► “Nascido em 1930 no Funchal, Herberto Helder publicou os seus
primeiros poemas em antologias madeirenses – Arquipélago (1952) e Poemas
Bestiais (1954) –, e ainda na revista Búzio, editada por António
Aragão. A sua obra de estreia, O Amor em Visita, um pequeno folheto
editado pela Contraponto, saiu em 1958, quando frequentava, em Lisboa, o grupo
surrealista que se reunia no Café Gelo, convivendo com Mário Cesariny, António
José Forte ou Luiz Pacheco.
Por esta altura, abandonada a frequência universitária em
Coimbra (primeiro de Direito e depois de Filologia Românica), o poeta tivera já
vários empregos precários – passou pela Caixa Geral de Depósitos, angariou
publicidade, trabalhou no Serviço Meteorológico e foi delegado de propaganda
médica.
Em 1961, publicou o livro que desde logo o consagraria como uma
das vozes fundamentais da poesia portuguesa: A Colher na Boca, editado
pela Ática, a chancela que então publicava as obras de Fernando Pessoa. Ruy
Belo, que também publicou na Ática, e no mesmo ano, o seu primeiro livro, Aquele
Grande Rio Eufrates, contou a Joaquim Manuel Magalhães, segundo este narra
em Os Dois Crepúsculos (1981), que “ao ver em provas na editora o livro
de Herberto Helder, teria sentido ser esse o livro e não o seu”.
Entre a publicação, em 1958, do longo poema O Amor em Visita,
cujos versos iniciais todos os jovens leitores de poesia portuguesa
contemporânea sabiam de cor nos anos 60 e 70 – “Dai-me uma jovem mulher com sua
harpa de sombra/ e seu arbusto de sangue. Com ela/ encantarei a noite (…)” – e
o lançamento de A Colher na Boca, o poeta viajou pela Europa.
Tornou-se mítico o ecléctico e pitoresco inventário de ofícios
que foi desempenhando para sobreviver enquanto deambulava pela França, Holanda
e Bélgica. Foi operário metalúrgico, empregado numa cervejaria, cortador de
legumes numa casa de sopas, guia de marinheiros em Amsterdão e empacotador de
aparas de papel, curiosa ocupação para alguém que irá demonstrar uma permanente
pulsão para se transformar, ele próprio, em papel, desaparecendo no interior da
obra.
Regressado a Lisboa, trabalha nas Bibliotecas Itinerantes da
Gulbenkian. Depois passa pela Emissora Nacional e pela RTP, trabalha em
publicidade e torna-se, em 1969, director literário da Estampa, onde dá início
à edição das obras de Almada Negreiros, que sempre admirará.
Em 1963, publicara um livro que basta para lhe assegurar também
um altíssimo lugar entre os prosadores portugueses contemporâneos, Os Passos em
Volta. Ainda nos anos 60, saem Poemacto (1961), Lugar (1962), Electronicolírica
(1964), depois reintitulado A Máquina Lírica, Húmus (1967), o seu fascinante
diálogo com Raul Brandão, e Retrato em Movimento (1967). Em 1968 publica O
Bebedor Nocturno, o primeiro de vários volumes de traduções de poesia, e
Apresentação do Rosto, título que mais tarde rejeitará, ainda que vários dos
textos que o compõem ressurjam depois noutros livros.
No início dos anos 70, volta a viajar pela Europa e, em 1971,
trabalha em Angola para a revista Notícia, de Luanda. Numa das suas
reportagens, ao viajar com o seu colega Eduardo Guimarães, que ia ao volante,
sofre um grave acidente de viação que quase lhe custa a vida.
Novamente em Lisboa, trabalha na editora Arcádia, e também na
RDP, e colabora em várias publicações, sendo um dos organizadores da revista
Nova (1976).
Em 1968 afirmara ir deixar de escrever – voltará a fazê-lo mais
vezes –, e, de facto, descontado Vocação Animal (1971), não publica nenhum novo
livro até Cobra (1977), se exceptuarmos também os dois volumes da Poesia Toda,
publicados na Plátano em 1973, ano em que viaja para os Estados Unidos.
Mas Cobra assinala o início de um período muito criativo, que
inclui O Corpo o Luxo a Obra (1978), Flash (1980), ou A Cabeça Entre as Mãos
(1982). E ainda o volume de prosa e poesia Photomaton & Vox (1979), o
primeiro lançado com a chancela da Assírio & Alvim, de Hermínio Monteiro e
Manuel Rosa, que será durante décadas a sua editora.
Se descontarmos as compilações e traduções, e a sua muito
pessoal antologia da poesia moderna portuguesa, Edoi Lelia Doura (1985),
segue-se mais um período de silêncio até A Última Ciência (1988), e outros seis
anos até Do Mundo, publicado em 1994, o mesmo ano em que lhe é atribuído o
Prémio Pessoa, que Herberto Helder recusa, pedindo ao júri que não o anunciassem
como vencedor e dessem o prémio a outro.
Embora continue a reescrever a obra, Herberto eclipsa-se depois
durante quase uma década e meia. Mas o seu regresso com A Faca Não Corta o
Fogo, possivelmente o melhor livro de poesia portuguesa do século XXI, é
avassalador. Em 2013 publicou Servidões, e em 2014 saiu A Morte Sem Mestre, que
assinalou a sua passagem para a Porto Editora e recebeu críticas desiguais,
quebrando pela primeira vez o consenso quase absoluto que se gerara em torno da
sua obra ..."
[Luís Miguel Queirós, in jornal Público, 25 Março 2015, pp 2-4]
[EM CONTINUAÇÃO]