sábado, 30 de setembro de 2006


Calçada do Combro

"Esta rua histórica que divide o Bairro Alto do Bairro da Bica, unindo o Chiado a São Bento, foi, desde o século XIX, um eixo central do coração da cidade que ligava dois bairros populares onde os livros, os jornais e a luta política e social faziam parte do quotidiano.

Mas, se a importância dos jornais, das tipografias e das organizações sindicais e sociais cresceu significativamente a partir do começo do século XX, desde o século XVIII, estes bairros de Lisboa tinham uma forte ligação ao comércio livreiro e à indústria tipográfica como demonstra a Igreja de Santa Catarina, cuja responsabilidade cabia à Confraria dos Livreiros.

Lojas Maçónicas, choças Carbonárias, jornais sindicais, republicanos e anarquistas, bem como inúmeras tipografias espalhavam-se por ruas e vielas destes dois bairros, vizinhos do Chiado, mais tradicional e burguês. As tascas e cafés da Bica e do Bairro Alto, tal como as da Rua da Misericórdia, onde funcionava o famoso Café dos Anarquistas, praticamente ao lado da editora Guimarães, uma das mais importantes da época, eram locais de encontro de intelectuais e operários envolvidos, primeiro, na luta contra a monarquia e, depois, nas lutas sociais da Primeira República. A Greve, diário operário criado em 1908, funcionou na Rua Luz Soriano e a Casa Sindical, inaugurada em 1912, no Palácio do Marquês de Pombal na Rua do Século até à sua invasão pela polícia da república. Próximo, na Rua da Barroca, teve também sua redacção A Sementeira, a principal revista libertária feita por trabalhadores no começo do século XX. Mas inúmeras outras publicações, folhas volantes e editoras, mais ou menos duradouras, e as tipografias onde eram impressas dividiam o espaço comercial dos prédios destes bairros populares.

Na Calçada do Combro nº 38-A, onde já havia tido sede, em finais do século XIX, o jornal Revolução de Setembro de Rodrigues Sampaio funcionou, a partir de 1919, no antigo Palácio dos Castro Marim, depois conhecido por Palácio do Correio Velho, a sede da Confederação Geral do Trabalho, a CGT anarco-sindicalista, e do seu jornal A Batalha a principal publicação operária e sindicalista da Primeira República. Por este palácio circulavam, juntamente com centenas de trabalhadores de diversos ofícios, intelectuais como Ferreira de Castro, Pinto Quartim, Manuel Ribeiro, Campos Lima, Emílio Costa, Jaime Brasil, Mário Domingues e tantos outros colaboradores de A Batalha e dos seus suplementos literários. Encerrada, assaltada, pilhada pelos diferentes governos republicanos e, finalmente, proibida a CGT e A Batalha tiveram de abandonar definitivamente a Calçada do Combro com a Ditadura do chamado Estado Novo.

A Calçada do Combro foi assim nas primeiras décadas do século XX a via estratégica por onde passavam as manifestações operárias que após concentração na Praça de Camões seguiam até ao Parlamento em São Bento para reclamar ou protestar.

Com a ditadura desapareceu quase por completo a actividade política e social legal ou tolerada e inúmeros jornais, tipografias, bem como grupos, sindicatos, lojas maçónicas tiveram de encerrar as suas actividades. Permanecendo ainda, principalmente no Bairro Alto, inúmeras tipografias e jornais comerciais, que foram se transferindo a partir dos anos 70 para outros locais da cidade, não deixando, no entanto, de aqui se concentrar um número relevante das pequenas tipografias, editoras e livrarias alfarrabistas de Lisboa"

[in Livraria Letra Livre]