quarta-feira, 17 de janeiro de 2007


"As elites em Portugal ..."

«... quando se estuda a cultura portuguesa e a história de Portugal e depois se ouve os políticos actuais, vê-se que eles não estão senão a repetir um conjunto de circunstâncias que vêm sendo repetidas desde a decadência do império, em D. João III. É quando o império se transforma em empório comercial (...) Desde então, com excepção de 50 anos do ouro do Brasil, Portugal estará continuadamente com uma divida externa acumulada; de quando em vez, por 'virtudes milagrosas', diz Eduardo Lourenço, a mão de Deus faz com que normalizemos as contas do Estado para rapidamente voltarmos ao mesmo. Fazemos sempre a mesmo coisa desde esse tempo. Agora, por exemplo, o Governo orgulha-se de ter feito um contrato com o MIT. D. João III mandou 50 estudantes justamente para Paris e Bordéus e trouxe os mais altos intelectuais destas duas cidades para Portugal para fazerem a reforma da universidade. Dez, 15 anos depois, a maior parte ou estava presa pela Inquisição ou tinha regressado. Fernando Gil, o maior filósofo da segunda metade do século XX em Portugal, morreu em Paris; o professor Damásio está nos EUA, Eduardo Lourenço continua a viver em França, mesmo depois de reformado (...)

... nostalgia de uma normalização de Portugal, na qual as elites assumam definitivamente que Portugal não tem que ser uma Irlanda, uma Finlândia, uma América, uma Alemanha. Assumir que Portugal se encontra num meio termo entre países, esses sim de facto atrasados e países de facto adiantados. Nós não precisamos de estar no pelotão da frente, ao contrário do mito de Sócrates e Cavaco continuam a alimentar. A que propósito? (...) Quando o professor Cavaco se for embora, estaremos exactamente na mesma posição do tempo de D. João III: nem os mais avançados, nem os mais atrasados (...)

O grande problema de Portugal é a modernização nunca passar das elites para baixo. Corte gorda, povo magro (...) A elite hoje tem vergonha do povo e, à força, quer transformar o povo de burro em cavalo a correr para estar no pelotão da frente. Mas cortando nas maternidades, nas escolas»

[Miguel Real, entrevista a Adelino Gomes, Mil Folhas, 12/01/2007 - sublinhados nossos. Foto: os "Vencidos da Vida", ibidem]