revistas, como a importante Revista Portugal (de Eça de Queirós), A Águia, Seara Nova, A Arte, Revista de Hoje (com Júlio Brandão e D. João de Castro).

Algumas Obras: Impressões e Paisagens (1890), Historia de um Palhaço (1896), A Farsa (1903), Os Pobres (1906), El-Rei Junot (1912), Húmus (1917), A Conspiração de Gomes Freire (1917), Memórias (vol. I, 1919), Os Pescadores (1923), O Doido e a Morte (1923), Memórias (vol. II, 1925), A Morte do Palhaço e o Mistério da Arvore (1926), O Pobre de Pedir (1931), O Vale de Josafat ((vol. III das Memórias, 1933)

"A ternura é húmida" (RB)

[Das Memorias - que diga-se, seria talvez a escrita mais memorialista, perturbante e intimista de toda a blogosfera, se tal fosse possível ...]

"Hoje acordei com este grito: eu não soube fazer uso da vida! O que me pesa é a inutilidade da vida. Agarro-me a um sonho; desfaz-se-me nas mãos; agarro-me a uma mentira e sempre a mesma voz me repete: - É inútil! Inútil! (...)
A vida antiga tinha raízes, talvez a vida futura as venha a ter. A nossa época é horrível porque já não cremos - e não cremos ainda. O passado desapareceu, de futuro nem alicerces existem. E aqui estamos nós sem tecto, entre ruínas, à espera ..." [Set. 1910]

"... [Guerra] Junqueiro dizia de Latino [Coelho]:
- Sim, é um homem admirável, que em lugar de c... tem duas castanhas piladas!" [Dez. 1900]

"G..., antigo companheiro de Fialho [de Almeida], sepultado hoje o fundo duma biblioteca, diz assim a propósito da livraria do grande escritor:
«Eu chamo a estes livros as onze mil virgens. São apenas quatro mil volumes, ou pouco mais, mas - vão surpreendê-lo esta minúcia - estão aqui todos por abrir. Há aqui Balzac e Zola, Eça e Ibañez, os Goncourt e Ponson du Terrail. Fialho tinha muito Ponson na sua biblioteca. Esta literatura de costureiras e guarda-portões era para as grandes horas amarguradas.
Era. A ele e a outro grandes espíritos basta-lhes o próprio drama. Antero, nos dias aziagos de Vila do Conde, deitado num sofá, só lia Gaboriau. Para tragédia chegava-lhe a sua ... [Março 1903]

"Venho da casa de Fernandes Tomás. Teve um ataque apopléctico. Está hemiplégico, deitado num sofá, sonolento e trémulo. Nunca encontrei bibliófilo que tivesse prazer em indicar, em ensinar, senão este? Á beira do túmulo ainda pede que lhe arranje um catálogo da guerra peninsular ..." [1 de Fev. 1911]

"O que custa a largar na vida não é a esplêndida natureza, as grandes ideias, a luta ou as paixões? é o que fazemos todos os dias, é o hábito. Um médico meu conhecido do Porto, o dr. Frias, acabou com estas palavras: - E os meus doentes? Que vai ser dos meus doentes?... E, a mim, uma das coisas que me vai custar a deixar são os meus papéis. A vida leva-nos e aturde-nos. Lutamos. Debatemo-nos. Mas, quando chegamos ao fim, estamos todos docemente maníacos. O cúmulo é o caso acontecido com Alfredo Guimarães, cuja vida se passou na constante preocupação do bric-à-brac e que na agonia recomendava ainda:
- Olhem lá se esses homens, quando descerem com o meu caixão, vão partir as jarras da Índia que estão no patamar das escadas ..." [Dez. 1916]

"José Sampaio (Bruno), conversador extraordinário, corria altas horas as ruas denegridas e húmidas do Porto, com dois ou três amigos, falando, parando, discutindo até alta madrugada. Vinha tudo à baila: Deus, o universo, os filósofos e a politica. Agregavam-se às vezes àqueles homens alguns rapazes, que os ouviam fascinados. Eu era um deles, e ouvi-lhe, uma noite, estas palavras que nunca mais me esqueceram:
- Escusam de procurar ... a nossa ruína não vem dos políticos nem do regime. Mudaremos de regime e ficaremos na mesma. O nosso mal é mais profundo ? o mal é da raça.
- A raça? Mas, com esta raça, descobrimos o Mundo! (...)
- O mal é da raça. Se quisermos modificar o País, temos de fazer exactamente o mesmo que se faz com os cavalos, temos de mandar vir homens do Norte, ingleses, escandinavos ou suecos, e de montar aqui e além postos de cobrição..." [O Sangue, Memórias III]