quarta-feira, 28 de setembro de 2005


O Alegrismo

"Sobre o mais belo trono do Mundo nunca se sentou senão um rabo" [Montaigne]

O ruído das presidenciais é enorme. Singular pelo entusiasmo manifesto entre os indígenas, memorável de arrebatamento in blogosfera lusa & admirável de literatura política pelo oratório delicioso da imprensa, as presidenciais revelam-se uma ementa difícil de tragar.

A galeria pública dos putativos candidatos - por ora sufocados em ambiciosas estratégias de vaidade - que se consideram legítimos descendentes do actual "notário da lei" - Jorge Sampaio - para se sentarem no cadeiral da casa de Belém, é assombrosa. Tanto ou quanto extraordinário é o silêncio, cheio de graça, dos partidários conservadores, liberais & coisa e tais, momentaneamente órfãos do mistério presidencial. Manifestamente ainda não se está em época de bolo-rei, mas a privação do "pater-família" de Boliqueime começa a impacientar tais gentios, mesmo que a aritmética das sondagens seja um belo manto para o próximo Inverno. O embuçado presidencialista, agasalhado pelo luxo da ex-maioria governamental, ao que nos diz, muito consumido de humildade e divino em paternalismo, anda convictamente estupefacto. Suspeitamos que a corja dos modestos saudosistas de antanho, também. Talvez todos eles se recordem das sábias palavras de Mário Saa: "A história principal da vida dum homem é a sua aflição". Pode ser que sim. E, talvez por isso, o espectro tarda em felicitar a nação. Mas a nação, como se sabe, estima andar prenhe de felicidade, esplendor e glória. Não está para aflições, mesmo que o "génio" assegure entusiasmo.

Entretanto, o deputado-poeta (ou poeta-deputado) Manuel Alegre enfaixou-se na lide presidencial. O sentimento de júbilo dos órfãos & desvalidos da política, em sede presidencial, com o fim da meditação "alegrista" e ufanos pela chamada "republicana" aos indígenas, foi total. A fé no "imperativo cívico" foi comovente. Ei-los que partem afagados pelo entusiasmo de cidadania e com fé heróica de "somar votos à esquerda". Mesmo que lhes digam que "o poeta é um fingidor" a romagem está conseguida e reclama-se laureada vitória. Pouco lhes importa que o "alegrismo" se passeie recatadamente braço dado com a "fraude" da governação "socrática" ou se o sublime descanso (ou discurso) "poético" sobre a crise económica e social nunca tenha sido quebrado. A marcha não admite razão. O "alegrismo" é uma derradeira paródia lusa. Quando despertar do torpor da presumida "rebeldia" revelará o seu delicado caminho. E o drama final disso tudo surgirá. Porquanto "o homem paciente vale mais do que o valoroso".