quinta-feira, 19 de outubro de 2006


Solidários com os professores - parte II

Noutro registo, menos paciente ou virtuoso (se quiserem) e sem inocência, porque cansados estamos de alguns escribas do eduquês, que tão chorosos andam aos pés da senhora ministra da educação e da política socrática para o ensino, continuamos, porque "há pessoas que são como aviões no ar: / precisam de muita gente a apoiá-los de terra" [O'Neill]

Considerando a originalidade do pensamento dos respeitáveis amigos da ministra, que aplaudem freneticamente o charco de contradições presente na proposta de alteração do ECD, há que confessar que o registo conceptual que expandem não é o mesmo. O saco ministeriável colhe, desde os despeitados da escola que culpam qualquer professor (a "sintomatologia do abandónico" é bem real), os empastados da política (caso do vendedor televisivo Miguel Sousa Tavares), maviosos ex-responsáveis governativos (o malfadado Grilo está em todas), o cacho de uvas liberal (assombrados pela provisão da coisa pública), uns tantos aliterantes da prosápia anti funcionário-público, a nauseabunda cáfila partidária (atenção! genuflexão e gorjeio ao dr. Sócrates!) & outros vaidosos figurinos do funcionalismo público universitário. A divertida opinião de tantos seria ternurenta, se tivesse substância argumentativa. Ou, mesmo, se tivessem estudado, conceitos e práticas educativas, entre o folguedo das suas putativas afirmações. Mas nada disso, em geral, se verifica. Simples perfídia.

Dos oradores assinalados, de onde partem os mimos com que escorcham os docentes e as suas revindicações? Ponto de parte a bondade de alguma análise romântica de graciosos comentaristas, deixando de vez excitantes caricaturas vindas de néscios, resta a frescura arrancoada pelo grupo, perfumada de intriga caseira, dos amigos da senhora ministra. Um ajuntamento curioso, cujo lindismo teorético acampa aqui, alardeia ali ou segrega acolá. De comum, a carícia de serem todos socialistas e terem, ainda, os primeiros o enlevo de pertenceram à notável ourivesaria do regime, o ISCTE, onde pontifica a senhora ministra. Diga-se, desde já, que esse registo nunca foi escondido. Muito bem.

Dir-se-ia que a estes últimos mancebos se exigiria uma argumentação conceptual e trabalho teórico, sociologicamente falando, mais robusto e estruturado no campo e problemática da sociologia da educação, identificando o papel da Escola, a sua dimensão comunicacional (relação pedagógica, organização do espaço e relações de mando e poder), traçando as necessárias competências do acto educativo e sua interdependência em contexto escolar, a representatividade, legitimação e poder dos seus clientes, bem como os recursos exigidos para uma gestão e administração mais dinâmica e autónoma da Escola. E depois, evidentemente, sem jogos de linguagens (à maneira de Wittgenstein) partir para "tricotar" a relação funcional da Escola e o processo "produtivo", na lógica modernizadora da reorganização e reestruturação do sistema educativo. Depois disso, um possível e aceitável conceito de profissionalização para os docentes, poderia ser esculpido, bem como o seu estatuto.

Tais enquadramentos, absolutamente necessários para qualquer conversação séria sobre a análise em causa (reformulação do ECD), esbatem-se sempre por estes exaltados sociólogos, em aplicações recheadas de automatismos neotayloristas, privilegiando-se a máxima racionalidade economicista, decalcada de processos e técnicas de "management", e onde a Escola é tomada como uma qualquer "organização formal" sem "construído cultural". A performance assim proposta configura, sem brilho algum, uma ilusória decomposição do político no domínio do tecnocientífico, o que remete, em último lugar para o fim das ideologias. Mas isso é outra história.

Daí que a colorida argumentação resida, apenas, no fulminar dos incautos leitores com uma barragem de dados estatísticos (aqui, tais escolásticos, simulam um Medina Carreira vergastando números infindáveis, esquecendo qual é a questão em debate) que acabam por escancarar a faccis do indígena. Eles são vencimentos luxuosos que auferem os docentes, acompanhados por mapas, tão vigorosos como irreais, da putativa desbunda financeira do ensino educativo não-universitário, necessariamente a encolher. Pouco mais dizem, a não ser, por certo, acompanhar a hilariante teorização do eng. Sócrates, à rapaziada acofiada dos jornais e em resposta à pretensão dos professores de não aceitarem as cotas para efeitos de mérito avaliativo, quando declara: "Nem todos os jornalistas chegam a editores". Fulminante! Ao que parece a escola argumentativa do dr. Pinho está a tornar-se uma praga. E um desastre! Enfim ... é a vida!