quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

"LAICIDADE" E "FÁBRICA DE VÉUS"





"O corpo desenha o espaço como a água desenha o vaso" [El-Hakim]

A posta de André Belo, pelos considerandos aí referidos, sobre o comprometimento do Estado na defesa da laicidade da Escola, sugere curtas anotações, a saber:

- é possível que a noção de "laicidade", lugar central no discurso mass-mediático francês, seja objecto cientificamente re-analisável, no seguimento do que Edgar Morin assume pelo aparente contraditório entre "laicidade", "doutrinarismo" e "democracia". É, porém, razoável que no termo "laicidade" se encontre lugar para uma pratica contra o totalitarismo, o dogmatismo ou o monopolitismo da verdade. Como conciliar, tudo isso, no território e cultura escolar, aberto e plural, eis a questão que André Belo questiona.

- o espaço escolar é atravessado, sabe-se, por processos sociais, políticos e simbólicos que se ramificam no campo discursivo do poder. Isto é, a Escola é encruzilhada de diferentes discursos verbais e não verbais, "mercado" alucinante de signos-mercadorias, afloração de saberes, ambiente de aprendizagem activa, lugar de escolha e clarificação de valores e comportamentos, espaço privilegiado da produção e reprodução social. Estamos disso crentes. Assim entendida, sabemos que a Escola se estrutura a partir de regras formais (além de outras), dando lugar a um "locus de reprodução e produção normativa", consubstanciada numa cultura de identidade assente em realidades não homogéneas (evidentemente), mesmo que a dissidência seja esse espaço de cumplicidade ou percurso de todos os afectos e seduções.

- o espírito da "laicidade" pretende, a partir de um conjunto de regras comuns mínimas, estabelecer um espaço "conversável" no tecido escolar, afinal garantia de liberdade, e portanto, um espaço "protegido" pelo Estado, para além do direito à diferença que na esfera privada se reconhece. Não se trata de dar lugar a um qualquer guetto, mas tão só assumir que a "laicidade" contribui para a nossa liberdade, até pelo sentido que, se se permitisse que as regras fossem estabelecidas pelo diversos clientes escolares porquê então a aprendizagem? Que lugar do pedagógico como "trabalho" de compreensão e aceitação da diversidade e do multiculturalismo?