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segunda-feira, 3 de novembro de 2003

"LICENÇA DE CAÇA ... COM PERDIGÃO"



"Procedia-se a um julgamento, em tribunal cível do porto, presidindo o distinto magistrado Dr. Albuquerque D. F. C., e intervinham como advogados os considerados causídicos Drs. A. Perdigão e A. César. Estes não se davam bem, chegando a beliscar-se publicamente, embora muito cordialmente sempre. É usança aborrecida, mas ainda mais vincada na classe médica, como facilmente se observa na grande maioria das comarcas. «Adlante com los faroles...»
Neste processo de agora, os comentários em volta da discussão azedaram demasiado, rapidamente se alvejando com voz e gestos exaltadíssimos! O inteligente e simpático Juiz Albuquerque Dias interveio, com justo receio da progressão do aumento dos tempestuosos arrufos:

- Os Colegas, permitam-me uma observação; entendo que por vezes excedem-se sem necessidade alguma, parecem capazes de se fulminar! Bem sei que depois da tempestade vem a bonança, mas há imprevistos …
- Perdão, atalhou rapidamente o Dr. César, fixando de soslaio o colega «Perdigão», ao mesmo tempo que puxava pela carteira …
- Comigo, senhor Dr. Juiz, escusa V. Exa. de preocupar-se, por que «tenho licença de caça ...»" [Montalvão Machado, in O Bom Humor nos Tribunais, 1967]

sexta-feira, 31 de outubro de 2003

FIGURAS PITORESCAS



"Quando eu, rua, per vós vou
Todolos traques que dou
São suspiros de saudade!
" [Gil Vicente]

O Especialista – Eis o talentoso profissional da análise politica. As suas sabatinas nos telejornais, de muito atrevimento, são avidamente soletradas pelos indígenas, que vêm nele um enxerga democracia de muita estimação. Oh clemência! Quando investe à desfilada sobre a coisa pública, esbanjando nonchalance, o terror invade as quatro assoalhadas de um qualquer professo ministro, secretario, guarda-nocturno ou, mesmo, um simples Tribunal. O seu pensamento íntimo está prenhe de descomposturas aos prevaricadores. Que o diga Madame Catalina. Como "em cada português esconde-se ou tresanda um inquisidor" [Pacheco, o Luiz], o especialista é sempre um facundo crítico de qualquer coisa, e o bom e nobre cidadão não se inibe de participar, porque muito matutou no que o especialista pensou.

O Psi - Analisa as misérias do Ego, observa cenas infantis patogénicas, descreve histerias de defesa e perversões outras. Viciado em pulsões de autoconservação, profundo conhecedor da inveja do pénis, o especialista frequenta por vezes o Tribunal, a TV e os jornais. Quando entrevistado o especialista boceja de tédio. Têm a monomania, o Psi, de se recomendarem uns aos outros em rituais ruidosos. Por vezes não trazem o canudo, o que não os impede de serem muito felizes. E darem muitas consultas.

O Xico Esperto – Ouve com atenção o Mister pregar antes, durante e após os jogos. Já bichanou que estava zangado com o mundo, a cidade e a relva. Está na moda, o que o faz dar reprimendas aos colegas, adversários de preferência. É tratado com toda a ternura filial pelo Mister-Pregador, que capricha em sua defesa, mesmo fora da sacristia dos balneários. O Xico Esperto alarda certezas. Eis a última atribulação do Xico Esperto, contada pelo próprio: «O processo disciplinar é injusto, pois não se tratou de uma agressão. Com a expulsão, limitei-me a dar-lhe a chuteira porque já não iria precisar dela, mas a minha intenção nunca foi a de agredir». Disse!

O Pregador – Com pose de passar à posteridade, o Pregador recita as melhores produções do seu reportório, em constantes conferências de imprensa e entrevistas a desoras, que aprendeu na estranja enquanto emigrante. Quando fustigado, confessa que gosta. É masoquista assumido. Por vezes diverte o público com palhaçadas, sempre com ar expressivo, queixando-se deste "mundo vil e suado" que não o sabe merecer, o que não o impede de bramir o bastão cultural futebolês. Aqui, choram as desvalidas peixeiras da Ribeira, enquanto conhecidos desordeiros tecem as mais belas florações ao talento do Mister. Este abalizado teórico é um Mouro de trabalho, entre o riso e o tédio do País. Bem-haja!

Blog d’arromba – O arreabátapageviews está de volta. Zelador da sanidade intelectual da praça, pretende correr a pau e tecla os mendigos da blogosfera. Traz consigo um homem-a-dias, para entrevistas de circunstância, que lhe distribui os prospectos, enquanto se apresta a vender, agora, os últimos figurinos de literatura liberal ao povo cão. Servente de uma "escrita [que] é um exercício onde" comunica "algo de muito profundo", o regressado apóstolo tacteia, ainda, o campus da lide literária em prosa de pé quebrada, encontrando-se, por ora, a medir a dureza da posição de escriba virtual. Sentimentalão nas suas croniquetas escrituradas, atrevido nos seus cariciosos borrões, vai ser um florilégio encantador para debutantes de literatura para ociosos. Assim se espera. Para que haja sempre um intelectual insuspeito por detrás de cada blog. É dar-lhe para a frente, Dom Coutinho!

sexta-feira, 24 de outubro de 2003

BLOGALIZAÇÃO


 
"Eu nunca aderi às comunidades práticas de pregar com pregos
as partes mais vulneráveis da matéria
" [M. Cesariny]

Blogalização! - diz a Maria, com voz doce.
- Oh não, agora que um Outono desvairado de chuvas e ventos se insinua, surpreendi tiques de vernissage.
- Questão de marketing patriótico, disse ele, sussurrando.
- Dizias tu, que ali na Avenida Manning, à direita de quem sobe a Dundas vindo de Bellwoods Park, está uma alma sensível, um mestre poeta que consegue tanger as mais delicadas sensações com esse «barro» que são as letras. Afinal, "a ternura é húmida" [Raul Brandão]
- Olha, hoje ao esfregar o corpo banhado, saiu-me o Verão da epiderme e arrastei-me para o trabalho com a ligeira ressaca da praxe e imenso sono - continuava ele. "Lisbon is a bum's nightmare: you can only survive it by getting drunk" [M.V.Costa].
- Dizem que não haverá nunca um espaço que nos seja comum e isto porque parece que há cada vez menos amor pelas palavras. É que o "destino é como a guitarra, quem tem unhas toca, quem não tem é tocado" [MVC]
- Eu não. Estou feliz porque desconfio que terei um grande natal. Eu é que sou o Pipi. Have you ever been cheated?
- Praqueja, olha que o "timbre de honra é morar limpo no espanto eu pessoalmente morto" [Nemésio]. "I try to be as progressive as I can possibly be, as long as I don't have to try too hard".
- Porém, todos os sinais estão por aí, dispersos. "Toda a vulva é fechada como a expansão da noite" [MVC]
Era Outono, o cheiro a mar, o cheiro a rio, a cidade à beira mar, paisagem meritória, digna de figurar em qualquer colecção de postais ilustrados, passa em revista parte do seu repertório num piano tocado com ambivalente delicadeza.
- Também o Alberto o mete nos píncaros, gritou o homem, anda a desbravar Nelson Rodrigues. Que inveja!
- Eu já suspeitava que dali só podia vir a mais sólida clarividência. O homem não só tem conhecimento do que fala como não paro de me espantar com a forma como, dia a dia, hora a hora, minuto a minuto, jorram os discursos que mais munições dão aos populistas.
- Ora adeus, "a revolução é o permanente retrocesso do sim ao seu princípio, deslumbrado" [MVC]. E, com tanta confusão mediática, alguns de nós poderiam ser levados a dar toda a atenção ao acessório e cagar-se para o essencial.
- Trogloditas ou cavernícolas, eis o que são. E, vendo bem, é muito mais proveitoso ouvir o Santana Lopes: "Ó Rodrigo, esta semana estou perplexo. E estou perplexo com quê? Estou perplexo com esta flatulência que me atacou depois do almoço.". Eis, dois "pesos-pesados" da área da mercearia fina.
- Mas a maior parte das vezes mistura 5 mentiras, duas suposições e três ilações erradas, leva tudo ao shaker e apresenta-nos uma verdade irrefutável Bestialidades, Ginástica dos maxilares, «amiguinhos» do costume. Não ponho lá os pés.
- Mas isso não é um resultado ... tão brilhante como o Benfica com o La Lumiére da semana passada, mas foi o que se conseguiu arranjar. A música até pode ser boa, mas o homem, definitivamente, não é nada cool.
- É a blogalização, repete a Maria, com "o ouvido tenso de rumor numa flor de pedra" [A. Ramos Rosa]

terça-feira, 14 de outubro de 2003

MAS EM QUE PAÍS VIVEMOS!?



No estado actual das "coisas" parece que vivemos num país de loucos. Quando descemos "ao rés-do-chão da actualidade quotidiana" surge-nos um verdadeiro inferno - repleto de maledicências, vil desejos, esgares manhosos - posto a arder por personagens mesquinhas, dissimuladas, insondáveis.

Vivemos na mais amarga das confusões. A "tinta da civilização" estalou de vez. O entretimento destes dias é absolutamente obsceno. Em vão procuramos levantarmos, mas o charco é fundo demais. Não o sabíamos. E desesperamos.

A fala: Portas que soletra a Barroso, que diz a Ferro, que cochicha a Costa, que pede reserva a Pedroso, que insinua do Procurador, que conta ao jornalista, que arremessa Ana Gomes, que intriga Guilherme Silva, que fala do Ministério Público, que tem à perna o CSM, que processa disciplinarmente Conceição, que é ouvida em horário nobre, que faz correr Marques Mendes, que disserta Santana, que vem Namora, que se segue Dulce, que manchete TVI, que confirma o pedo-psiquiatra, que se senta na TV, que considera a Ordem, que discursa o Presidente da República, que comenta o comentarista, que fala o povo ...

Ora bem, "do que não se pode falar - escrevia Wittgenstein - é melhor calar-se". Acreditemos que sim!

quarta-feira, 1 de outubro de 2003

TVI, JOSÉ MANUEL FERNANDES & OUTROS EDUCADORES




"A vida não é de abrolhos. É de abr'olhos. A vida não é de escolhos. É de escolhas" [O'Neill]

TVI - Uma miserável atitude

O facto, o comentário e a informação estão em alegre promiscuidade no jornal da noite da TVI. Nada os distingue pela boca dessa inenarrável Manuela Moura Guedes. Na TVI a devassa da vida privada, a difamação e a calúnia são lugar de marca da estação. A pornografia televisiva está de volta. Hoje, a pretexto da concorrência, essa assombrosa estação de televisão atirou a ignomínia em todos os bombeiros do país, de modo miserável e pífio, a propósito da questão das empresas de material de combate a fogos e da sua pertença por comandantes de bombeiros. A pseudo noticia, que há muitos anos se sabia e que nunca foi considerado importante para debate público, foi estrategicamente atirada para o lume brando do voyeurismo dos espectadores da TVI. O share assim o obriga. Foi um linchamento público em directo, perante o gozo da jornalista e a aceitação tácita do Miguel Sousa Tavares (MST). Antes, a mesma Manuela, tinha considerado e apoiado as escutas telefónicas a todos os portugueses em geral e ao senhor Procurador e ao Presidente da Republica, em particular. Mesmo após as tentativas de apaziguamento da ira jornalística pelo incauto MST, que argumentava para a perigosidade da generalização das escutas, a pivot da TVI replica ao pálido MST a possibilidade de tais personagens poderem estar implicados no caso da pedofilia, pelo que se justificava as escutas. Inacreditável. A peixeirada, digna de um qualquer big-brother, foi execrável. E a questão que se coloca, cada vez mais, é: o que faz correr Manuela Moura Guedes, José Eduardo Moniz e Miguel Paes do Amaral?

José Manuel Fernandes - O grande educador

"... E naquela pequena casa, o socialismo começa às 7,30 h de cada manhã" [J.M.F., in "Luísa, operária de profissão", Voz do Povo, nº 246, 25/04/ 1979]

O artigalho d'hoje - A ameaça nuclear iraniana - do Publico pelo grande educador das massas, José Manuel Fernandes, é uma sumária justificação e uma quixotesca apologia do ataque armado ao Irão. O que fica exarado pela varredura "democrática" desse extraordinário jongleur Fernandes é que perante o programa nuclear iraniano "tem de [se] estar à altura da ameaça"; e que o povo, na sua infinita bondade, tem de "perceber que, ao lidar com regimes autoritários, não pode confiar apenas nas promessas dos seus dirigentes". Nós, humildes cidadãos, agradecemos a preocupação. Porém, seria conveniente dizer, por desfastio, que o sermão gratulatório do grande educador às massas, está atrasado pelo menos na sua pessoa vinte e três anos. Bem sei que "só um burro não volta atrás", eu que o diga que bem percebo disso, pois sou um simples almocreve. Mas saber que o educador Fernandes andava em tempos idos de 1979 a defender a "democracia" albanesa em várias papeletas, torna custoso soletrar a magnitude dos seus artigos. Afinal, para que esses regimes autoritários pudessem existir (supondo-se que não nasceram por geração espontânea) muito contribuiu a prestação do outrora jornalista da Voz do Povo e actual grande educador das massas liberais. E já agora: quando prevê ou autoriza o apontar das armas à China? Convém que se saiba, para nos pormos a salvo. Agradecido

domingo, 28 de setembro de 2003

REGRESSO DA MEMÓRIA


"Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados" [F.P.]

E que dizer desta tarde-ligada-à-noite feita de lembranças, memória antiga que o tempo separou? Os Stones eram apenas o pretexto para dar fôlego à vida. Nunca nos abriram a porta do tempo, nunca nos excitaram para além do quente das flores, do devorar do espanto entre as fissuras do desejo. Tu gostavas, eu sei. E eu, "não sou daqueles que ruminam rancores" (Safo). Como o tempo arde. Aparte isso a música dos Stones era execrável. Je regret que je n'avais pas dit au revoir. A Filipa no fim das aulas do Camões, o coração a bater forte quando entravamos na Roma, depois esse ficar embaraçosamente na espera, ali a Av. Madrid tão perto, sempre esse caminho onde "tu mueres desesperada, y a mi me mata la espera". Lembrei-me de ti quando há dias se falava da nossa Av. de Roma, e um sorriso escapou-me da boca. Tu bem sabes que a "única solidão é aquela que não tem passado" (tia Bessa Luís, como gostas de dizer). Suavemente instalei-me, de novo, na sala de estar do nosso desassossego. Hoje, o tempo arde. Ouvem-se gritos lá fora. Gostei de te ver. Os Stones eram apenas um pretexto, tu sabes. Um dia voltaremos a sentarmos naquele banco do jardim do cinema Roma, e poderei dizer-te que "je suis comme je suis / je suis faite comme ça / quand j'ai envie de rire / oui je ris aux éclats" (Prevert).

Um beijo.

sábado, 27 de setembro de 2003

COIMBRA


"Eternity was in your lips and eyes" [Shakespeare]

"Aquilo que queremos dizer, é o excesso daquilo que vivemos sobre aquilo que já foi dito" [Merleau- Ponty]

Vamos lá ... então! Estás linda .... Coimbra!

sexta-feira, 26 de setembro de 2003

O MINISTRO E O LOBO MAU


O Ministro e o Lobo Mau - Éstorias para Crianças, por José Sá & Margo

Era uma vez um ministro que vivia numa casa escura e bafienta com outros meninos, no meio de papéis de jornais e tintas para brincar, do outro lado da floresta. Nessa floresta existia um lobo vermelho que era muito mau, tão mau que nem se pode imaginar. Quando lhe pediam para falar do lobo mau, o ministro dizia sempre, em voz alta, estas palavras: - «Ora ainda bem que perguntam. Oiçam! Deixem-me fazer uma pergunta: Vocês sabem como será o mundo daqui a dez anos? Repito: sabem?». Na verdade os seus amiguinhos não só não sabiam, como desconheciam o mundo para além das árvores da floresta. E tinham medo, muito medo do lobo mau.

Ora este bom ministro queria educar muito bem-educados os meninos liberais que o liam todas as sextas-feiras e por isso desejava mudar-se para um castelo limpo e arejado, fora da floresta perigosa, e esquecer de vez os perigos que a rondavam. Algum tempo depois foi ter com os companheiros de brincadeira. Ao passar por uma clareira encontrou o compadre Monteiro, mas nada lhe disse, entretido que ele estava a construir uma nova casa. Quando o dia nasceu, só tinha reunido o Bagão, o Pires, o Guedes, o Telmo, o Mota, o Salvado e a Celeste, e disse-lhes, olhos nos olhos, com ar estudado e sério: «Deixem-me dizer-lhes uma coisa. Está escrito. Não vou entrar em nomes. A quem acredita em mim eu digo apenas: sigam-me, venham todos ministrar».

E assim foi. O nosso bom ministro partiu, através da floresta, no seu belo carro verde very british mais os seus amiguinhos, com apreensão mas determinado, cantarolando a Portuguesa, enquanto nos céus passava em visita de estudo, apinhado de gente, um helicóptero de Lamego.
- «Ora, a grandeza da floresta "tem o dom da simplicidade. Diz um provérbio, creio que judaico, que as pontes se constroem entre rios, não se constroem entre oceanos." Pois eu diria, está escrito, que a floresta "consegue construir pontes entre distâncias que parecem insuperáveis" e o lobo mau que se lixe» - disse o ministro, confiante, de si para si. E lembrou-se do que lhe tinha dito um amigo francês, de nome Le Pen: «Caro menino, eu sei que és obediente. Vou dizer-te o que deves fazer para não seres apanhado pelo blog do Pacheco, pelo expresso do Duarte Lima ou mesmo pela chaimite do Alvarenga. Deves ir sempre pela direita da direita, chamares pela santa Cinha e nunca largares a mão dela».

Àquela hora do dia nada encontrou, excepto o Rei D. Dinis, o Delgado, o Independente, a Helena Matos a tricotar e o Tio Patinhas, que lhe disse: - «Bom dia, soldado! Como tens um grande saco e um belo carro, és um verdadeiro soldado! Vais ter tanto dinheiro quanto quiseres!», ao que o ministro respondeu: - «Não confirmo nem desminto».

Eis que passa um ruidoso grupo de imigrantes, e um deles, escondido sob uma máscara mas que se viu logo ser o Louçã, perguntou-lhe: «Qual o caminho para Portugal?». O ministro que era muito senhor do seu nariz, respondeu todo lampeiro: «Os portugueses primeiro, nós cá é mais submarinos, viaturas blindadas e aeronaves!». E não deixou de continuar o seu caminho: um ministro jovem é sempre valente.

Depois passou a "peluda" Ferreira Leite, numa carrinha do Ministério das Finanças, e olhando de soslaio o ministro, disse-lhe: - «Ah! Ah! O que é que escondes dentro do saco?». O nosso ministro, depois de muito matutar e perante o terror de Lobo Xavier, que tinha acabado de chegar de uma reunião na Torre das Antas, disse: - «São rosas e pão, senhora».
- «Fixe essa do pão, que queijo e facalhão temos cá nós» – retorquiu a fada das finanças, abrindo triunfante o saco do ministro da floresta. Mas ficou abismada ao deparar com pão e rações de combate que o ministro transportava para o castelo da Av. da Ilha da Madeira. E lá partiu, floresta fora, vociferando justiça, seguida de perto pelo aterrorizado Xavier.
Nesse momento sobreveio o Alberto Gonçalves em traje micaelense, com cavaquinho, ferrinhos e pífaro, CM debaixo do sovaco, Serzedelo à perna. - «Ai de mim! - exclama o homem a dias - antes o Sepúlveda!». Ao longe, Mexia, escondido por detrás de um livro (A cabra vadia: novas confissões) de Nelson Rodrigues, mirava uma menina da floresta, a mais linda que se possa imaginar, um pedaço de mau caminho, completamente alheado desse histórico e comovente momento.
Entretanto surge inflamado o juiz da floresta e, perante tamanha concentração de intelectuais, em altíssima voz, clama: «Não há conversa ... antes que rebente com essa merda toda». Aterrorizados, o ministro e seus amiguinhos, jornalistas e bloguistas, simples trabalhadores florestais, mulheres venturosas, almocreves em exercício e o próprio lobo mau, desatam a correr, a correr ... e até hoje ainda não conseguiram parar de parar de correr.

Assim acaba a história do ministro e do lobo mau, que afinal não era tão mau quanto isso.

domingo, 21 de setembro de 2003

DOS JORNAIS & BLOGOSFERA LUSA


- Atarefados andam os jornalistas indígenas com o "fenómeno blogáctico". É vê-los atarefados à volta do PC, sofrendo essa estranha doença da confusão, de tudo o que lhes é demasiado humano. Quase em apoplexia, ar lambido de voyeur, correm a blogosfera como em dias de folguedo. Para quem há semanas não soletrava a palavra blog, é obra. E afinal, ainda "ninguém viu o motor que produz a luz". As rápidas melhoras.

- O dever e o devir dos weblogs em Braga foi, ao que dizem, uma intensa actividade multidisciplinar e há muito ansiosamente esperada nos meios intelectuais da blogosfera lusa. Ao que consta o prof. José Luis Orihuela Colliva pretende anotar, registar, recensear, ordenar, catalogar, quotar, carimbar, apreciar, regulamentar, classificar, controlar, evangelizar a narcísica blogosfera. Eis uma psicopatologia da blogosfera inquietante. A outros competirá construir uma "teoria de resistência" , em auto-serviço, experiência limite da corporalidade e dos seus encantamentos. Até lá sigamos a tecnologia do Ego.

- Enganam-se aqueles que pensam que os génios não cometem erros, assaz comezinhos. Na verdade, as instruções aos neófitos e correlativos da blogosfera lusa levadas a cabo pelo JPP sobre um inominável blog, tem, com ironia, um efeito perverso. Nós próprios caímos em pecado venial, lendo as prodigiosas, insólitas e portentosas linhas desse inominável blog, graças a JPP. Pela desdita nos penitenciámos. Assim o mestre Abrupto, face às suas extraordinárias análises, também o fizesse. Mas cremos que estará mais interessado em catequizar os seus leitores que reflectir sobre tão inconcebível estratégia. Que o céu não lhe caia em cima, é o que se deseja.

- Vasco Graça Moura, estudioso da "Internacional Pirómana" prepara-se para dar à estampa três obras notáveis: Os Últimos Dias de Portugal, Imitado de Bulwer, Edições Choque e Pavor; Escudo Laranja ou dissertação histórica, escolástica e teológica em defesa dos injustos golpes da opinião pública, Typografia Laranjal; Alfabeto por ordem de materiais, e cronologia, dos assentos, ordens, cartas, alvarás, provisões, decretos e resoluções sociais-democratas atinentes às posturas de um verdadeiro militante, constantes de livros antigos e modernos, e transladado das ditas, Typografia O Emigrante.

- Arranja-me um emprego, pode ser em Paris, concerteza, ademais não temos de estar alapados nos cadeirais do vetusto Palácio, entre a gentinha, o povo e aquele senhor que não sei o nome que me convidou para deputar, que eu sou uma artista da TV e jornalista encartada, e até sei segurar as alfaias no Alain Ducasse, vestir Christian Lacroix e ler o Fígaro, que por cá é tudo gentinha, que eu sou uma artista, e mereço mais. E mais.

- Foi acometido de forte ataque o conhecido gastrónomo MacGuffin. Com uma espinha de Daniel-Sampaismo na garganta, cedeu de imediato o flanco nas lides liberais. Na altura do acontecimento preparava-se para atacar uma miga de sardinhas à moda de Berlin. Era o requinte esperado, que Berlin nunca amargou. Só os doces.

segunda-feira, 8 de setembro de 2003

À VOLTA DOS BLOGS


- AVISO: Ivan, regressado de Copacabana com luminosidade, faz saber que retomou à vida. Assegura que tem intenção de recrear o espírito com assuntos comezinhos como as invectivas da política caseira, o debate sobre o eixo do mal, a existência de um governo e (pasme-se) tricotará uma dissertação sobre a sua extraordinária vida XXI. Cansado de olhar para o seu umbigo, esmagado pelo peso da cultura de Nelson Rodrigues, avisa que vai tentar ser solidário, estimulando o umbigo alheio. Dá consultas.

- Por seu turno, o Abrupto paira entre os acepipes ornamentais de uma saborosa Ribeirada e o novíssimo debate sobre o trotskysmo. Este último, com o dorso alapado na IV Internacional (ainda existe?) tarda em sair da sua horta celestial. Espera-se uma corrida de "pablistas", "lambertistas", "mandelistas" e afins em prosa vernacular. Ó tempora, ó mores.

- Secret: assegura-se que o Blog de Esquerda será doravante escrito a uma só mão. Afinal "o silêncio só é louvável numa língua de vaca fumada e numa rapariga já sem esperanças de casar". Daniel, siempre!

- Admoestação: consta que foi severamente advertido, por mau uso de bushismo e porte blairiano, o conhecido MacGuffin. Assim aconteceu no redil do Fialho d’Évora, entre uma garrafa de Tapada de Coelheiros e uma perdiz, quando se invocou Berlin. Chegado o mestre, numa mão o Karl Marx, His Life and Environment (edição de 1939), na outra um raro vinil de Stravinsky, logo abriu o debate advertindo que "things and actions are what they are, and their consequences will be what they will be: why then should we seek to be deceived?", o que provocou arrepios entre os comensais. Depois de porfiada oratória em torno do pecado da carne, onde castigámos uma sopa de pés de porco à moda de Pavia, foi-nos dito: "A raposa sabe muitas coisas, e o ouriço apenas uma importante". Estremecemos. Como as noites são belas e a paixão imensa.

- Protestação: causou impacto no Sindicato dos Homens a Dias, a confissão de total desconhecimento por ag de um escritor como Luís Sepúlveda. A heresia, comentada na Mercearia Liberal, foi colmatada pela confissão que José Afonso teria sido um "bobo ideológico". A insolência serviçal verificada, apesar de mostrar que os funcionários aprendem vocabulário contemporâneo, revela porém que o obsequioso ag não tem em devida conta que Zeca Afonso (para os amigos), como antigo estudante de Coimbra, obrava sem sujar a capa. Tal capacidade operatória não é crível ser entendida por criados de servir zelosos. Recomenda-se-lhe a obra: "Tratado de botar águas fora sem molhar quem passa", obra útil a funcionários desatentos. Vende-se por pouco mais de nada.

sábado, 6 de setembro de 2003

SUAVES

- O Jornal da TVI da noite do dia 5 de Setembro foi uma náusea, um vómito completo. Não bastava todas as noites (e em todos os canais) estar presente protagonistas do processo Casa Pia, como agora a senhora Manuela Moura Guedes faz acusações gravíssimas a indivíduos que estão sob suspeita de crime hediondo. Apenas me espanta que a dita senhora não seja processada por quem de direito ou recambiada para a cela da PJ para averiguações, dado o seu conhecimento profundo e seguro de quem é quem em todo este processo. Mas suspeito que essa preciosidade do sigilo das fontes impeça tal acto pedagógico. E, doravante, sem que se questione a função do jornalista e da informação face ao media, é possível aparecer mais Manuelas acusando quem quer que seja. Eis a TV transformada, definitivamente, no Canal do Crime ou do Insólito.

- [Via Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo]

Diálogo entre Casanova e Goudar

- E gostamos de nós mesmos?
- Certamente.
- E se não gostarmos?
- Se não gostarmos de nós mesmos, monsieur, então estaremos perdidos, pois um homem que não gosta de si mesmo está repleto de dúvidas. Nós sobrevivemos e existimos porque somos verossímeis. Quando a equilibrista duvida ela cai. Quando o espadachim duvida ele morre. Devemos temer mais a duvida do que um estilete.

- [Via Alexandre Soares Filho]

"Toda explicitação do implícito é uma grosseria. A dança é uma explicitação da música. Toda dança é uma grosseria. A dança está para a música como o arroto para a comida."

"Há um culto a Woody Allen, em que ligamos o abajur num fim de tarde chuvosa, ouvimos What is This Thing Called Love, rezamos a Santo Loquasto, e imaginamos que beijamos Mariel Hemingway aos 17 anos"

terça-feira, 2 de setembro de 2003

INCOMODIDADE



"Inferno ...
Inferno é isto tudo!
- com um acto de variedades
e intervalos
para fumar nos corredores"

[Inferno - Joaquim Namorado, in "Incomodidade", Coimbra, 1945]

- o processo Casa Pia é incómodo, altamente perturbador, mas revela ao mesmo tempo uma característica do português, o de ter uma "imaginação excessiva" (F.P.). Entusiasmados pela miséria alheia, nada umbiguistas, os portugueses logo tomam activamente parte, a favor ou contra, qualquer que seja a questão, o fenómeno, o jogo da vida. Desde que seja de outros, entenda-se. Gastam-se em incontáveis debates ou fóruns (na TSF ou n'O Expresso é vê-los debitar em alegre delirium imaginativo), sempre opinando, num princípio de razão politica que o ridículo legitima. Afastados do espectáculo da governação, os portugueses vivem nessa estranha incapacidade de reflectir, sendo que "nunca somos por demais cuidadosos na escolha dos nossos inimigos" (Oscar Wilde). Qualquer assunto é palco de formação de grupos antagónicos, que se degladiam com gosto, perante o caucionamento de outros grupos bem mais pressionantes, dos jornalistas às ordens e sindicatos profissionais. Somos todos comentadores. O nosso eterno sonho é sermos conhecidos como um Marcelo, em cada bairro, rua, café. Somos eternamente provincianos. Aquilo que é o normal registo processual torna-se, no imediato, num jogo perverso entre o íntegro juiz e os pérfidos advogados, ou no invés para outros, numa ardilosa manobra justiceira da acusação contra o respeitoso e sacrossanto direito da defesa. Sempre de um lado ou de outro, sempre de um lado contra o outro. Eis o novo diktat democrático.

- a reentre política é incomoda para os artistas do politikus. A monotonia das vacances, tão lastimosamente interrompida, coloca a questão da performance ao conjunto de funcionários, literatos, analistas, bloguistas, num extraordinário projecto global em curso, a nova terapia liberal posta em formato de guia para o povo. "Os espectadores não encontram o que desejam; eles desejam o que encontram" (Debord). Afinal, "nada de nosso temos senão o tempo, de que gozam justamente aqueles que não têm paradeiro".

Para um Manual da Reentre, sem fadiga:

Tomai o primeiro Luís Delgado da manhã e na falta dele o Ribeiro Ferreira; tomai dois dos vossos espinhosos inimigos e espetai-os dizendo: Nil est dictu facilius; dai, sem seguida, duas voltas em redor, tendo água benta na mão esquerda e um livro de poemas de Graça Moura na direita; feito isto, pôr-se a Norte do Mondego, diga três Ferreira Leite e três Guilherme Silva, faça de novo o sinal ao Marcelo, e diga: Philosophum non facit barba; ao pronunciar estas palavras verá aparecer três vezes o Roseta: colocai-o sobre pedra benzida lado a lado com o Justino; notai bem que é necessário trazer os amigos e um saco de trevos; quando tiver a cair a noite, chamai o César das Neves, o Bagão e o Theias: colocai-vos em círculo com uma vara de cipreste; virai em seguida a face para o Portas, ajoelhai-vos e dizei a oração segundo Sarmento: Barroso noster, qui es in Lajes, sanctificetur Bush nomen, fiat voluntas tua sicut in Belém et in S. Bento. Etc. Por fim, queimar um bom punhado de arrudão, e dizer, batendo três vezes com o pé no chão, chamando pelo nome do Mendes, Arnaut e Lopes: Vitiis nemo sine nascitur; depois faz a tua viagem

sábado, 30 de agosto de 2003

À VOLTA DOS BLOGS, JORNAIS & OUTROS MAIS


- O texto (28/08) de Maria José Oliveira n'0 Público (Gazeta dos Blogues) é um exercício jornalístico curioso. A autora considera que há um debate político (e a modos que moderado ... tudo gente encantadora, é bom de ver) entre aqueles que apoda de "blogs politizados", todos bem intencionados a educar o mundo e que no seu mister esgrimem ideias para a crise, chaves e outras quinquilharias para acabar de vez com a crise da crise. Uma verdadeira e árdua "secção de pronto a pensar", digamos. Apesar de se saber que "tudo o que existe, não pode ser verdade", partimos, mesmo assim, em busca desse esperançoso corpus politikus que esses noviciados arautos proclamariam. Nada encontrámos que nos fizesse espanto, êxtase, gosto de olhar (em sentido freudiano), encantamentos redentores ou, mesmo lobrigámos, essa "crueldade lingual" que falava Pacheco. Apenas descobrimos uma "menopausa do espírito". O mito do debate/polémica nem "aparece nem desaparece: nunca acontece". Decididamente os Portas & Barrosos, os Guterres & Ferros, os Zé Fernandes ou os Graça Moura, não são de muita excitação, nem o novo melhoral contra o tédio da política caseira. Assim sendo - regressando ao texto - a prosa adocicada da jornalista leva, portanto, à consideração que o prazer displicente de outros "menos politizados", habitando na blogosfera lusitana, jaz estigmatizado à mesa do computador, pois muito mal armado está pelos Thomas Mann, Joyce, Dostoiewsky, Pessoa, Cesariny, Herberto, Gabriela Llansol, Derrida, Bourdieu, Espinoza, Giddens, Deleuze, O'Neill, Pacheco, que sei eu. Como as "massas" gostam de aparatchiks "politizados", temos de ter paciência, porque "nunca tivemos atados os tomates a nenhuma manjedoura" (Jorge de Sena). Vale!

- [sacado do Aviz]

"(...) Desconfio daqueles que vêm educar as massas e arrebanhar multidões (acho o proselitismo muito discutível). Desconfio ainda mais daqueles que se vêem investidos da missão de «acordar consciências» para pôr toda a gente a discutir e a «debater». Aqui deixamos o que queremos e só somos julgados por isso. Acho bem que existam blogs que citem, citem, citem, que exponham as suas paixões e que escondam os seus amores. Tudo se nota, quando é escrito. Escrever profundamente é mostrar os lugares da paixão (a paixão, a divergência, o ressentimento, o amor, a delicadeza, a tranquilidade), mas só quando se quer. Muitas vezes é só insónia. Só perguntas: e a noite, o que é? — por exemplo." (FJV)

- " (...) o factor mais importante para explicar muito do que se passa hoje no Iraque não é a "ocupação" americana do país, mas sim a verdadeira revolução social e política que esta provocou – o fim do poder hegemónico da minoria sunita face à maioria chiita". [in Abrupto, com o JPP em versão marxiana sobre "o poder". As saudades que eu já tinha!]

- "(...) Assim como grandes repórteres investigativos podem ser cronistas sofríveis, o facto de que tenho o poder de inaugurar minha página na Internet não deve me levar a concluir que tenha alguma coisa a dizer. Já vi ótimos comentaristas culturais que, deixados a sós com seu brinquedo, o blog, transformam-se em Narcisos pueris (...)". [via A Carta Roubada]

- um "blog optimista sobre o Benfica", eis o Nietzsche & Schopenhauer. Daqui, do castelo altaneiro nas margens do Mondego, mando um forte e caloroso abraço [via Aviz]

- para especialistas curiosos: "Schwarzenegger's Sex Talk", in The Smoking Gun

quinta-feira, 28 de agosto de 2003

[HÁ NOITES ASSIM]


Neste dia de tédio, a noite poderia ser enternecedora. Lembrava-me de Plotino, sempre razoável, que dizia:"todos os seres estão juntos se bem que cada qual permaneça separado". Podia ser verdade. Aos 27 minutos, César caiu na maldição e eu, supinamente embriagado, lancei-me a ler catálogos, repleto de saudades de antanho. No Bessa continuava a festa e a paixão por coisas simples que a libido vence, porque o gosto de olhar não cansa. Por cá o Jack Daniels, da minha satisfação, estava uma miséria. Cá em casa nunca ninguém de embebeda, todos ao mesmo tempo. Que lindo conto.

" ... Para o português, o coração é a medida de todas as coisas. Não temos tragédia mas história trágico-marítima. Os Lusíadas são o grande poema do mar. Os marinhos são filhos de sereia. Onde há movimento mais imóvel que as ondas a rolar nas areias de Portugal? Só nos empenhamos por simpatia. E salvamo-nos sempre pela extraordinária capacidade de improvisação: quando se aproxima a catástrofe, abrem-se-nos os olhos da razão ardente, à qual nos vergamos, então desenvolvemos, somos capazes de energia tanta e eficaz - a famosa investida lusitana sob a qual soçobrava tudo - que no vulgo escreve-se isso mesmo assim: milagre" [Francisco Palma Dias, in Via Latina, 1991]

sábado, 16 de agosto de 2003

NÃO SEI QUE MUNDO É O VOSSO


... meus caros bloguistas! Nesta hora insana onde o fogo tudo consome, com os "lucros e perdas" do exercício de reflexão a ficar para as Calendas, por motivos, aparentemente, estético-políticos, a blogosfera portuguesa roça a insensibilidade pueril.

Quando não se exige explicações e responsabilidades sobre a miséria que se abateu em tantas famílias, que o fogo e o desleixo do Homem originaram, é porque não a reconhecemos como tal. A inteligência politica nunca foi o nosso forte, quando se trata de coisas simples e reais. E, por isso, nunca tantos se engolfaram em pego que não saberiam voltarem. Fazemos incontáveis posts sobre arte, literatura, cinema, amores e desamores, paixões e afectos, guerra e paz, registos em espírito varonil com demandas e vigílias aos profanos, ou grandes canseiras poéticas que o coração permite. Temos facilidade em escrever, com paixão, sobre a "textura de um lábio", o sorriso da miúda do lado, a quietude de um lugar. Mas somos incapazes de comentar o horror que nos invade a alma, a incomodidade do tédio dos discursos oficiais, a vertigem da sociedade de espectáculo, a incapacidade de quem organiza e decide; somos todos cúmplices nesta enorme amnésia social de não haver culpados de coisa nenhuma; em nome da sedução intelectual, anulamos o pensamento da revolta face as assombrosas afirmações proferidas por governantes castrados, que nestas ocasiões aparecem, de todos os lados.

Esquecemos que "há mundo para além do círculo que se vê com os vossos óculos de teatro; há mundo maior do que os vossos sistemas, mais profundo do que os vossos folhetins; há universo um pouco mais extenso e mais agradável sobre tudo do que os vossos livros e os vossos discursos" (Antero de Quental). Por isso continuamos como se nada houvesse existido. E quando o espanto nos atraiçoa a crueldade dos tempos, refugiamo-nos numa melancolia do politicamente correcto, numa pretensa revolta encurralada - concha dos céus. Quando nos dizem que "os bons annos nam os dá quem os deseja, senão que os assegura", debatemos num charivari medonho, e as causas morrem sempre solteiras. Não temos emenda. Nunca!

«O MAIS BELO ESPECTÁCULO DE HORROR SOMOS NÓS.
Este rosto com que amamos, com que morremos, não é nosso; nem estas cicatrizes
frescas todas as manhãs, nem estas palavras que envelhecem no curto espaço
de um dia. A noite recebe as nossas mãos como se fossem intrusas, como se o
reino não fosse pertença delas, invenção delas. . Só a custo, perigosamente, os
nossos sonhos largam a pele e aparecem à luz diurna e implacável. A nossa miséria
vive entre as quatro paredes, cada vez mais apertadas, do nosso desespero. E essa
miséria, ela sim verdadeiramente nossa, não encontra maneira de estoirar as paredes.
Emparedados, sem possibilidade de comunicação, limitados no nosso ódio e no nosso
amor, assim vivemos. Procuramos a saída - a real, a única - e damos com a cabeça
nas paredes. Há os que ganham a ira, os que perdem o amor
».

[António José Forte, Antologia Surrealismo/ Abjeccionismo]

«Alma! Eis o que nos falta. Porque uma nação não é uma tenda, nem um orçamento um bíblia. Ninguém diz: a pátria do comerciante Araújo, do capitalista Seixas, do banqueiro Burnay. Diz-se a pátria de Herculano, de Camilo, de Antero, de João de Deus. Da mera comunhão de estômagos não resulta uma pátria, resulta uma pia. Sócios não significa cidadãos». [Guerra Junqueiro, Pátria]

terça-feira, 5 de agosto de 2003

CONTEMPLANDO NAS COUSAS DO MUNDO ...

Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa.
O velhaco maior sempre tem capa.

Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa;
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser Papa.

A flor baixa se inculca por tulipa;
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa.

Para a tropa do trapo vazo a tripa,
E mais não digo, porque a Musa topa
Em apa, epa, ipa, opa, upa.
[Gregório de Mattos e Guerra]

MACGUFFIN - O PROF.


No dia 4 deste mês, o putativo MacBloguerGuffin pensou durante um jantar, esta extraordinária, mas acertada pérola de Nelson Rodrigues, o guru:"Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos". É bom durante repastos assim, tão confabulativos, pensar (suspirar) em Nelson Rodrigues.

MacGuffin o bloguista não é desses que fala Nelson. Nada disso. MacGuffin tem sempre opiniões sólidas, apessoadas, não assistenciais. Por vezes foge-lhe a chinela intelectual para esses pequenos ódios de estimação que existem dentro de cada um de nós. Mário Soares é um deles, como podia ser a viúva-alegre ou o Antunes da mercearia, é bom de ver. Nada de extraordinário. O que é espantoso são as tiradas a favor da corrente do liberal MacGuffin. Tomemos nota.

- "(...) tenho sérias dúvidas que em Portugal, um país que viveu durante 34 anos sob a doutrina castradora, proto-socialista e paternal de um homem de Santa Comba Dão (...)" [um verdadeiro incêndio literário, é bom de ver]

- "O que será, então, o Dr. Mário Soares? Depois de consultar vários compêndios, achei: o Dr. Mário Soares é um "quisto sebáceo". [uma reprimenda anatómica verdadeiramente liberal, claro]

- "Cara Maria Manuela: foi um prazer ler a sua carta e perceber que existe gente com espírito conservador, tal como eu o imagino. (...) O dogmatismo e a presunção de uma certa esquerda - sempre pronta a catalogar e fazer uso dos 'slogans' - não escolhe idades." [a arqueologia do tédio no pensamento MacGuffiniano]

- "Este ano já arderam 80.000 ha, dos quais 54.000 «apenas» na última semana. Leram bem: oitenta mil hectares. Ontem, combatiam-se 522 incêndios, espalhados um pouco por todo o país. Leram bem: quinhentos e vinte e dois." [a elegante matematização no seu esplendor filosófico]

terça-feira, 29 de julho de 2003

VÁRIAS

* O Bridge dá cabo de um tipo. Quanto mais se joga (e perde) mais se quer continuar. No dia seguinte lá se anda a teorizar sobre as partidas, o maldito carteio, a não-voz do parceiro. Temo ficar a falar sobre bridge do mesmo modo que o Pedro Mexia discorre sobre o eterno feminino, tal o estado de neurose compulsiva verificada.

* Tenho ideia, que vi a Charlotte na TV. Se foi, então a Bomba faz parte daquela beleza convulsiva que falava Breton, isto é, está entre a erótico-velada e o mágico-circunstancial. E o gato Varandas, que saberá disso?

* Voltando ao Mexia, o porfiado crítico da poesis está decididamente reaccionário. Aquele post sobre a TSF é subscrito integralmente pelo Alberto João. Tal como ele, o Mexia vê vermelhos em todo o lado. Suspeito que a falta de pratica na sua confessada heterossexualidade, resulta tão somente de um excesso de investimento sádico-oral das palavras, no seguimento da analogia em Melanie Klein, entre o investimento genital e a fala, o canto ou a pena. Ora essa crueldade lingual (Luiz Pacheco dixit), por sinal ferozmente reaccionária, será decerto uma luxúria na crítica literária, mas não deixa de ser um forte obstáculo a praticas bem mais libidinosas.

* Como almocreves, somos sensíveis a textos sobre azémolas, ou gado asinino. Temos especial ternura pelos equus asinus. É que os jumentos são a nossa perdição, principalmente se forem bem aprumados. Temos almocrevados alguns, bem preciosos, sabendo sempre que é mais difícil ser livre do que puxar uma carroça (Virgílio Ferreira dixit). Assim, perante prosa tão adocicada no Publico sobre o burro mirandês, ficámos extasiados. Celeste Pereira, a jornalista do nosso encantamento estará para sempre nos nossos corações. E, já agora, viva a AEPGA e a associação cultural Galandum.

* Mário Nunes, vereador da Cultura da Câmara de Coimbra, é uma excelente pessoa, mas excede-se por vezes. Aquela de afirmar que a Feira de Antiguidades de Coimbra, "é uma das melhores a nível nacional" porque tem "qualidade" e é "onde se vende mais", é demasiadamente excessivo. A Feira de Coimbra é uma feira franca curiosa, mas frequentada por um grupo de vendedores (?) que em momento algum sabem o que estão a fazer, a não ser tentar enganar o neófito das velharias. Então a rapaziada dos livros, todos bem iletrados, é de uma tristeza infinita. Nessa feira, como se calhar noutras ao longo do país, qualquer soit-disant vendedor de papéis velhos se julga um antiquário de prestimosos e devotados favores. E assim, atiram-nos com 75 E por um qualquer Campos Júnior, todo esfarelado e maltratado. Dizem que é muito antigo e raro. Ora nem uma coisa nem outra sequer sabem o que é. Esse rol de gente que vende gato por lebre, com ar de intelectual assumido, destrói o mercado do livro antigo. Como alguns verdadeiros antiquários-alfarrabistas o fazem, também. Afinal, porque haveria de existir excepções? Não estamos em Portugal?

terça-feira, 22 de julho de 2003

VOX POPULI



* Faz-se saber ao publico que José Manuel Fernandes prepara copioso ensaio, com prefácio desse exegeta blairiano Pedro Lombas, intitulado: "BBC não foi económica com a verdade ou as 3 Fontes". Á venda na Typ. Liberal.

* Avisam da Catedral da Luz que está em curso a subscrição a favor da compra do undécimo jogador para os necessitados de Alvalade. Basta de miséria!

* Top Posts - Foi o máximo o Top Posts do Valete Frates. 6 Posts 6 estimulantes. Como cortesia aqui deixamos pistas para próximas novidades: "Onde canta o bloguista, gagueja o jornalista"; "Força! Força companheiro Bush"; "Pedimos desculpa por este post, o blog sai dentro de momentos"; "Blair & Campbell com batatinhas fritas"

* Mata-Mouros pretende conhecer inconformistas liberais para troca de impressões sobre fadas, génios e encantamentos. Traz camionetas do país profundo.

quarta-feira, 16 de julho de 2003

BREVES


*O Governo acaba de mudar, pela quarta vez em menos de dois anos, a sua orientação quanto à construção de um novo aeroporto internacional na Ota. Convenhamos que já é demais para não ser demasiado rude e acrescentar que já passámos da fase da trapalhada à da palhaçada (Nicolau Santos, EXPRESSO)

* [Nicolau Santos e o melhor Governo desde 1986 - Expresso]

PRIMEIRO-MINISTRO: Aníbal Cavaco Silva.
MINISTRO DAS FINANÇAS: Miguel Cadilhe
MINISTRO DA JUSTIÇA: António Costa
MINISTRO DA INDÚSTRIA - Mira Amaral
MINISTRO DA SAÚDE - Correia de Campos
MINISTRO DA EDUCAÇÃO - David Justino
MINISTRO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS - Jaime Gama
MINISTRO DAS OBRAS PÚBLICAS - João Cravinho
MINISTRO DA AGRICULTURA – Nenhum
MINISTRO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - Dias Loureiro
MINISTRO DA DEFESA - Fernando Nogueira
MINISTRO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA - Mariano Gago
MINISTRO DA CULTURA - Manuel Maria Carrilho

* Artigo de Vital Moreira no Publico, com exigência de uma simples explicação, a saber: porque razão os bestiais belicistas portugueses, travestidos de jornalistas e/ou pensadores liberais, estão calados nesta patranha que foi a Guerra do Iraque? Um bloguista que por mero escapismo é jornalista avança com a sugestão de o mesmo Vital Moreira pedir desculpas sobre as suas (do Vital) mentiras. Extraordinário, este putativo jornalista. Aprendeu depressa as metodologias da administração neoconservadora americana. Temos homem!