terça-feira, 1 de novembro de 2005


O Terramoto de Lisboa de 1755

"Perto das 8 horas, um leve tremor. Às 9 e 3 quartos, quando as ruas e as igrejas estavam cheias de gente, sentiu-se no ar um fragor como um desfilar de um carro, seguido levíssimo tremor de terra que a pouco e pouco foi aumentando durante seis a sete minutos com força horrível e agitação espantosa de todos os edifícios sagrados e profanos. A terra tremia debaixo dos pés, depois subia e descia, ondeava, oscilava e as casas bailavam como navios no meio das ondas, perdendo o centro da gravidade, enfraquecendo-se nos alicerces, desconjuntando-se, desarticulando-se e caindo fragorosamente. Depois outro som, à guisa de trovão, com outro tremor de terra mais violento que antes, agitando com mais ímpeto os edifícios que tinham ficado de pé, e pelo espaço de três minutos. Seguiu-se outros: a 8 e 11 de Novembro, na noite de Natal, Quinta-Feira Santa e 'Ordinariamente depois de cada quarto de Lua'

O terramoto chegou menino a Lisboa e ficou gigante em poucos momentos; sacudiu com tal força e duração que parece não ter havido outro igual depois da morte de Cristo. Abatidos estátuas e arcos, pórticos e baluartes, torres e igrejas, casas e palácios; e a terra abriu-se, rasgou-se em vários lugares. O cais da Rocha foi engolido, o mar ficou mais profundo. Os prédios, caindo sobre outros, derrubaram também estes. Era a derruba da floresta onde umas arvores arrastam na queda as outras arvores. E tudo de surpresa numa cidade de casas altas, de ruas estreitas, desprovidas de praças, numa hora tardia, num dia solene, com as igrejas repletas. O povo ficou gelado e estúpido de espanto. Julgaram uns que o castigo fosse particular da sua pessoa ou da sua família, e quedaram-se de joelhos, mãos cruzadas no peito, cabeça inclinada como réus no patíbulo. Onde o terramoto os apanhou, aí se mantiveram, ou no alto das paredes ou traves, que, agitadas espantosamente, estalavam, ou debaixo dos pavimentos, ou ao lado das paredes a inclinar-se violentamente, esperando da divina justiça o golpe final (...)

E o mar, o manso e lindo mar de Lisboa? Embraveceu, esbravejou e rugiu pela foz do Tejo. Roncava mais e mais à medida que subia; subia para lamber primeiro, abocanhar depois e arrebatar em seguida arvores, mesas, traves, dando em troca à terra apavorada as barcas que as ondas lá deitaram (?)

Primeiro a terra com os abalos, depois com o mar com a fúria das ondas e ainda depois o céu com o fogo, que não deu prejuízo inferior ao terramoto (...) Oito dias durou o grande incêndio e durante semanas e meses não deixou de arder e fumegar, calcinando, incinerando Lisboa ..." [in O Cardeal Nacional, pp.212-215 (aliás, in nota 4. no capitulo XXIV, de Portugal A Corte e o País nos anos de 1765 a 1767, de Giuseppe Gorani, trad. e notas de Castelo-Branco Chaves, 1989]

Locais: 1755 Terramoto no Algarve / A Gazeta de Lisboa e o terramoto de 1755: a margem do não escrito (André Belo) / Colóquio Internacional. O Terramoto de 1755 / Inquisition (Edward Peters) / Lisbon in the Renaissance: A New Translation of the Urbis Olisiponis Description (Damiao de Gois) / O sismo de 1755 / O Terramoto de Lisboa, os judeus e a Inquisição (Rua da Judiaria) / Pequeno Blogue do Grande Terramoto (Rui Tavares) / Poèm sur le désastre de Lisbonne (Voltaire) / Terramoto de Lisboa