sexta-feira, 11 de março de 2005


Para não esquecer o Horror

"Creio no homem. Já vi
dorsos despedaçados a chicote,
almas cegas avançando aos saltos
(espanhas a cavalo
de fome e sofrimento). E acreditei.

Creio na paz. Já vi
altas estrelas, recintos chamejantes
e amanhecentes, incendiando rios
fundos, caudal humano
para outra luz: vi e acreditei.

Creio em ti, pátria. Digo
o que já vi: relâmpagos
de raiva, amor em frio e uma faca
chiando, fazendo-se em pedaços
de pão: embora hoje só haja sombra, vi
e acreditei"

[Blas de Otero, Fidelidad, in Pido la Paz y la palavra, 1955, trad. José Bento (1985)]

Um ano depois do horror do 11 de Março, em Madrid. Dessa tormenta que não nos abandona. Desse remanso incrédulo que as lágrimas não hão-de deter. Da dor e espanto desenganado. "Una sombra tristíssima, indefinible y vaga / como lo incerto, siempre ante mis ojos va / tras de outra vaga sombra que sin cesar la huye / corriendo sin cesar ..." [Rosalia de Castro]. Limpámos as feridas. E depois? Que é feito de nós? Da nossa culpa, do desespero, da nossa raiva? Que abismo é o nosso? Lançai os olhos ao mundo e vede que o clamor não se pode quedar discreto. Um ano depois desse cansaço que temos na memória, o maior tributo após um ano sobre o 11-M será nunca o esquecermos. Nos nossos afectos. Para nossa protecção e liberdade. Porque se faz tarde.