segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

ALVES REDOL [1911-1969]




Nasce em Vila Franca de Xira, a 29 de Dezembro de 1911

"Os mortos esquecem. Na nossa lembrança o tempo amarelece os seus retratos, também a nossa lembrança morre. São as obras duráveis, ficam como marcos de um caminho percorrido, como sinais que fluem no correr dos dias: podem apagar-se lentamente ou ganhar amplitude, significado e alcance. Homenagear os mortos é ainda uma forma de existirmos, de sermos vivos, de testemunharmos a vida que afirmamos.
O retrato que temos de Alves Redol, tão presente, desenha-se nítido nos anos de um convívio de ideias, na partilha de entusiasmos, de desgostos, de alegrias, de desesperos e, sempre, de certas e comuns esperanças. Podemos ler uma por uma as rugas do seu rosto, seguir as que a amargura vincou e as que nasceram do seu riso aberto, apontar as que forma cavadas pela preocupação e as que marcam uma firme e dura determinação. Somos capazes de ver nos seus olhos a imensa e humana ternura que os enchia e descobrir no fundo deles, como nos olhos de certos retratos de Gorki, o amargo limo das penas dos homens. Somos capazes de imaginar o gesto da mão que segura o cigarro, suspenso e sempre aceso no cliché, a apagá-lo, só fumado a meio, nervosa, no cinzeiro - essa mão de que sabemos o peso exacto quando fraterna se colocava no nosso ombro para ser amparo ou estimulo. A timidez que vemos no sorriso da sua boca ou o rictus que a fecha deixam-nos adivinhar o que ele disse ou, até, o que está pensando: o que talvez não merecesse a pena ficar gravado, coisas pequenas do dia a dia, triviais, e outras, expressão de um juízo meditado longamente, de uma opinião bem fundada, de uma afirmação categórica - como é na vida. Este retrato está nos nossos olhos, só os nossos olhos mortais podem vê-lo.
Um outro vai ser construído pelo tempo, pelos seus leitores futuros, que o encontrarão as paginas dos livros que escreveu, na imaginação física dos seus heróis, no perfil dos personagens que se vão amar e odiar, modelado nas situações vivas dos romances, temperado nas tragedias, nas alegrias, nas lutas, nas grandezas e misérias que descrevem. Essa será a sua verdadeira imagem, o seu retrato futuro.
Aos que hão-de vir deixou dito: «Vão encontrar belas coisas para fazer nessa altura, se o merecer, lembrem-se de mim»
Que o lembre quem mereça.

[Que o Lembre Quem Mereça, in Número Especial da Revista Vértice de Homenagem a Alves Redol, nº 322-23, 1970]