sábado, 7 de outubro de 2006


Luuanda, José Luandino Vieira & a PIDE

"Quando escrevi Luuanda eu estava preso, em 1961/62. (...) A minha mulher, Linda, a quem o livro é dedicado, dactilografou e mostrou a um amigo que era jornalista no ABC, que era o jornal dos democratas liberais portugueses. O Alfredo Bobela Motta, angolano, escritor e nosso amigo era, na época, 1963, chefe de redacção. E decidiu logo que se devia avançar e fazer o livro. O livro foi então composto na tipografia do jornal. E o tipógrafo tirou logo provas que depois circularam nos musseques de Luanda. Esta foi a edição que veio para Portugal para o concurso da Sociedade Portuguesa de Escritores. Noutra edição do Luuanda é que o título está a vermelho. A edição "brasileira". Essa é uma história incrível. A indicação é que se trata de uma edição feita em Belo Horizonte, mas a realidade é que essa edição foi feita à minha revelia, por dois agentes da PIDE, em Portugal, na tipografia Pax, penso eu. Com todo aquele escândalo, que envolveu a destruição da Sociedade Portuguesa de Escritores, o livro tornou-se muito procurado. Esses dois agentes fizeram o livro, em Braga, distribuíram e ganharam um bom dinheiro com aquilo. O meu advogado quis logo meter um processo em tribunal e isso deu uma outra história incrível. Resumindo, perdi o processo, porque não se conseguiu provar nada - embora tudo fosse evidente até pelo tipo de papel era fácil identificar a tipografia - e ainda tive de pagar as custas do processo ..."

[Rita Chaves, in Agência Carta Maior]

Mário Cesariny de Vasconcelos - entrevista ao semanário Sol

"... na primeira exposição que fizemos, em 1949, resolvemos fazer uma noite dos poetas, num aposento muito engraçado, todo forrado com figuras, que era da Pathé-Baby, ali ao pé da Sé Catedral. Lemos poemas do Victor Brauner, do André Breton, do Antonin Artaud e alguns nossos. Com uma certa encenação. Estilhaçámos uma data de vidros no chão e deitamos tinta. Mas a encenação, grande ou pequena, era só para nós, porque não foi lá ninguém, nem nós queríamos que fosse. Fechámos a porta à chave. E assim continuámos. A imprensa de Lisboa não dedicou uma linha à nossa exposição, mas a do António Pedro e do então Grupo Surrealista de Lisboa causou um escarcéu desgraçado. O António Pedro tinha muitos conhecimentos, assustava muita gente, nós não assustávamos ninguém ...

Nos fizemos uma revolução. Mas acho que implodimos, não explodimos. E andámos a sempre clandestinos por aí. Clandestinos no sentido lato: fazer uma coisa num sítio e desaparecer; depois aparecer noutro e desaparecer ... Até que houve as célebres sessões na Casa do Alentejo, em que fomos dizer ao povo o que era o surrealismo. E o que era o surrealismo? Éramos nós [risos]. Lemos textos, poemas, e uma declaração chamada Afixação Proibida. A assistência gostou muito (...)"

[a não perder - in revista Tabu, jornal Sol, 7/10/2006]

sexta-feira, 6 de outubro de 2006


Em nome da rosa

Bastava assistir ao alinhamento do jornal da noite de ontem (5 de Outubro) da RTP, estação pública, para entender, definitivamente, como as produções Sócrates & Silva Pereira anestesiam bem os indígenas lusos. Qual comemoração do 5 de Outubro, qual discurso do senhor Presidente da República, qu'é qu'é isso de manifestações contra o bom governo da Nação!? Podia lá ser!? Não era, jamais existiu, nunca haverá. Os homens da rosa da RTP, punho a meia haste e lágrima ao canto do olho, consideraram o discurso do dr. Cavaco (apenas um dos mais exemplares da sua vida) uma ebulição mental do chefe de Estado e a manifestação dos professores (cambada de malandros e iletrados, a passear na avenida, como todos os dias ... já se ouve, ao longe, a voz do inenarrável Jorge Pedreira) como picaresca e indigesta para o jantar.

O obsceno daqueles curiosos jornalistas-voyers da RTP, que num devaneio intelectual capricharam em nos dar 15 minutos de abertura noticiosa sobre um caso de instabilidade emocional e com um senhor dos GOE a explicar, delicadamente nos estúdios, o que se faz contra sequestros, é inolvidável. A RTP, qual governo rosa, anda muito cediça. E provocadora. Mas será bom que tenham atenção à plateia. Há encomendas que se pagam caro ...

Tunhas ... o operário em construção

"... Consequência maior do processo diluidor que a revolução é, a anulação da falsa dualidade entre produção artística e o meio social que intimamente a origina, estabelece, à margem de si, a metáfora de uma outra realidade própria do sistema, que lhe cabe aniquilar: a separação entre a vida privada e a vida em sociedade, permanecendo, representa o prolongar da ordem capitalista.

Inverter dialecticamente a cultura dominante, conjurar o seu fim, acabar definitivamente com esta excrescência mercantilista, é a tarefa de todos aqueles, para quem o desejo da revolução é a expressão individual da revolução proletária"

[Paulo Jorge Tunhas, Dezembro 1976, Caderno Arco Iris]

A arte de escrever ao povo

O direktör do Público expõe, em editorialho último, a sua imensa dor de persistir na sociedade portuguesa (actual & letrada) aquilo que considera ser "uma perniciosa tendência para resolver discussões complexas recorrendo a simplificações grosseiras" e "à demagogia simples". Na sua prosa "Debates Complexos", tenta persuadir os leitores, através da sua costumeira technê bem ornada, que os críticos da nova política da Segurança Social (made in partido socialista no governo) ou os maldizentes da extraordinária Convenção do Beato têm a "tentação para ver o mundo a preto e branco, para os dividir em bons e maus, para traçar linhas entre puros e impuros". Eis a arte de escrever ao povo.

Não faz por menos o sofista direktör, na sua declamação impressa. Mas ressalvando, evidentemente, que José M. Fernandes anda desmemoriado, tal as rapsódias políticas onde mete o bedelho, ainda assim a sua disputa erística (que é mais consigo mesmo, que com outros) é escandalosa. Patética! Abjecta!

Porque o fórum dos críticos da putativa "derrocada" da Segurança Social, do anedotário Compromisso Portugal ou da miserável guerra do Iraque (citado, sem pudor, pelo magnifico direktör), cada um à sua maneira e com a sua própria gramática, porque ninguém é de companhia, dizem exactamente o contrário do que lhes é apodado pelo senhor direktör. No fórum dos críticos não há uma única voz, um único caminho, uma única instrução, uma única utilidade política ou militar, um único acto consumado. E, contrariamente a JMF, há todas as dúvidas, salvo umas tantas, de que não desistem: a honra, o respeito por si próprio e pelos outros, a verdade contra a embuste, a civilização contra a barbárie, o exercício de uma cidadania solidária, pela economia ao serviço do homem e não o contrário, por um mundo livre e plural. Pormenores que não devem datar o senhor direktör e seus amigos. Porque, e como dizem muito emproados, "estamos em guerra". E decerto estão. Com eles próprios. O que, obviamente, se respeita. Mas não explica, por si só, a retórica habitual e a memória presente no artigalho de José Manuel Fernandes. Ele há receituários muito sórdidos.

terça-feira, 3 de outubro de 2006

BOLETIM BIBLIOGRÁFICO 32 DE LUÍS BURNAY

Acaba de sair Boletim Bibliográfico 32 (Setembro 2006) do Livreiro-Antiquário Luís P. Burnay (Calçada do Combro 43-47, Lisboa). Apresenta livros estimados, alguns raros, de história, arte, romance, poesia, jornais e revistas, entre muitos temas.

Algumas referências: Obras de Nicolau Tolentino de Almeida (pref. de Alexandre O'Neill), Estúdios Cor, 1968 / Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica (sel., pref, notas de Natália Correia, ed. dita do Rio de Janeiro sem as ilustrações de Cruzeiro Seixas) / Década 13 da História da Índia, composta por António Bocarro, 1876, II vols / O Brasil Mental, de Sampaio Bruno, 1898 / O Encoberto, por Sampaio Bruno, 1904 / Cadernos de Literatura, Coimbra, 1978-1986, 25 numrs / Obras de Luís de Camões (pref. do Visconde de Juromenha), 1860-1869, VI vols / O Campeão Portuguez em Lisboa, ou o amigo do Povo e do Rei Constitucional (semanário politico liberal, editado por José Liberato Freire de Carvalho), 1822 [nº1 ao nº XXV] / Lembranças para S. Tomé e Príncipe, por Ruy Cinatti, 1972 / Claro Escuro: revista de Estudos Barrocos, 1988-1990, V numrs / Registo Genealógico de famílias que passaram à Madeira, por Luís Peter Clode, 1952 / Cântico do país emerso, de Natália Correia, ed. Contraponto, 1961 / Diana: revista de caça, 256 numrs / Dicionário da Pintura Universal, Estúdios Cor, 1973, III vols / Esboço de uma bibliografia (exaustiva bibliografia enológica e da cultura do vinho), 1945 / Onde tudo foi morrendo, de Vergílio Ferreira, 1944 / Bancarrota: exame à escrita das agências divinas, por Tomás da Fonseca, 1950 / Antropófagos, de Henrique Galvão, 1947 / A Hora: Revista-panfleto de Arte, Actualidade e questões Sociais [raríssima publicação dirigida por Ferreira de Castro, c/ a col. de Raul Brandão, João Pedro de Andrade, Eliezer Kamenezky, Eduardo Frias e Bramão Almeida), 1922, VI vols [nº1, 12 Março 1922 ao nº 6, 23 de Abril 1922) / Istoria do cativeiro dos prezos d'Estado na Torre de S. Julião da Barra de Lisboa ..., por João Baptista da Silva Lopes, 1833-34, IV vols / Bibliotheca Lusitana, por Diogo Barbosa Machado, Coimbra, 1965-66, IV vols / D. Manuel II, de Rocha Martins, II vols / Historia do Regímen Republicano em Portugal, dir. Luís de Montalvor, 1930-35, II vols / Traços do extremo oriente, por Wenceslau de Morais, 1895 / Novo Cancioneiro (imp publicação de poesia, com poemas de Mário Dionísio, João José Cachofel, Joaquim Namorado, Carlos de Oliveira, etc.), Coimbra, VII (dos 9) vols / Oceanos: revista, 1989-2002, 49 numrs / Lusitânia transformada, de Fernão d'Alvares do Oriente, 1781 / O Passatempo: jornal de instrucção e recreio para ambos os sexos, 1839, III vols / A Cidade e as Serras, de Eça de Queiroz, 1888 / A Criação do Mundo, de Miguel Torga, 1937-1981 (completo)

segunda-feira, 2 de outubro de 2006


The Tragic Treasury: Songs from a Series of Unfortunate Events

The Gothic Archies, depois do The New Despair, estão de volta no próximo dia 10 de Outubro quando sair The End, o último dos 13 volumes de A Series of Unfortunate Events (escritos do curioso Lemony Snicket, aka Daniel Handler, dos Magnetic Fields). E com eles regressa Stephin Merritt, um caso raro de libertinagem musical, inteligência & de alegria no trabalho (cof! cof!). Ele há compositores assim.

E mesmo se depois do album 69 Love Songs, Merrith não mais foi o mesmo (o "curioso numero" 69, já dizia Mota Amaral, é fatal), a coisa promete pela genialidade do homem que cultiva tantos jardins "de flores do mal" [João Lisboa].

A não perder The Tragic Treasury: Songs from a Series of Unfortunate Events. Ouça e experimente:

- Scream and Run Away
- Crows
- Walking My Gargoyle

e porque o mundo anda socrático & mui perigoso temos

The World is a Very Scary PlaceCastpost

Boa ceia!

O osso & o livro

"Quando ouço ou leio a srª. ministra da Educação lembro-me, contra-vontade, da história do estudante de Medicina que, para estudar Anatomia, arranjou um osso, e lia no livro observava no osso, observava no osso encontrava no livro, e assim seguia todo contente até que, de repente, leu no livro e não viu no osso, releu no livro e não viu no osso. Intrigado, parou, pensou e concluiu: o osso está errado!"

[José Paulo Morgado, in Cartas ao Director, Público, 27/09/2006]

Livraria Manuel dos Santos

Vila Nova de Gaia não tem unicamente, por companhia, os obséquios milagrosos de Luís Filipe Menezes, o estágio anti-mouro do senhor Pinto da Costa ou as suas indescritíveis rotundas. Nada disso. Com afecto elevado e mil paixões dá-se ao respeito com uma ilustrada livraria alfarrabista: a Manuel dos Santos. Na rua Prof. Urbano de Moura, ao C. C. Vilagaia (loja 18), a vida anda cobiçosa. As variedades, com actualizações permanentes, são livros de poesia, romances & novelas, história, arte, monografias, manuscritos, revistas muitas ... tudo para sentimentos ricos e afortunados. A visão pode ser conquistada, aqui.

A consultar muitas vezes.


Saudades ...

Recato nos olhos

"Prazer de olhar é uma coisa, avareza de olhos outra. Qualquer semelhança entre ambas, quanto a fins e intenções, é pura coincidência.

Nos países onde impera o namoro de rua torna-se evidente que o jogo dos olhares é um género de primeira necessidade, um ritual de maior importância no estabelecimento de idílios de futuro não-platónico (...)

'Recato nos olhos', recomendavam os escritores sagrados e com muitíssima razão. Se a Mulher de Loth não tivesse caído nas tentações do olhar não teria sido transformada como foi em estátua de sal. Mas a Mulher de Loth, senhora dos confusos tempos do Génesis não conhecia os escritores sagrados pela simples razão de que os não havia ainda nessa época. No entanto tinha o dever de dar ouvidos às recomendações do Criador e menos olhos ao mundo ..."

[Aviso prévio a respeito dos olhares, in Almanaque, Dez. 1960]

sábado, 30 de setembro de 2006


Livraria Letra Livre

Na Calçada do Combro, um grupo de virtuosos ex-livreiros da Ler Devagar, estenderam a novíssima Livraria Letra Livre. Com brilho e para felicidade nossa, possuem agora um site onde abundam livros há muito esgotados, novos & usados, estimados ou malditos (conforme o olhar), de importância para o pensamento literário, social e politico contemporâneo, a par de virtuosos fundos de editoras à revelia do mainstream habitual.

A consultar, com merecida atenção.

Calçada do Combro

"Esta rua histórica que divide o Bairro Alto do Bairro da Bica, unindo o Chiado a São Bento, foi, desde o século XIX, um eixo central do coração da cidade que ligava dois bairros populares onde os livros, os jornais e a luta política e social faziam parte do quotidiano.

Mas, se a importância dos jornais, das tipografias e das organizações sindicais e sociais cresceu significativamente a partir do começo do século XX, desde o século XVIII, estes bairros de Lisboa tinham uma forte ligação ao comércio livreiro e à indústria tipográfica como demonstra a Igreja de Santa Catarina, cuja responsabilidade cabia à Confraria dos Livreiros.

Lojas Maçónicas, choças Carbonárias, jornais sindicais, republicanos e anarquistas, bem como inúmeras tipografias espalhavam-se por ruas e vielas destes dois bairros, vizinhos do Chiado, mais tradicional e burguês. As tascas e cafés da Bica e do Bairro Alto, tal como as da Rua da Misericórdia, onde funcionava o famoso Café dos Anarquistas, praticamente ao lado da editora Guimarães, uma das mais importantes da época, eram locais de encontro de intelectuais e operários envolvidos, primeiro, na luta contra a monarquia e, depois, nas lutas sociais da Primeira República. A Greve, diário operário criado em 1908, funcionou na Rua Luz Soriano e a Casa Sindical, inaugurada em 1912, no Palácio do Marquês de Pombal na Rua do Século até à sua invasão pela polícia da república. Próximo, na Rua da Barroca, teve também sua redacção A Sementeira, a principal revista libertária feita por trabalhadores no começo do século XX. Mas inúmeras outras publicações, folhas volantes e editoras, mais ou menos duradouras, e as tipografias onde eram impressas dividiam o espaço comercial dos prédios destes bairros populares.

Na Calçada do Combro nº 38-A, onde já havia tido sede, em finais do século XIX, o jornal Revolução de Setembro de Rodrigues Sampaio funcionou, a partir de 1919, no antigo Palácio dos Castro Marim, depois conhecido por Palácio do Correio Velho, a sede da Confederação Geral do Trabalho, a CGT anarco-sindicalista, e do seu jornal A Batalha a principal publicação operária e sindicalista da Primeira República. Por este palácio circulavam, juntamente com centenas de trabalhadores de diversos ofícios, intelectuais como Ferreira de Castro, Pinto Quartim, Manuel Ribeiro, Campos Lima, Emílio Costa, Jaime Brasil, Mário Domingues e tantos outros colaboradores de A Batalha e dos seus suplementos literários. Encerrada, assaltada, pilhada pelos diferentes governos republicanos e, finalmente, proibida a CGT e A Batalha tiveram de abandonar definitivamente a Calçada do Combro com a Ditadura do chamado Estado Novo.

A Calçada do Combro foi assim nas primeiras décadas do século XX a via estratégica por onde passavam as manifestações operárias que após concentração na Praça de Camões seguiam até ao Parlamento em São Bento para reclamar ou protestar.

Com a ditadura desapareceu quase por completo a actividade política e social legal ou tolerada e inúmeros jornais, tipografias, bem como grupos, sindicatos, lojas maçónicas tiveram de encerrar as suas actividades. Permanecendo ainda, principalmente no Bairro Alto, inúmeras tipografias e jornais comerciais, que foram se transferindo a partir dos anos 70 para outros locais da cidade, não deixando, no entanto, de aqui se concentrar um número relevante das pequenas tipografias, editoras e livrarias alfarrabistas de Lisboa"

[in Livraria Letra Livre]

quinta-feira, 28 de setembro de 2006

CATÁLOGO DE OUTUBRO DA IN-LIBRIS


Catálogo de Outubro da In-Libris

Acaba de sair o Catálogo do mês de Outubro da In-Libris (Porto). Bastante curioso o conjunto de peças dedicadas à vinha e ao vinho. Apresenta, ainda, livros de Régio, dois raros livros de António Botto (Ciúme e Alfama), o raro e valioso livro do Pe. Joao Bautista de Castro (Mappa de Portugal // Antigo, e Moderno //...), uma importante e rara peça sobre artes gráficas (Nova Escola para aprender a ler, escrever, e contar,..., pelo Mestre Manuel de Andrade de Figueiredo), os 6 volumes (tiragem especial) dos Discursos de Salazar, a raríssima 1ª ed. do Diccionário de Milagres de Eça de Queiroz (1900), a importante, rara e valiosa Revista de Portugal, sob direcção de Eça de Queiroz (IV vols, 1889-1892), e ainda uma estimada 1ª edição de Eça (A Relíquia), uma difícil peça de colecção surrealista (Imagem Devolvida, de Mário-Henrique Leiria, 1974), o conhecido (já raro) e curioso opúsculo de mestre Luiz Pacheco, O Caso do Sonâmbulo Chupista (ed. Contraponto), o número único da comemoração do cinquentenário da revista Presença (Coimbra, Março, 1977) e o muito raro livro de Natália Correia "O Vinho e a Lira", edição de Ribeiro de Mello (à atenção do Ricardo Jorge).

Catálogo a consultar on line.

terça-feira, 26 de setembro de 2006


SÓNIA - "s.f. nome próprio de origem eslava, de que se conhecem alguns raros exemplares em Portugal. Dostoievski fez dela uma heroína sentimental, os romances de espionagem fizeram o resto ...

Sónia como oposição à Insónia é um mito. Entre uma coisa e outra pode existir antes uma aliança perversa na base do whisky e do gira-discos em privado. Sónia é portanto a Insónia sem profamina. E é sonho sem Freud"

[in Almanaque, Maio 1961]

Bom dia ...


Quadrante, nº 1, Julho 1958 ao nº 12, de Fevereiro 1963 (??). Publicação da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, dir. Orlando Neves, ed. J. Magalães Mota

Anotações:

Textos de Álvaro Lapa (nº1 - Kafka e a saudade da terra prometida), Almeida Faria (com Almeida Fernandes & Nuno Brederode dos Santos, nº 12, Autopsia do Ensino), Álvaro Cassuto, António Pedro de Vasconcelos, António Vilela, Armando de Carvalho (?) - (nº2, nº3 - Da arte da Guerra, nº 6), Carlos Moraes, Digo Freitas do Amaral (nº 9, Sobre o casuísmo nas leis), Fernando Barata , Francisco Ferreira Gomes, Helder Costa, J. C. Passos Valente (nº 5, Laicismo e Pedagogia), J. Pires de Lima, Joaquim Mestre (nº 3 - Teoria da Alienação), Jorge Pegado Liz, Jorge Sampaio (nº 9), Jorge Santos, José Augusto Seabra (nº1, 2, 3 - Apontamentos sobre a poesia portuguesa actual , 4, 7 - Temporalidade e actualidade de Fernando Pessoa), Levi Vermelho, Luís de Andrade Pina, Mário S. Mayor Cardia, Miguel Galvão Telles, Manuel Rio de Carvalho, Orlando Neves, Rui Namorado, Rui Neves, Pedro Ramos de Almeida, Sérgio Abreu e Moita, Prof. Vieira de Almeida, Vítor Wengorovius

Artigos sobre: André Gorz, André Malraux, Bergman, Camus, Fernando Pessoa (nº 7), Mário Eloy, René Clair, Saint-John Perse, Vergílio Ferreira,

Entrevistas a Carlos Candal (nº 9), Fernanda Botelho, João Esteves da Silva, José Gomes Ferreira, Marcello Caetano (nº 9), Miguel Reale, Rubens Teixeira,

Poesia: António Gancho, António Rego Chaves, Goulart Nogueira, Jorge Fernandes, José Augusto Seabra, José Cutileiro, Fernando Pessoa, Fiame Hasse Pais Brandão, Pedro Ramos de Almeida, Rui Namorado, Vasco Graça Moura,

[digitalizado pela Hemeroteca, aqui]

segunda-feira, 25 de setembro de 2006



O Sol de todos os dias

Albarda da semana

"Munto gost' ê cá d'andar a caval' sem albarda...
- Oh, filh', iss' és tu qu' és novo. Agor' ê cá, se m' amontass' em osso, caía logo
"

Esta semana, a bolsa de escribas indígenas, comentadores & condutores de artigalhos, teve gosto em demandar admiráveis empreitadas, serviços e fornecimentos curiosos. A praça pública, evidentemente em pastagens libertas e fecundas de fim-de-semana, andou pouco sensível à apalpação das circulares dos amanuenses, apesar de entender a digestão como grave. A coisa entre a canalha anda insidiosa e o bom governo da Nação, sorri. Sorri sempre! Lá para as bandas do Beato, Palácio Palmela, na EPUL ou no Rato, agora que o Gerez está mais perto e o dr. Cavaco anda feliz nos consensos, o riso é total. Gratuito. O gentio, porém, não entende tamanho esforço por tais delírios e nota que é simples "caturro da laringe". Ou, quanto muito, humor de olhos. Aliás o mesmo que tem vitimado o eng. do Tenta, ali para os lados da Luz.

A ver vamos. Por cá, com o assomar de novos escrivães à blogosfera lusa, entre os quais registe-se a pitoresca ameaça da aparição de um gracioso discípulo paleoliberal, a diversão promete durar. Será d'arromba. Ou como diria o infatigável mineiro das letras liberais - J.M. - em genuflexão teorética estimulante, "de ruim pano, muito bem saio". Absolutamente.

Quanto à albarda da semana, pela abastança do Dito & Feito na página de referência do Sol (Sol lucet omnibus) a modos que movendo admiração pelo zelo e caridade de pensamento, vai para o benevolente José António Lima. O abraço (solar) depositado em Souto Moura foi de grande inspiração. Para o bom do Lima, um sujeito, que por acaso é Procurador-Geral da Republica, ser amador no que faz, inábil e, principalmente, não cumprir com zelo as funções que lhe foram destinadas, não significa rigorosamente nada. Pelo contrário, tal sujeito, que por acaso é (ou foi) PGR, "colocou a justiça ao serviço da país". De tal modo que Lima, vindo do sepulcro da Justiça, considera que "nunca alguns poderes até então intocáveis haviam sido confrontados pela Justiça e (helás!) tratados em pé de igualdade com os restantes cidadãos". E acompanha a sublime exaltação judicativa, com referência ao caso da pedofilia, ao glorioso Apito Dourado, ao magnânimo caso Portucale, ao saudoso caso Fátima Felgueiras & Isaltino Morais, ao deduzido caso do Envelope 9, e por aí fora. Como se sabe, os resultados estão à vista. E no pensamento suspiroso do Lima, no "campo da justiça e da investigação criminal [somos] um país mais adulto, mais democrático e mais desenvolvido". Parabéns, pois, dr. Souto Moura. Muito agradecido. Encantados, ó Lima.

Trata-se, portanto, de chorar à memória de Souto Moura. E porque a sarabanda dos muitos Limas é livre de qualquer (auto)censura, medo, lisonja, subsídio ou perdição politica & para que não nos falte imperfeição alguma, enchemos o blog de

Tom Zé - Sem Saia, Sem Cera, CensuraCastpost

Como diria o M.E.C., "não fez mel? Não faz mal! / Amanhã vendemos tainhas!"

Bom dia.

Fenda

"Fenda é uma bola de ice cream partida por entre os muros altos da universidade a bocejar de tédio
Meteoricamente fálica no rabo imenso da ciência catedrática
Ah minha gente
Como somos impuros e belos! ..."

[Vasco Santos, Palavras, in Fenda nº 1, 1979]

"... Nesta paisagem de desassossego, que discurso corporal poderemos inscrever quando a crise do desejo é o vértice de uma ruína largamente apetecida?" [Fenda, 1982]

"... Estamos num tempo em que a literatura deixou de fazer parte da cultura geral, num tempo de espectadores, e até acho engraçado que ainda não me tivessem perguntado pela crise. Editor que não esteja em crise até é mal visto. O português sempre teve gosto por roer ossos - creio que era Jorge de Sena que dizia isto -, portanto estamos bem 'posicionados' para por os óculos de sol e ficar à espera. De quê? Da bactéria antropófaga da modernidade e dos dinheiros da CEE, e com isto vamos aliviando a dor de corno (...) Que livros editar nesta crise? Que livros para este mundo irrespirável? Que livros na doença e na assepsia? ..."

[Vasco Santos, entrevista ao Mil Folhas, ??]

sábado, 23 de setembro de 2006


"Há quem busque o saber pelo saber: é uma torpe curiosidade.
Há quem busque o saber para se exibir: é uma torpe vaidade.
Há quem busque o saber para vendê-lo: é um torpe tráfico.

Mas há quem busque o saber para edificar, e isto é caridade.
E há quem busque o saber para se edificar, e isto é prudência"

[São Bernardo de Claraval, Sobre o cantar dos cantares, Sermão 36, III]

Leilão de Livros e Manuscritos: 25, 26 e 27 Setembro 2006

O Palácio do Correio Velho realiza nos próximos dias 25, 26 e 27 de Setembro - Calçada do Combro, 38 A, pelas 15 horas - um Leilão de Livros e Manuscritos. A não perder. Catálogo on line.

"Arte - História - Literatura Clássica e Moderna - Enologia - Genealogia - Heráldica - Culinária - Direito - Legislação - Geologia - Mineralogia - Medicina - Ourivesaria - Revistas - Turismo - Religião - Colecção de Fotografias dos Edifícios dos C.T.T. (anos 40) - Manuscritos dos séculos XVII, XVIII e XIX

Importante arquivo documental do maestro e compositor Francisco de Lacerda (1869 -1934) - ESPÓLIOS REAIS. Valiosa documentação respeitante às Contas de Despesa que fez o Marquês de Marialva, em Viena de Áustria, por ocasião das festas do casamento da Senhora Arquiduquesa D. Leopoldina com o Príncipe D. Pedro, futuro Rei D. Pedro IV. Notável conjunto de 51 cartas e documentos do arquivo particular de S. M. a Rainha D. Augusta Vitória, consorte de El-Rei D. Manuel II. Invulgar lote de receitas médicas prescritas a El-Rei D. Manuel II e à Rainha D. Augusta Vitória"

terça-feira, 19 de setembro de 2006


Luíz Augusto Rebello da Silva [1822 - m. 19 Setembro 1871]

"... Rebello da Silva, ainda mesmo entregue às tarefas da politica, que em espíritos menos fecundos esterilizam sempre o ideal e atam os voos a tudo que não seja rastejar no terreno das questões positivas, conservou sempre o seu lugar mais ou menos activa na imprensa literária.

(...) Como orador, Rebello da Silva é uma das palavras mais correctas e inspiradas da nossa tribuna. Antes de chegar ao parlamento, o seu tirocínio oratório havia já sido longo e auspiciado. Vimo-lo, mancebo de 17 anos, começar nesses ensaios de discussão na Sociedade Escolástico-Phylomatica [sociedade situada na Rua da Atalaia, Bairro Alto, onde numa 'sala disposta à maneira de parlamento', com um pequeno 'espaço para a galeria pública', uma grupo de pessoas assistia às oratórias eloquentes, 'enérgicas' e 'intimativas' dum grupo de indivíduos, como Thomaz de Carvalho, Vieira de Carvalho, Andrade Corvo, Rebelo da Silva, que discutiam questões como: influência da civilização na história; a reacção romântica e os efeitos da literatura no Ocidente da Europa, et.], para ir progressivamente conquistando créditos e triunfos, até chegar à arena politica, onde os largos horizontes dos debates parlamentares lhe ofereceram o âmbito, o ar, e o fogo para todos os arrojos do seu verbo audaz (...)

Um dos grandes triunfos oratórios de Rebello da Silva, o maior talvez pelo quadro de circunstâncias que o rodeava, foi o seu discurso a respeito do Acto Adicional em 1852. Militava então na oposição, e no banco dos ministros sentavam-se homens da craveira de Rodrigo Fonseca Magalhães, do Duque de Saldanha, de António Luiz de Seabra, e do Visconde d'Almeida Garrett. ..."

[J. M. d'Andrade Ferreira, in Revista Contemporânea de Portugal e Brazil, Ano I, Abril 1859]

Obras: A Tomada de Ceuta (anónimo), in Cosmorama Literário, 1840 / Raússo por homisio, in Rev Universal Lisbonense, 1842.43 / Ódio velho não cansa, 1849, II tomos / Cartas ao sr. Ministro da Justiça, sobre o uso que faz do púlpito e da imprensa uma fracção do clero português, 1850 / O Duque de Saldanha, e o Conde de Thomar, 1850 / A Mocidade de D. João V, 1852-53, IV tomos / Fastos da Igreja: historia da vida dos Santos ornamentos do cristianismo, 1854 / A pena de talião, Panorama, 1855 / Memoria Biographica e Literária acerca de Manoel Maria Barbosa du Bocage, 1855 / Othelo, ou o mouro de Veneza, 1856 / O Infante Santo, Archivo Universal, 1859 / Contos e Lendas. Uma aventura d'el rei D. Pedro, Archivo Universal, 1860, 1873 [inclui 'A Última Corrida de Touros em Salvaterra'] / História de Portugal nos Séculos XVII e XVIII, 1860-1871, V tomos

Escreveu em diversos jornais e revistas, como O Archivo Universal [O Mosteiro da Batalha, tomo III; A Última Corrida de Touros em Salvaterra; A Torre de Belém] / Panorama [Poetas da Arcádia - António Correia Garção, Domingos de Reis Quita, António Diniz da Cruz e Silva; Estadistas Portuguezes. Diogo de Mendonça Corte-Real] / Revista Contemporânea de Portugal e Brazil [Oradores Portuguezes. José Estevam, Bulhão Pato]

Locais: Luis Augusto Rebelo da Silva / Luis Augusto Rebelo da Silva (1822-1871) / Luiz Augusto Rebelo da Silva [blog]

segunda-feira, 18 de setembro de 2006



"... Um revólver já desiludido
Uma criança doida de alegria
Um imenso tempo perdido
Um adepto da simetria
...
O desertor cantando no coreto
Um malandrão que vem pé ante pé
Um senhor vestidíssimo de preto
Um organista que perdeu a fé

Um sujeito enganando os amorosos
Um cachimbo cantando a marselhesa
Dois detidos de facto perigosos
Um instantinho de beleza ..."

[Alexandre O'Neill, Inventário]

"O impossível senhor Sócrates"

"Chego agora à mais eminente das minhas proposições: imagino a ordem. Ou antes, imagino primeiro uma grande ideia, depois, uma maior ainda, e assim por diante; e com este modelo imagino cada vez mais ordem na tua cabeça! Primeiro é tão divertida como um quarto de uma solteirona e tão asseada como uma estrebaria militar; depois grandiosa, como uma brigada em formação de batalha; depois, enfim, completamente louca, como quando se regressa da messe em plena noite e se ordena às estrelas: Universo, atenção: direita, direita volver!"

[Robert Musil, Um Homem sem Qualidades]

"Todas as vezes os assistentes imaginam que sou sábio quanto aos assuntos sobre os quais experimento os outros" [Sócrates]


"Criancinhas paregóricas de todos os países uni-vos" [W. Burroughs]

Paregórico: que suaviza ou acalma as dores; calmante; anódino || elixir ... antiga preparação opiácea da farmacopeia, também chamada tintura de ópio composta ou tintura de ópio benzóica [in Gr. Dic. L. Port, de JPM]

Mas que lindo menino ...

"... Não existe RTP. Existe a TV do José Eduardo Moniz. Está ali para se servir e o preço que tem de pagar é servir o poder, seja o PS (que o meteu lá, não esqueçamos ...), seja o PSD ou outro qualquer. Este tipo de gente serve todos os regimes. Mas ele não é eterno: não pode ir mais acima porque já está no topo da empresa, é quem manda mais. Portanto a esta hora já deve andar a namorar as privadas. E ainda vamos assistir ao cúmulo da imoralidade - que é o José Eduardo Moniz, o homem de mão, o homem que moldou a RTP à sua semelhança, depois de minar a TV pública e liquidar a sua credibilidade, sair para outro canal e passar a concorrer com a própria RTP ,,,"

[Miguel Sousa Tavares - entrevista à Kapa, Maio 1991]

Sol-e-dó

Por um lado o soltador arq. Saraiva não se saiu bem nas entrevistas televisivas a que se voluntariou. Esteve resinoso demais com Balsemão (soledades?), gracejou com o BCP (ou foi com os telespectadores?) e terminou incomodado com o surto de DVD's e publicidade do Expresso. Não se devia ter entretido em solapamentos antigos, nem caído como um qualquer infame soldadesco, na agitação do dr. Balsemão.

Por outro lado, o solevado arq. Saraiva ganhou a aposta. O jornal vendeu como pãezinhos quentes. Em qualquer soleira ou banca de jornais, o jornal esgotou. Será para solidificar? Veremos, mas seria bem melhor caminhar em solipé. Os rapazes do dr. Balsemão, sabe-se, andam soluçantes. Mas é de suspeitar. Soliamente bastaria ao dr. Balsemão enlaçar todas as semanas, ao seu jornal, uma qualquer iconografia de Scarlett Johansson (mesmo que estivesse ao colo do dr. Marques Mendes) para que o arq. Saraiva fosse para o desemprego. Há mulheres tão solarosas, que não têm perdão. Eu que o diga.

Por fim, o jornal soletreado letra-a-letra é uma alma gémea daquele feito pelo dr. Balsemão. Não inovou graficamente; apresenta textos como que solfejados do CM; tem uma revista de nome Tabu (a que propósito?) inenarrável, logo ali onde se deveria marcar a diferença com a Única (mãozinha do Rainho?); não tem uma secção dedicada à cultura (livros, música, cinema, teatro), o quer significar que não há clientes para tão estranha heresia. Será? Afinal que classes ou segmentos de público se pretende atingir? Que há de errado nisto tudo? Alguém nos diz? Agradecido.

sábado, 16 de setembro de 2006


Sol(e) mio ...

O regresso do arq. José António Saraiva às lides jornalísticas é uma saudade maior. A generosa prosa do arquitecto, afastado que está da ideia murmurada do Nobel, ressuscita a partir d'hoje no semanário Sol. O cidadão, mesmo que não espere nenhum milagre singular, agradece, tal o tédio e o desconchavo do actual Expresso. A virtude do jornal do dr. Balsemão, se é que alguma vez existiu, não dura sempre. E mesmo que o seu declínio político-cultural tenha começado já no tempo do arq. Saraiva, por muitas & variadas causas, a passagem de testemunho ao jovem Henrique Monteiro foi uma imensa e total cegueira. E que só o hábito e inércia de tantos anos recomenda a sua compra.

O embrulho do Expresso com DVD incluído, a súbita sedução por plataformas de blogs e fóruns, o cuidado presente na edição online, as profundas alterações ao corpo do jornal, constituem não apenas uma interessante mudança, que haveria de ser cumprida mais cedo ou mais tarde, mas pronuncia, principalmente, uma resposta enérgica à interpelação da concorrência. Só por isso o Sol está de parabéns.

E mesmo que o futuro venha a dar razão às objecções assinaladas pelo meu caro amigo Jorge Vasconcelos e Sá, como sempre demasiado absorvido na teoria dos jogos (que domina como ninguém mais) é possível que esta fase cinzenta, esfumada e pouco transparente que atravessa a imprensa dita de referência poderá, se os jornalistas do Sol nos surpreenderem, ser ultrapassada. Assim o esperamos. De todo.

[a reprodução, acima, é do nº 1 do antigo semanário (de Estudo e Critica dos Acontecimentos Internacionais) Sol, publicado em Lisboa a 19 de Junho de 1942, cujo editor e director foi A. Lello Portella. Custava 1 escudo. Bons tempos]

sexta-feira, 15 de setembro de 2006


Liberais, vos papiers!

"Uma história não se inventa, encontra-se" [Peter Handke]

O último "Prós e Contras", que colocou frente a frente o dr. Soares e o dr. Pacheco Pereira, foi excelentemente pastoreado pelos "bons espíritos" da blogosfera lusa. A autoridade organizada - nova "doença" indígena entre alguns propagandistas liberais, neoliberais ou generosos reaccionários - mobilada pelo "velho" conceito Schmittiano sobre a política caseira, segundo a qual todas as matérias da paróquia configuram, obrigatoriamente, a antítese "amigo/inimigo", foi esclarecedora e bem viciosa. Portanto, os bons espíritos da blogosfera obraram, corporativamente, um ror abundante de impropérios & outros castigos menores sobre o "inimigo" anti-americano e, na hora, desancaram o dr. Soares. O terrorismo é, para a inteligência doméstica, um mero fenómeno de cordel, que nalguns dos seus argumentos lembra a "autoridade" de Goering quando afirmava: "Eu é que determino quem é judeu!". E a que os nossos insignes teóricos liberais contrapõem: "Nós é que determinamos quem é terrorista e como se deve combatê-los". Evidentemente!

A trovoada de fantasias sobre o "perigoso" esquerdista Soares (pai) é, por demais, conhecida: um perigoso anti-americano, entusiasta preclaro das Nações Unidas, um "mendigo" inconformista, artificioso "poeta" do direito internacional, um adepto da teoria conspirativa do "mas", um residente de Porto Alegre. O costume, que o farnel não acaba nunca. A novidade da época, impudentíssima, é a presença dum caceteirismo blogosférico, assente curiosamente em relatos aparentados a Gabriel Alves, sem nenhum provimento, modéstia intelectual e de imensa insensatez. O estrondo da denúncia foi duma loquacidade devota, bem ao espírito do velho Botas de S. Comba.

Neste particular, o espadachim mais prestimoso, pelo que ficará entronizado para todo o sempre, foi o nosso estimado politólogo, agora curiosamente avesso ao dialogismo & demais "realismos", que zurziu inopinadamente no "delirante" dr. Soares. A feroz reprimenda, mesmo que feita à la Gabriel Alves, espanta pelo vigor e, procedente de quem vem, surpreende muito. Quer-nos parecer, afinal, que a ressaca teórica exibida não é mais que a mistura de algum [Rohan] Gunaratna com uma pitada de [Robert] Dreyfuss, nada de Ms Mowlam, nenhum [Kenneth] Waltz ou [Richard] Rorty e muito [Joseph de] Maistre à mistura. A teoria anda perigosa. Mas não se percebe como. Acontece, apenas. E para pior.

Catálogo LV da Livraria Moreira da Costa

Acaba de sair Catálogo do mês de Setembro da Livraria Moreira da Costa, Rua da Avis, 30, Porto. Apresenta livros de muita estimados, alguns raros. Pode ser consultado on line.

Algumas referências: Liber Utilissimus Judicibus, et Advocatis, por António Cardoso do Amaral, Universitatis Typographum. Anno Dñi 1695 / Annuaire Universel de tous les Rites de la Maçonnerie Française er estrangère par F. Pinon, s.d. / Escriptos Humorísticos. Em prosa e Verso do faleccido José de Sousa Bandeira [artig. Publicados na Atalaia, Periódico dos Pobres e Braz Tisana], Porto, 1874 / Alma Portugueza, de Teófilo Braga, 1893 / História Trágico-Marítima, de Bernardo Gomes de Brito (direc. De Damião Peres), 1936-37, V vols / O Bico de Gaz, de Camilo Castelo Branco [Reprodução comemorativa do leilão da livraria do Exmo. Sr. Carlos de Macedo Branco, em que se vendeu um exemplar dessa raríssima espécie camiliana. Lisboa. Livraria Moraes. 1927] / O Romance de um Homem Rico, de Camilo C. Branco, Viúva Moré, 1863 / Os Ratos da Inquisição. Poema Inédito do Judeu Portuguez, por António Serrão de Castro (pref. de Camilo), Porto, 1883 / Excerptos Históricos e Colecção de Documentos. Relativos à Guerra Denominada da Península e às anteriores de 1801 ..., 1863 / Férias com Salazar (2ª ed.), de Christine Garnier, AMP, 1952 / Historia do Cerco do Porto. A guerra civil em Portugal, o sitio do Porto até à morte de D. Pedro IV, Porto [suplemento ao nº 36 do Pyrilampo] / Inauguração do Caminho de Ferro do Valle do Vouga. Espinho-Vizeu-Aveiro [Álbum de 25 fotografias de Emílio Biel], 1908 / Junta Patriótica do Norte. Sinopse da sua obra até 30 de Setembro de 1918, Porto / Verdades Cruas [5 opúsculos de Gomes Leal], Lisboa. S.d / Elementos da Arte Militar, pelo Major D. Luiz da Câmara Leme, 1874-79, II vols / A Virgem e Portugal [iconografia e textos], direc. Fernando de Castro Pires de Lima, 1967, II vols / Matosinhos, por Maria Alves Lima, 1963 / Taboa Geográfico. Estatística Luzitana ou Diccionario Abreviado de todas as Cidades, Villa e Freguezias de Portugal ..., por Fr. Francisco dos Prazeres Maranhão, Porto, 1842 / D. Carlos, de Rocha Martins, Off. ABC, 1926 / A Pátria a Luiz de Quillinan, Porto, 1884 [valioso conjunto de reacções e homenagens prestadas ao Major Quillinan, pela reacção deste aos insultos proferidos no Parlamento Inglês, pelo deputado Jacob Bright, contra Portugal. Editado por José da Fonseca Lage e organizado por Affonso Taveira Cardoso. Contém listas de assinaturas de personalidades, cartas, eventos, etc., provenientes das mais diversas regiões do País] / Questão Portugueza Traduzida de um Jornal Inglez, por um Verdadeiro Patriota, 1827 [problema da sucessão de D. João VI] / O Príncipe com Orelhas de Burro, de José Régio, Inquérito, 1942 / Sol, revista Portuguesa, dir. Fernando C. Pires de Lima de Virgílio A. Dantas, 1971-72, X nums / Nobiliário da Ilha Terceira, de Eduardo de Campos de Castro de Azevedo Soares, Porto, 1944, III vols / Colecção de Listas, que contem os nomes das pessoas que ficarão pronunciadas nas devassas, e summarios a que mandou proceder o Governo Usurpador depois da heróica contra revolução, que arrebentou na mui nobre, e leal Cidade do Porto em 16 de Maio de 1828 ..., Porto, 1833

quarta-feira, 13 de setembro de 2006


Salvé Natália Correia [n. 13 Setembro 1923]

"... Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis
" [Auto-retrato]

"Creio nos anjos que andam pelo mundo,
Creio na Deusa com olhos de diamantes.
Creio em amores lunares com piano ao fundo,
Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes,

Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes,
Creio que tudo é eterno num segundo,
Creio num céu futuro que houve dantes.
...
Creio no incrível, nas coisas assombrosas,
Na ocupação do mundo pelas rosas,
Creio que o Amor tem asas de ouro. Ámen" [A Véspera do Prodígio]

Natália Correia - AutogéneseCastpost

Boa noite, Natália!

Catálogo de Setembro da In-Libris

Saiu o Catálogo do mês de Setembro da In-Libris (Porto). A consultar on line

terça-feira, 5 de setembro de 2006


Arrumações - Vynil, CD's e Cassetes Piratas

"There's an evenin' haze settlin' over town
Starlight by the edge of the creek
The buyin' power of the proletariat's gone down
Money's gettin' shallow and weak
Well, the place I love best is a sweet memory
It's a new path that we trod
They say low wages are a reality
If we want to compete abroad

My cruel weapons have been put on the shelf
Come sit down on my knee
You are dearer to me than myself
As you yourself can see
While I'm listening to the steel rails hum
Got both eyes tight shut
Just sitting here trying to keep the hunger from
Creeping it's way into my gut ..." [letra aqui]

Bob Dylan - Workingman's Blues #2Castpost

Ribeiro de Melo - Um Editor na Banheira

Ricardo Jorge, colhendo o testemunho de gratidão de todos nós, fabricou um blog sobre a invulgar Editora Afrodite, de boa memória. O mérito é evidente. Satisfaz a nossa agitada memória livresca e contribui com preciosas anotações para a história do livro, que tem tratado (e bem!) do ofício do livreiro-editor em épocas de antanho (caso dos trabalhos de Artur Anselmo, Fernando Guedes, da Revista Portuguesa da História do Livro e da Revista da Biblioteca Nacional), mas tem descurado o estudo de "pequenas" editoras, fora do mainstream e outras mais "robustas", que fizeram história por diversos motivos. É o caso da Afrodite, mas poderia ser da Contraponto, da & ETC, da Fenda, ou até mesmo da Delfos, da Lux, da Ulisseia, da Arcádia, da Portugália, da Cosmos, da J. Rodrigues, da Moraes, da Atlântida, da Ática, Artis, Centro Bibliográfico, Edições SEN, Edições Gama, Estúdios Cor, Editora Argo, Edições Ágora, Limiar, Inova, Editorial Inquérito, Cadernos de Poesia, Lumen, C.E.P., Afrontamento, etc.

Assim, para o Ricardo, em agradecimento pelo seu utilíssimo trabalho, daqui lhe envio um fabuloso texto sobre Ribeiro de Melo:

"... dezenas de entendidos assistiram ontem à noite [dia 15 de Dezembro de 1971] ao entremez 'Um editor na banheira', representado por Fernando Ribeiro de Melo (Edições Afrodite) no seu rés-do-chão da Rua do Cabo, a dois passos de Santa Isabel. Quatro obras novas foram pretexto para a mais líquida conferência de imprensa de que temos memória ... [in Diário Lisboa, 1ª pàg. Do dia 16 de Dezembro de 1971]

"Porque pode ser Melo mas sobretudo porque é Ribeiro, o editor Fernando Ribeiro de Melo deu ontem à noite mais uma prova da sua compatibilidade com os líquidos ao fazer de dentro de uma banheira o lançamento de novas obras. Quando lhe perguntaram de ele sempre era ao Dali português, respondeu naturalmente:

'Cada povo tem o Dali que merece, embora alguns Dalis (é o meu caso) não tenham o povo que merecem. Mas enfim ...'

Neste 'enfim' ia uma banheira de sugestões (...) O editor entra na banheira, senta-se (leva calções pretos para obviar á pergunta 'vestiu calções?'), acende um cigarro, deita as primeiras cinzas num bacio (este branco, por contraste) e perora assim:

'Meus senhores, com a vossa colaboração espero a eficiência de uma comunicação ao público sobre estas obras que o público deve ler!'

Sabe-a toda, e sabe que a sabe toda (...)

A cena passou-se ontem, à noite, como dizíamos, numa banheira. Para sermos precisos, a banheira estava (e está) na Rua do Cabo, nº 10, rés do chão esquerdo, à direita de quem sobe. Quanto aos presentes, eram cerca de quatro dezenas, mas incluíram representantes de quase todos os órgãos de Informação da capital e até mesmo gente da Rádio, do Cinema e da Televisão. Se fosse no S. Carlos de Há cem anos teria sido um inapagável 'sucesso de binóculo'.

Algumas palavras acerca do editor: é de facto editor (edita livros), não sobressai pela estatura (relativamente meã), usa bigodes de ponta retorcida, anda pelos trinta, trinta e pico. Perde dinheiro, ganha dinheiro. Agora está interessado em ganhar, de onde a conferência de Imprensa na banheira com permissão de traje de passeio: era o que rezava o convite. Os livros são giros, anotamos o primeiro volume da História Trágico-Marítima de Bernardo Gomes de Brito (...)

Dois diabos ensonados misturavam-se com a assitência, enquanto duas beldades do conhecido editor (Palola e Eugénia) iam servindo e retirando o alvo bacio de louça. Num requinte de malvadez publicitária Ribeiro de Melo pintara 'slogans' editoriais sobre a cútis das raparigas.

'Sinto que há entre nós muita falta de alegria', comenta ele (...)

Fui comido pela máquina fotográfica, casquina um verso de Mário Cesariny de Vasconcelos. A propósito, estava presente o Cesariny. E estava o Cruzeiro Seixas. E o Júlio Moreira. Entre as muitas outras pessoas que deixaram cartões ou de algum modo se fizeram representar anotámos os nomes dos srs. António Palouro, António José Forte, Vítor da Silva Tavares, José Vaz Pereira, Cuna Telles, António Damião, Nuno Júdice, Manuel Gusmão, Sam, João Paulo Guerra e Fernando Ribeiro de Melo. Que estava a ler (ler mais acima) dentro de uma Grande banheira circular forrada a preceito pelo artista plástico João Vieira. De calções pretos"

[F.A.P. (Fernando Assis Pacheco?), Diário de Lisboa, pag.2, 16/12/1971]

Trabalhos domésticos

"os sentimentos atrasam ..." [Artaud]

Andamos alvoroçados na lide doméstica. Os trabalhos, bem agitados, de (re)organizar a livraria caseira priva-nos de aceder à "política de farmácia" indígena & outras emulações curiosas. O expediente está, pois, atrasado. Mesmo os deveres de leitura & ofícios virtuais, que sempre nos alimentaram a paixão, estão sem ritual algum. Estamos, praticamente, assalariados. Os sintomas da fadiga são graves, face à papelada, revistas e jornais amontoados. Estes últimos, mesmo que encadernados, fazem-nos perder umas horas na mais doce das excitações (é a vida!). E os livros, meus senhores? Os livros são despóticos. Nunca estão acomodados como queremos. Daí que jamais entenderemos os bibliotecários & outros teóricos do papel.

A vantagem deste trabalho doméstico, a nossa douta alienação, é que não fomos surpreendidos pelas novíssimas excentricidades, partilhadas pelo "belo" canto conservador, do (neo)revisionismo histórico e do neo-barbarismo. E que, pelo que se lê, o senhor Rui Ramos & o inefável Luciano Amaral, duas autoridades sobre o "mundo administrado", andam a propinar aos fiéis. Compreende-se, assim, que não respigássemos na putativa autobiografia política de José Luís Pinto de Sá (Conquistadores de almas). Desleixo nosso. Mas coisa que o admirável José Manuel Fernandes não deixou passar, embora a memória (do e do JMF, evidentemente) não se recomende.

Daí, também, que não nos maçámos com a sombra de Sócrates a pairar sobre a Imprensa e os seus funcionários. Temos, naturalmente, a opinião que a (in)discrição da "boa imprensa" lusa é o novo "melhoral" da escolástica socrática. E do governo rosáceo & sua justiceira espada. Além disto, fora o futebol dos senhores Valentim, Madail e Cunha Leal a que não damos importância, vamos sobrevivendo. Entre papéis avulsos, jornais e recortes impalpáveis, que nos alimentam os dias. Quando acabar a ofensiva doméstica, voltaremos ao mundo & finezas habituais. Até já!