terça-feira, 28 de outubro de 2003

PASSA POR MIM NA CATEDRAL ...



"Todo o sentimento poderoso provoca em nós a ideia do vazio" [Artaud]

Passa por mim na Catedral, disse meu pai. Assim fiz, nunca se deve contrariar os progenitores. Nem a saudade. Muito menos, os investimentos do nosso imaginário. E fazia sentido, que os "homens não têm com o mito uma relação de verdade, mas de uso" [Barthes dixit]. O luto estava longo. O seu caminho, desde a noite negra que o dito Presidente do Benfica vendeu o clube a um partido político, tinha sido feito. Passar a espera, quedar-me na margem, eis o sortilégio cometido. Depois? Depois, entrou-se na Catedral, devagar, entre o mundo dos homens. Na memória o esquecimento incapaz. Já assim tinha sido, in illo tempore, de mão dada com o meu pai. "Le centre du monde est partout et chez nous" [Eluard].

A nova Luz, o "grande perturbador" ou a sua metáfora. "Eu" torno-me "tu", e todos manos, por isso não podes entender. Compreende-se. Para vós, o futebol sempre foi "decoração", "ópio do povo", mito maior das "massas", alienação. Outros referem, que reproduz o mundo do trabalho, et pour cause ... Porém, "o futebol tem uma alma" [Peter Handke]. E, assim, talvez o "homem necessite do mito e do símbolo" [Gert Hortleder, in Humboldt, nº 29], que os tempos estão "perigosos" e as palavras metem medo. Os intelectuais, em todas as versões, sempre ficaram à sua margem, numa estranha lamentação, mortos por não terem "corpo", nesta "cultura foot", muito "light". Outros (Cardoso Pires, Mário Zambujal, Lobo Antunes, Assis Pacheco, Drummond de Andrade, Nelson Rodrigues, João Cabral de Melo Neto, Lins do Rego, Ubaldo Ribeiro, Vinicius de Moraes, Oswald de Andrade, Philippe Soupault, Camus, Eco, Valdano, ...) deram-lhe a devida importância, numa paixão que alguns, hoje, contestam face a uma (real, diga-se) era da futebolização da sociedade, de facto, preocupante. "Tudo que sei sobre a moral e as obrigações do homem, devo ao futebol" - dizia Camus - terá, hoje, algum sentido?

Aparte isso, a Catedral estava bela. Como sempre.