quarta-feira, 19 de novembro de 2003

VEM AÍ A SRA FERREIRA LEITE ...


"Ora deixai-me dizer / que vejo tudo ao contrário / do que era lícito ver" [M.C.V.)

A inefável Ferreira Leite está de volta. Sabedora que o relatório do Banco de Portugal prevê um défice público, em 2003, de 5% do PIB, não entrando em conta com as engenharias contabilísticas costumeiras, a extraordinária Ministra corre célere e comenta, com sorriso seráfico, "que a política a seguir deve ser esta".

A tribo dos economistas, em fila de espera para os despojos da maior hecatombe da economia portuguesa dos últimos anos, curva-se respeitosamente perante o dogma ferreira-leitista do imaculado défice e, em gesto de fervor intelectual, atira com os velhos canhenhos de economia politica para o sótão da sua parcimónia intelectual. Lá estão em faxina, o paradigmático Jorge Neto, o frugal Miguel Beleza, o excitado Tavares Moreira, o abominável César das Neves, o casto Nogueira Leite, o nefelibata António de Sousa, ou esse mestre do suspense que dá pelo nome de Carlos Rosado de Carvalho mais o seu painel amestrado do Público, todos em desvairada arrumação dos economistas políticos clássicos e modernos, liberais ou nem por isso, mas outrora de muita estimação.

Sobre a agonizante caminhada descendente para o caos económico e social, com previsões que apontam para um PIB negativo à volta de 1%, como resultado de "um fraco estímulo ao investimento e a incapacidade das famílias em realizarem mais compras", e as consequências que tal provoca, suspeita-se que o receituário não vem em nenhum manual na língua de Camões, nem que possa ser traduzido de uma qualquer língua herege para uma necessária leitura chez Mercearia Leite & Família, e nem consta que se consiga já ouvir o que gritam Miguel Cadilhe, Cavaco Silva, Silva Lopes, Eduardo Catroga, Ernâni Lopes, Ferreira do Amaral, João Salgueiro, Rui Vilar, et all.

Afinal, se em tempos idos de 1993, a Sra. Ferreira Leite obteve uma performance no défice de perto de 6% do PIB, temos que nos regozijar pela proficiência de hoje. E aceitar, como nos diz Pessoa, que a crise provem "do excesso de civilização dos incivilizáveis". O que é justo.