sexta-feira, 30 de março de 2007


Leilão de Livros e Manuscritos - 3 e 4 de Abril de 2007

O Palácio do Correio Velho realiza nos próximos dias 3 e 4 de Abril - Calçada do Combro, 38 A, pelas 15 horas - um importante Leilão de Livros e Manuscritos. A não perder. Catálogo on line.

"... curioso lote de livros sobre arte, história, ensaios e literatura portuguesa e francesa, clássicos dos sécs. XVII ao XX e outros de grande interesse e temática vária. Para além disso, vão também à praça quatro valiosos acervos de documentação histórico - politica e literária dos sécs. XVIII ao XX, destacando-se os seguintes conjuntos:

- Espólio do General Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho Póvoas (1773-1852), constituído por milhares de documentos da maior importância para a história politico-militar de Portugal no século XIX, com relevo para a génese da legião portuguesa ao serviço de Napoleão, história das invasões francesas, operações e movimentação de tropas, e guerra civil portuguesa (...)

- Espólio de António Bernardo da Costa Cabral, 1º Conde e 1º Marquês de Tomar (1803-1899). Este acervo é riquíssimo nos aspectos políticos e militares, com centenas de cartas de personalidades importantes da época, mas também sobre Tomar, onde Costa Cabral adquiriu muitas propriedades na zona do Convento de Cristo, havendo algumas cartas ou documentos referentes aos freires e à Ordem, para além de outras respeitantes ao Museu(zinho) de História Natural, em Évora, ou à Companhia Geral das Vinhas do Alto Douro (...)

- Espólio do Morgado da Quinta de Pancas, sita em Alenquer, formado por centenas de documentos dos finais do séculos XVIII ao XIX, respeitantes à administração dos bens do Morgadio, cartas de natureza pessoal e familiar (...)

- Cartas inéditas de Ramalho Ortigão (1836-1915) a Henrique Resende Dias de Oliveira, enviadas de Lisboa, Foz do Porto, Paris e Suiça, datadas de 1910 a 1915 e nas quais retrata com grande sagacidade a vida politica, social e cultural portuguesa da época conturbada vivida depois da implantação da República, em 1910 (...)”

nota: leia-se a curiosa Introdução de Isabel Maiorca sobre este conjunto de cartas de Ramalho Ortigão

[Isabel Maiorca, in A Memória das Coisas, Catálogo do Leilão, 19 de Março de 2007]

quinta-feira, 29 de março de 2007


Mariano Gago - o mudo

O governador do Ensino Superior, Mariano Gago, apresenta-se ao público como um ministro, envergonhadamente, mudo. Até agora, várias semanas passadas, nenhuma alma indígena sabe o que Mariano Gago abriga na sua sábia cabeça sobre o descrédito e a imoralidade que reina na Universidade Independente. Espera-se pelas 18.30 da tarde - hora a seguir ao chá - para se saber do ofício do Ministro do Ensino Superior e, talvez, acompanhar a descompostura do outrora vigário do IST, Zé Mariano. Veremos se a rebaldaria, o grosseirismo e a promiscuidade na gestão privada da UI, perfumada com a mais desorientada das pedagogias, é severamente punida.

Em toda esta questão, em todo este montão de lixo que se tornou a "guerra" na UI, nunca se intrometeu o senhor Ministro da tutela. Mudo e quedo, Mariano Gago deixou seguir a repugnante "estória", não se sabendo se o fez por simples ingenuidade ou por excesso de pura estratégia política. Por causa disso mesmo, a devassa caiu sobre todas as instituições de ensino privado. Nenhuma está, doravante, fora de torpíssimos olhares. E, nem todas o mereciam. Até porque a função do ministro não é de dar açoites nas nádegas aos prevaricadores da lei ou a delinquentes feridos, mas no invés, acompanhar a gestão financeira, curricular e pedagógica dos estabelecimentos de ensino privados (e públicos), a todo o momento.

A demissão dos diferentes ministérios da tutela, a promiscuidade entre a classe politico-partidária e o corpo docente, é caso para investigação judicial. E para que o "tribunal público do riso" não dite a sua sentença. Que o ministro afaste, de vez, esse anátema, é o que se espera. Aguardemos.

terça-feira, 27 de março de 2007


Jogos de sábios

O programa da D. Elisa na TV indígena, a que com muita piada chamou "Os Grandes Portugueses", ao que se sabe, sobressaltou a nação, incomodou uns castiços democratas e fez furor entre os neo-fascistas & aparentados. A coisa da D. Elisa era de génio: uns tantos sábios em comunhão de adquiridos - como o inenarrável António Costa Pinto, alvorado a historiador do reyno, o sagaz Portas, o salazarista Jaime N. Pinto, a D. Odete, o recauchutado Júdice, o agricultor Rosado Fernandes - bem embebidos em meia dúzia de instruídos doutores & com umas tantas avis raras de permeio e já estava a novena feita. D. Elisa, a musa do ardentíssimo entretimento, de freio na mão, sorria.

A tribo de sábios, em animada pesporrência, aspergiu o negócio do Estado Novo e desfolhou bizarras estórias pátrias, que mil louçãos não desdenhariam. A missa pelo defunto, ao cair da noite, prometia. Com o fim alcançado e antes de anunciar "O Grande Português", D. Elisa em preliminar de erotismo intelectual, filtrou por entre deleitosos lábios, e à cautela de mimosos favores, um impolítico aviso que o galardão corrente era de puro entretenimento. Depois, mais aliviada, lá brandiu o troféu para o Botas de S. Comba, o estimulante Oliveira Salazar. A pateada, curiosamente, veio no dia seguinte. Sabe-se como é lerdo o bom indígena luso.

Agora, depois de embrulhados os capotes, o raminho de sábios irá publicar farta e copiosa obra sobre o espírito desse Grande Português. Já começou, aliás, quando Dom Costa Pinto apareceu no bucólico programa da Sic-Notícias, enchendo de lirismo o programa preferido da canalha. O revisionismo histórico está, ainda, nos seus alicerces, mas promete muita papeleta aos paroquianos. Curiosamente, a vanguarda operária bloguista, em velocidade perturbante, explorou a civilizada pista que deixa sem dormir o bom povo português: afinal o dr. Oliveira Salazar era fascista, um demo-liberal pacífico (como assegura o moderno Arroja), um autoritário avozinho saloio ou um antepassado do eng. Sócrates? Ninguém sabe. Um dia, D. Elisa e os validos revisionistas explicarão. Até lá, tratemos de fazer as malas. Adiante!

Leilão de Antiguidades, Pintura Moderna e Contemporânea

A Leiria e Nascimento realiza hoje - no Palácio das Exposições da Tapada da Ajuda, às 15 h e às 21,30 horas - um leilão de "Antiguidades, Pintura Moderna e Contemporânea, Objectos de Arte e Jóias".

Excelentes peças de Alzira de Barros, António Carneiro, António Soares, Arménio Anjos, Carlos Botelho, Carlos Lança, Cutileiro, Falcão Trigoso, Francisco Simões, João Penalva, Joaquim Costa, Joaquim Ramos, Jorge Barradas, Jorge Vieira, José Júlio Teixeira Bastos, Júlio Resende, Mário Silva, Nicolas Berchen, Thomaz de Mello (Tom), Noronha da Costa, Nuno Siqueira, Oskar Pinto Lobo, Roque Gameiro, Sá Nogueira, Stuart Carvalhais, Victor Bélem, pinturas do séc. XVIII, etc.

sexta-feira, 23 de março de 2007


O jornal Público e o Eng. Sócrates

O orgulho de "campeão" desvelado do jornalisticamente correcto, tomado aqui na sua visão romântica de formação da opinião pública, foi abraçado hoje pelo jornal Público na notícia mais artificiosa que nos foi dado ler: o caso da licenciatura do eng. Sócrates. Como "alma falante" do serviço militar dos escribas indígenas, a direcção do jornal Público aproximou-se, sem piedade alguma, da causa fatal de um qualquer panfleto. Pode a sua direcção, ofegante por carência de notícias, publicar os editoriais (duvidosos, como o de hoje) que entender em sua defesa, que o fait-divers é tremendo. Expliquemos.

O caso da licenciatura (ou não) de Sócrates não é festividade para o contraditório e a luta política. Sócrates, licenciado ou não, jamais deixará de ser arrogante, manipulador ou um exímio dissimulado. Não pode haver qualquer equívoco, sobre esta questão. Do mesmo modo que o presuntivo rumor que o senhor José Manuel Fernandes está, generosamente, regougando a soldo do patrão Belmiro é pura especulação, senão palavrório ignóbil. Os boatos não são meros superlativos para a opinião pública. Apenas uma infame comédia, aliás pouco original.

O propósito da direcção do Público ir a reboque da oratória presente na blogosfera doméstica, por muito reveladas que sejam (e geralmente, são) as suas verdades, mostra o estado e a (des)legitimação do serviço público vulgarizado nos jornais, mesmo os de referência. A bondade de policiar a blogosfera não exorciza a falta de trabalho de "casa", a exigência de uma deontologia fora da miséria do espectáculo jornalístico e a missão integral do escriba. Tão só suporta a sua narrativa enquanto "meros executores" de comunicações indirectas. De facto, a "bulimia" da investigação jornalística foi "chão que já deu uvas". Desapareceu, de vez, presumimos sem saudades das direcções de jornais.

Mas se o jornal Público, na insólita nota editorial, entende (como parece que entende) que "não deve ignorar que [os boatos] existem e que a melhor forma de acabar com eles é confirmá-los ou infirmá-los", então terá muito que obrar daqui para a frente. Porque há dezenas e dezenas de anos (a fio) de rumores que correm (alegremente) entre a classe politica, nos albergues de partidos e no cantar de cafés, sobre os inúmeros expedientes de enriquecimento académico, profissional e financeiro da classe politica nacional e local. Vai arregaçar as mangas, definitivamente, o senhor José Manuel Fernandes?

No fim, fica apenas o reconhecimento da balbúrdia e do porreirismo que habita nas instituições privadas de educação. Sem qualquer avaliação, este estupendo refúgio dos espoliados da política doméstica, navega com a total permissão do poder. Se nos lembrarmos da exaltação em sua defesa pela liberal direcção do Público, ao longo do tempo, e do silêncio ensurdecedor sobre o assunto, compreende-se o que temos pela frente. A falta de decoro da direcção do Público é, pois, total.

quarta-feira, 21 de março de 2007


Water is Life

"Para eles [tuaregues], a música é tão valiosa como a água, mas felizmente mais abundante, pois mesmo antes de começar a andar - diz-se - as crianças aprendem a bater em tambores para imitar o ritmo dos camelos" [Jorge Lima Alves, in Cartaz-Expresso].

Eis, para ledores ressequidos desta vidinha sem futuro acolhedor, mas mesmo assim venturosa na/pela sedição de cândidas noutes, que (ainda) não desesperámos de vencer

Tinariwen - Soixtante Trois


Boa noute!

Homenagem a Jaime Cortesão [Restaurante Tavares]

1º plano, da esquerda para a direita, João Pedro de Andrade, António Lobo Vilela, Jaime Cortesão, Luís da Câmara Reys, Ferreira de Castro, Adolfo Casais Monteiro.

2º plano, da esquerda para a direita, Alexandre Vieira, Adriano de Gusmão, Gaspar de Almeida, Sant'Ana Dionísio, Augusto Casimiro, Roberto Nobre, Mário de Azevedo Gomes, João Dantas, David Mourão-Ferreira, David Ferreira, Jaime Mourão-Ferreira.

[foto, in David Mourão-Ferreira, s.l., s.d.]

In Memoriam Fernando Alvarenga [1930-2007]

"O poeta Fernando Alvarenga deixou-nos, no passado dia 19 de Fevereiro. Já debilitado de saúde, vivia desde há cerca de um ano, num lar da terceira idade, em Amarante, onde uma infecção respiratória o obrigou a internamento hospitalar e o vitimou.

O funeral teve lugar na cidade de Ermesinde, na manhã do dia de Carnaval, em altura que seria, por certo, do agrado do poeta.

Nascido em Ermesinde a 14 de Abril de 1930, e nos últimos anos da sua vida aqui radicado, viveu também em Angola, de 1969 até 1975, circunstância que contribuiu para uma das facetas mais marcantes da sua obra poética, que alguns críticos consideraram única pela originalidade de ter sido o primeiro criador de rimances africanos em língua portuguesa.

«Figura incontornável da Cultura da nossa cidade», como 'A Voz de Ermesinde' já antes o tinha apresentado, Fernando Alvarenga foi poeta e ensaísta, tendo a sua obra de ensaio ficado dispersa por numerosos jornais e revistas. Foi, aliás, colaborador de 'A Voz de Ermesinde', a quem ofereceu os direitos de autor de novas edições das suas obras, como noticiámos a 30 de Março de 2004. “A Voz de Ermesinde” dedicou-lhe uma série - 'Fernando Alvarenga' - com a publicação continuada de uma página apenas com ensaios e poemas seus, durante onze números (do n.º 704 ao n.º 714). Foi autor de uma obra consistente, presente em várias antologias ao lado de renomados nomes da Literatura e Ensaística portuguesa" [in A Voz de Ermesinde - ler mais aqui]

[via Lugar Efémero, com a devida vénia]

segunda-feira, 19 de março de 2007


Os miúdos de Paulo Portas

Não tendo especial vocação para qualquer postura democrática construtiva, tal a má-língua com que nos habituou, Paulo Portas aconselha os meninos perdidos do PP, por ora travestidos de liberais, a espectáculos insolentes e repugnantes, como aquele que se passou no Conselho Nacional do PP. O construído jurídico nada diz a esta marujada liberal-portista. Fica, apenas, aquela dica (via SIC) da putativa conselheira a clamar higienicamente contra "os filhos-da-puta" (espécie de vocábulo simbólico entre a garotada portista), enorme confusão entre carroceiros desvairados e o edifício intelectual de um partido a cair no anedotário indígena. O ar saloio de Pires de Lima, Telmo Correia e, especialmente, as ameaças do poltrão Hélder do Amaral, dizem tudo. Betinhos, a brincar a gente séria. Os garotos seguidores (que os há) do velho Botas de S. Comba, não fariam exercício cívico melhor.

A puberdade (sabe-se) é bem curiosa, mas não explica tudo o que se passou em Óbidos. Os miúdos do PP, muito grosseiros no trato e torpes de inteligência, revelam rancor e desprezo (total) pela vida democrática. Cerram fileiras em torno da figura abjecta e enlameada do dr. Portas. E tudo vale, nesse desvario mental. Estão no seu direito, mesmo se o balneário do PP se torne num espaço público devassado. A estrumeira pública com que nos brindaram este fim-de-semana estava escrita. A paródia começou, antes mesmo do camarada Vasco nos reportar, postumamente, a delinquência havida.

Uma palavra para Maria José Nogueira Pinto. A dra Nogueira Pinto nunca pode ser incomodada pelas flatulências daquela gentalha. Se existe alguém que dá credibilidade (pouca que seja, é certo) ao PP, é ela mesmo. Pode Paulo Portas, com a maior da naturalidade, tomar de assalto o PP, que nunca passará de um bobo obsceno. Ele e a sua insolente tropa de choque. A vida o provará.

Ribeiro de Mello

Continua o labor exaustivo de Ricardo Jorge, em torno da figura curiosa de Fernando Ribeiro de Mello e das edições Afrodite, de muita memória. Entre as editoras de antanho há lugar, elevado, para o génio (excêntrico que seja) de Ribeiro de Mello. As fotos postadas na Afrodite, revelam-no. O trabalho paciente do Ricardo Jorge, vestido de sobriedade e engenho, é serviço público. Graças, Ricardo!

Ecos da Semana

"Quem não foge a tempo não ensina estratégia" [Millôr Fernandes]

- A revista Figueira 21 saiu com uma invulgar entrevista ao sempre-em-pé Santana Lopes. O que diz de novo? Pois, para além da trovoada de frivolidades costumeiras, o douto Santana Lopes assegura que o "facto político mais relevante", desde que acabou o mandato na Figueira, foi "o fecho do jornal A Linha do Oeste", pertença de António Tavares. Um humorista, este Lopes. Coisa que um tal Fernando Rodrigues, putativo director da tal revista, ao que aqui se pode ler, não perfilha. Manias!

- Não foi feliz, in illo tempore, o eng. Guterres a trabalhar com os números do engenhoso PIB. A coisa saiu-lhe mal, por modéstia. Mas apesar de não saber a tabuada, Guterres será para sempre um gentleman. O mesmo não se pode afiançar do grotesco Mário Lino, mestre em aeroportos & afins, inchado de soberba em quase tudo. Bastou o eng. Leite Pinto, no último Expresso da Meia-Noite, pedir ao sábio eng. Lino para fazer umas contitas da primária sobre a Ota, para a ignorância espirrar do ministro fanfarrão. Foi caricato reparar no faccis do engasgado, acossado e palavroso ministro. No dia seguinte, quem leu o Sol, soube que o sábio Lino, além de desconhecer a tabuada, mente muito bem em televisão. Excelente ministro, deste fantástico governo.

- Andam por aí, dois Daniéis a ressuscitar a economia indígena. São, por demais, conhecidos. Um assina Amaral, outro Bessa. Ambos escribas espiritualistas do Expresso. Incansáveis na erudição económica, e mesmo que mutuamente não se aturem, fazem uma bonita parelha. Esta semana o pregador Amaral dá uma de bruxo e prevê o seu amo Sócrates na cadeira da paróquia até 2013 ("e sabe-se lá que mais a seguir ..."). Este invulgar economista suspira pela "descida de salários" da canalha, não lê, por miopia, os dados do Eurostat, faz contas à Mário Lino e mendiga uma pastinha rosa qualquer. Uma qualquer, oh! Manelinho! O outro Daniel saiu em defesa do patrão: o tio Belmiro. Este Bessa não sendo tão farsista na tabuada como o Amaral, confessa que ainda "vê, ouve e lê". Não diz é o quê! Mas pouco importa, pois não vai a ministro.

- O adiantado mental João Carlos Espada, esta semana no Expresso, antecipou-se ("informação secreta", diz-nos o apóstolo liberal) em defesa da Câmara dos Comuns, ao que parece vítima da ralé. God bless Espada! A argumentação Espadiana é divinal. Sir Espada, fazendo jus à sua condição de cultor de Popper, acrescenta, picarescamente, ao texto de Sir Karl, "Alguma observações sobre a teoria e praxis do Estado democrático" e, do mesmo modo, ao conhecido ensaio "A política sem essência", um contributo adorável. Espada, seguindo a missiva de Popper, para quem a tarefa fundamental do Estado seria "reconhecer o nosso direito à liberdade e à vida”", e provado que está o conceito kantiano de "benevolência", demonstra que sendo a Câmara dos Lordes não-eleita, "incrivelmente barata", com direito a bar com Tamisa ao fundo, bem servidos que são os My Lord por mimosos empregados de libré, ou aparecendo os Lordes vestidos de "imponentes capas vermelhas para ouvir um discurso escrito pelo governo e lido pela Rainha", não vê qualquer razão particular para se acabar com tão gloriosa, quanto "excêntrica", vetusta instituição. O grande mestre Espada estrangulou-nos com a sua perspicácia. Estamos confiantes. E benevolentes. Siga-se os Lordes, já!

sexta-feira, 16 de março de 2007


O Almanaque Republicano - Actualização

A memória da Alma Portuguesa corre debaixo da abóbada do Almanaque Republicano, seguindo o rito iniciático dos tempos, que por ora se espraia no sentimento intenso das vozes da geração de 1907, que começando em Coimbra demandou as altas gentes e fez (por algum tempo) ressurgir o país. Como sempre a bibliografia e o testemunho do Mundo Português em folhetos de merecida estimação e admirável frescura, é oferecido à blogosfera lusa por dous cavalheiros livres & prudentes, sob a ventura do Arcanjo de Portugal.

Na pedra temos: O Centenário da Questão Académica - Coimbra 1907; o dr. José Eugénio Ferreira; um Breve resumo da revolta estudantil de 1907 na Universidade de Direito de Coimbra; o testemunho do estudante Alfredo Pimenta sobre a questão académica; uma brevíssima nota biográfica sobre Alfredo Pimenta; a bio-bibliografia de um dos estudantes expulsos da Universidade, Carlos Olavo; a decisão do Conselho de Decanos sobre o comportamento do estudante Campos Lima no conflito académico; uma bio-bibliografia de outro dos estudantes expulsos da Universidade, Ramada Curto; a reprodução da conhecida pintura de Abel Manta, denominada: A Tertúlia do consultório do professor Pulido Valente; as Efemérides republicanas da primeira quinzena de Março; o In Memoriam a Miguel Baptista Pereira (1929-2007), notável professor da FLUC; a reprodução de um desenho de Manuel Gustavo sobre "Os Crimes da Universidade"; a transcrição de um momento parlamentar sobre a Questão Académica; foto de um grupo de Lentes da Universidade; considerações sobre a Universidade do estudante Campos Lima; uma breve bio-bibliografia de João Evangelista de Campos Lima; nova fota de um grupo de Lentes da Faculdade de Direito de Coimbra; a transcrição de uma carta enviada à DGAAC por Rui Lopes, sobre o centenário da Questão Académica; uma referência ao ciclo "Lutas Académicas e Estudantis: do Liberalismo ao Estado Novo", patrocinado pelo Museu Bernardino Machado, de Famalicão; uma breve bio-bibliografia do estudante António Granjo, que esteve à frente do processo de luta estudantil; uma foto de Cunha Leal discursando no funeral de António Granjo; a referência da Mostra Bibliográfica sobre 1907 - No advento da República, a decorrer na Biblioteca Nacional; e uma reprodução da capa do respeitável Almanach Bertrand, datada de 1907.

A ler e consultar o Almanaque Republicano. Sempre ao V. dispor!

Saúde e fraternidade.

[foto retirada, com a devida vénia, do Catálogo da Mostra Bibliográfica, "1907 - No advento da República", que decorre na Biblioteca Nacional]

quarta-feira, 14 de março de 2007


The gentle art of book hunting

"Bem sei que il faut en bonne compagnie le moins qu'on peut parler de soi, mas um caçador não pode deixar de contar suas caçadas; e que é um bibliófilo senão um caçador de livros?"

"Um leigo julga a biblioteca pelo número de livros que contém. É ingenuidade. Só o neófito impressiona-se com o número de livros de uma biblioteca. O que vale é a qualidade. Uma biblioteca 'non refert quam multos sed quam bonos habeat', e os bons são poucos"

"... Não vive verdadeiramente quem não gosta de dar uma prosa com um amigo ou ler um livro com vagar ..."

[Rubens Borba de Moraes, in O Bibliófilo Aprendiz, Casa da Palavra, Rio de Janeiro, 2005, 4ª ed. - foto retirada (com a devida vénia) do excelente site de Manuel Santos, Livreiro-Alfarrabista da cidade do Porto]

Notícias da Frente

- Na Livraria Académica, de mestre Nuno, está disponível o Catálogo do mês de Março. Depois, passe pelos apontamentos da Revista Tertúlia da Académica, onde lerá cousas assombrosas sobre coleccionadores ou estimadas dedicatórias e sua hierarquização; poderá ainda recordar a polémica entre a Princesa Rattazzi e o nosso Camilo, cobiçará certamente o Fahrenheit 451 de Ray Bradbury em diferentes tiragens; irá conhecer uma "história de amor" em bilhete de postal ou, mesmo, acompanhará a visita ao Porto de D. Manuel em 1908. A não perder, apesar de se ficar pelos tempos idos de 2004. Para quando a continuação?

- Dê, entretanto, uma saltada à Livraria Telles da Sylva onde está on line o Boletim do mês de Março. De muita estimação, como sempre.

- A curiosa Livraria de Manuel dos Santos, livreiro do Porto, apresenta um Catálogo temático para este mês de Março, de fino gosto, onde surgem valiosos manuscritos e desenhos, lado a lado com peças bibliográficas raras e de muita estimação. Manuel dos Santos: eis uma livraria encantadora.

segunda-feira, 12 de março de 2007


Bonifácios

"Nascemos nas mãos da parteira pública
Crescemos aos pés da estátua do rei
Mamámos sempre na teta do exemplo
Adoradores do credo
Tirámos as nódoas na água do tempo
Navegámos num ventoso mar de cágados
Respirámos o enxofre da brisa
Profissionais do bico calado
Solidários no medo
Grandes viajantes em fraldas de camisa ...
"

Para os nossos activos ledores & talentosos melómanos, que tendes gosto antiquíssimo e fecundo ouvido, tomai

Banda do Casaco - Bonifácios


[esta noute somos mais estivadores do vinil, andamos em trabalhos musicais. Uf! Irra!Safa!Olha lá!]

A vidinha

A vidinha, mesmo a mais fútil & vã, é cada vez mais um treino formidável de sobrevivência. Por isso, a não ser entre o raminho de ministros, todos os empresários, alguns gerentes de jornais e, claro, os cavalariços do reyno (onde os alforges são tão pesados que, dizem por aí, nem no tempo do dr. Cavaco se viu tal), anda tudo sem tesão, digo, sem tesura, para grandes maledicências ou discursos suspeitosos. À cautela, que o SISI anda por aí, arrastamo-nos entre exercícios reparadores da boa cautela & o desejo íntimo (nobilitante que seja) de dispensar o país, com os histriónicos amigos do padroeiro Sócrates em apenso.

Tão depressa o conceito foi adoptado, que o arquitecto Saraiva, em admirável imagem preventiva, descobriu talentosamente a liberal via para a sua segurança & de demais burricada. Assim, tremente de glória, ei-lo já habilitado a dar gorjeios ao eng. Sócrates e outros sábios, nas páginas do Sol, em versão que ofenderia o próprio António Ferro. É que desde os tempos do repasto económico do sr. dr. Oliveira Salazar (íntimo economista deste senhor) que não se observava momento memorialista assim. Há que aproveitar, Saraiva!

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V. Excia não se rememora de um Presidente tão vibrante de pensamento, tão corta-fitas, tão dá-medalhas, tão Cavaco, tão tangível a um primeiro-ministro, como no saudoso tempo do sr. almirante Américo Tomás? V. Excia desde que interrompeu o tratamento receia que o lenitivo-Marcelo de domingo o faça permanecer com pouco juízo e menor imaginação? V. Excia ainda se recorda do bom tempo do liberal-salazarista Arroja, ilustre ocioso da lição económica, mas julga ter embaçamentos ou perdas de memórias quando dá de si a televisionar o sr. Teixeira dos Santos, o sr. Costa ou o eng. Sócrates? V. Excia tem reacções desagradáveis à leitura dos jornais, alucinações, inibição ao prazer da vida, abatimento de carácter, irritabilidade, depressões insólitas, pelo longo período de uso do governo?

... então não desespere. O novo remédio para arrumar as suas ideias, sem qualquer dependência, totalmente manipulado para se blindar das perniciosas armadilhas deste dias funestos, está mesmo aqui: Fósforo Ferrero. Não há ditaduras inteligentes ou intimidades domésticas que resistam. Pode crer!

quinta-feira, 8 de março de 2007


In-Libris - Catálogo de Março 2007

Catálogo da In-Libris (Porto), com um conjunto de peças estimadas e raras de Adolpho Rocha (Miguel Torga), Al Berto, Alberto de Serpa, Alexandre O'Neill, Antero de Quental, António Aragão, António Botto, António Maria Lisboa, Armindo Rodrigues, Augusto Gil, Camilo Pessanha, Carlos de Oliveira, E. M. de Melo e Castro, Egito Gonçalves, Eugénio de Andrade, Fernando Guimarães, Herberto Helder, Luiz Pacheco, Mário Cesariny de Vasconcelos, Natália Correia, José Blanc de Portugal, Ruy Belo, Vasco Graça Moura, entre outras obras. Um Catálogo excelente para os amantes dos livros.

A consultar on line.

quarta-feira, 7 de março de 2007


Miguel Baptista Pereira - por João Maria André

"Miguel Baptista Pereira foi um mestre e um amigo para gerações e gerações de estudantes e de docentes que passaram pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Aliava a uma densa e profunda informação cultural e filosófica uma excelente e singular capacidade de pensar e uma notável aptidão para ensinar. Foi com ele que muitos de nós aprendemos a pensar filosoficamente o mundo, a vida, o homem e o tempo. Quem teve a oportunidade de seguir as suas aulas, de acompanhar a sua intensa produção filosófica ao longo de décadas e de conviver com o seu sentido crítico do pensamento e da realidade não pode deixar de lamentar o desaparecimento de um dos maiores vultos filosóficos do pensamento português na segunda metade do século XX.

Nenhum momento da História da Filosofia, desde a Antiguidade à Época Contemporânea, nenhuma das grandes disciplinas filosóficas, com especial incidência na Hermenêutica, na Antropologia, na Ética e na Filosofia da Cultura, ficaram fora da sua investigação e do pensamento que desenvolveu nos seus livros e, sobretudo, em dezenas e dezenas artigos de notável densidade e penetração. Além disso, atento ao homem concreto, à vida e à sociedade, foi sempre um combatente pela liberdade, de pensamento e de acção, e, por isso, quando as circunstâncias eram adversas nunca deixou de estar ao lado de estudantes e colegas na luta contra o regime ditatorial que o 25 de Abril conseguiu vencer.

Só a sua aversão às grandes tribunas da fama pelas quais nutria um explícito e assumido desprezo fez com que não seja hoje amplamente reconhecido a nível nacional como aquilo que realmente é: um dos maiores vultos da Filosofia em Portugal no século XX.

Mas quem com ele conviveu e teve o privilégio de o ter como amigo guarda ainda outras marcas gratas da sua presença: a generosidade, o entusiasmo e a alegria de viver. É não apenas no pensamento que nos legou, mas nessa memória festiva que ele hoje continua também dentro de nós"

[João Maria André, in Diário das Beiras, 06/03/07 - sublinhados nossos]

Miguel Baptista Pereira - por António Pedro Pita

"Na figura de Miguel Baptista Pereira e no modo particular que assumiu a sua intervenção, na Faculdade de Letras e fora dela, ao longo de muitos anos, concentram-se o presente e o futuro, vividos ou pressentidos, reais ou utópicos, da Universidade portuguesa, da ideia de Universidade e da importância histórica da filosofia.

Mas não é fácil uma síntese de poucas linhas. Se a Hermenêutica, que constitui o terreno filosófico onde se instalou, obriga a uma permanente reavaliação do passado em busca do que nele ainda permaneça inconcluso ou impensado, é uma análise radical do presente em permanente tensão para o futuro que constitui o tema favorito do seu trabalho e confere coerência à sua intervenção, pelos menos desde os meados da década de 60: como texto seminal, uma obra de Heidegger, Ser e Tempo; como problemática essencial, o conceito de 'experiência', onde o pensamento é interpelado pelo real e responde; como preocupação decisiva, a distinção entre o que no presente ainda transporta o passado ou já prefigura o futuro; como lugar por excelência de exercício desta análise, a Universidade, sempre, mesmo quando, nos seus melhores momentos, aspirava revolucionar-se.

Os seus alunos puderam conhecer autores fundamentais antes de se tornarem moda (Adorno, Benjamin, Gadamer, Hanna Arendt) porque Miguel Baptista Pereira manteve intacta uma relação com a novidade e com o futuro, que resultava directamente de uma funda, séria e, diria, cândida confiança no pensamento e na filosofia, que o levou a empenhar-se seriamente na reforma dos estudos filosóficos, marcando época.

Uma confiança que, por outro lado, (ou é o mesmo?) alimentava a melancolia e a esperança, a alegria e o riso, a candura e a revolta de tantas palavras, atitudes, gestos, olhares. Hoje, é tudo isto que nos deixa um pouco menos sós"

[António Pedro Pita, in Diário das Beiras, 7/03/07 - sublinhados nossos]

Miguel Baptista Pereira (1929-2007)

"... Miguel Baptista Pereira, uma das grandes referências do século XX português na área da Filosofia, professor jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, faleceu segunda-feira com 77 anos. Em câmara ardente na capela da Universidade de Coimbra desde ontem [dia 6], o seu funeral sairá hoje, às 10H30, para o cemitério de Bagunte, Vila do Conde, de onde era natural.

Personalidade marcante para todos os que com ele conviveram, Miguel Baptista Pereira cultivou durante toda a sua vida uma postura de afastamento das 'grandes tribunas da fama pelas quais nutria um explícito e assumido desprezo', como fez questão de sublinhar João Maria André, seu discípulo e depois seu par no Instituto de Estudos Filosóficos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.

E só por essa razão, como todos reconhecem, o professor de Filosofia que nunca abandonou colegas ou alunos, mesmo em tempo de repressão e sob a ameaça de represálias, não tem hoje direito à mais larga mediatização da sua influência e pensamento.

Nascido a 10 de Maio de 1929 em Bagunte, Vila do Conde, Miguel Baptista Pereira fez os seus primeiros estudos estudos no Seminário de Braga, onde foi ordenado sacerdote. Ingressando alguns anos depois na Universidade de Comillas, em Santander, Espanha, chegou a Coimbra para concluir a licenciatura em Filosofia. Já na Faculdade de Letras, Miguel Baptista Pereira foi o arguente da tese de José Afonso.

Tendo prosseguido os seus estudos na Alemanha, defendeu a sua tese de doutoramento em 1967, num texto - 'Método e Filosofia em Pedro da Fonseca' - que foi um 'ajuste de contas com todo o pensamento ocidental'.

Contratado como professor na Faculdade de Letras, na década de 60 tomou sempre o partido dos estudantes contra a repressão instalada, à semelhança de amigos como Orlando de Carvalho, Victor de Matos ou Paulo Quintela, o que viria a valer-lhe um forte travão na carreira.

Após o 25 de Abril, Miguel Baptista Pereira pertenceu aos órgãos directivos da Faculdade de Letras e a sua obra passou por publicações como a Biblos e a Revista Filosófica de Coimbra. Conselheiro da Gulbenkian, o professor deu nome a um prémio anual da Fundação Engenheiro António de Almeida. Aquando da sua jubilação, foram publicadas duas obras: 'Ars Interpretandi - Diálogo e Tempo' e 'O Homem e o Tempo'.

[Lídia Pereira, in Diário das Beiras, 06/03/07 - sublinhados nossos]

Na Morte de Miguel Baptista Pereira (1929-2007)

A surpresa da morte de Miguel Baptista Pereira, quando o céu da manhã de ontem era medonho e o delírio do mundo porfiava, rasgou de vez qualquer virtude ou entusiasmo que tivéssemos para o dia. A morada solitária do filósofo, o seu génio luminoso, a dignidade moral e intelectual do dr. Miguel Baptista Pereira era uma evocação dolorosa. Inultrapassável. A sua perda deixa-nos mais sós, mesmo que a sua vida e obra (profunda, reveladora e perturbante) seja inigualável de atenção e vigorosa de esperança. A nobreza intelectual do dr. Miguel Baptista Pereira será, para todos os que o conheceram e o leram, sempre eterna.

«Na 'insuportável leveza do ser' calcorreada pelo caçador contumaz, que trocou a experiência cusana de sabedoria pela sofreguidão iluminista das evidências e sacrificou a gravidade do real à aferição e medição imponderáveis e levíssimas da consciência mensuradora, apagou-se já o pensar no sentido originário de pesar a densidade e a importância das coisas, da vida e do homem, cuja ausência é a dor primeira da consciência ecológica. Pensar é também não deixar morrer no esquecimento o que, apesar do seu peso e valor, não resistiu à voragem da morte, é manter viva na rememoração e na narração a herança do que vale, é agradecer o peso dos bens legados a fundo perdido e fazer da gratidão o terreno fértil de novas criações do pensamento» [Miguel Baptista Pereira, in Nota de Abertura, "Da Natureza ao Sagrado", Homenagem a Francisco Vieira Jordão, Porto, 1999]

Miguel Baptista Pereira nasceu a 10 de Maio de 1929, foi ordenado sacerdote em 1953, dedicou-se ao estudo da filosofia, tendo sido ilustre professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se jubilou. Publicou obra copiosa, principalmente, em revistas da especialidade (aqui e no estrangeiro), a par de alguns livros ou opúsculos. Em 2000, saiu o "Ars interpretandi: Diálogo e tempo - Homenagem a Miguel Baptista Pereira”, coordenação de Anselmo Borges, António Pedro Pita e João Maria André, Porto, Fundação António de Almeida.

segunda-feira, 5 de março de 2007


Alface (1949-2007) Escritor excelentíssimo - por Vasco Santos

Quando Alface morreu, na súbita noite de quinta-feira, o Campo Pequeno continuava económico lá fora e o tempo era favorável, caloroso, na comunidade de leitores que, devagar, o descobriam.
Os gregos chamavam kairos ao momento oportuno, ao tempo distenso, aquele em que a vontade dos deuses e dos homens se encontra e o sujeito assume a absoluta figura do seu destino. (Assim era.)

(...) Por detrás das suas sete dioptrias Alface topava-nos na nossa lusa alma de barata com pessimismo, ironia e superior inteligência. Em resumo: palavra festa brava. Alface escreveu, ainda, para jornais, publicidade, rádio, televisão e cinema sem nunca desvirtuar, no gosto da escrita, a liberdade que considerava ser a sua essência e justificação.

O João Carlos foi um homem livre e generoso. Era mordaz e, havia dias, um céptico quase pirrónico. Possuía um humor swiftiano, desconcertante e lúcido e aristocrático.
Dançava.
Gostava muito do Alentejo, do Benfica, de ler. De ler por exemplo o Gombrowicz, o Maurice Pons, mas gostava também da Associação Pedrista de Montemor-o-Novo e da boa cozinha destas terras. Era um ouvinte delicado.

Habitava-o uma humanidade que a inteligência não destruía. Talvez por isso não tenha acabado os cursos de direito e psicologia preferindo uma lateral ars de viver.
Aprendi muito com ele. Diverti-me muito com ele. (Só não gostava apaixonadamente de gatos, algo que nos separava). Foi dos meus autores o mais leal, o mais justo. E nunca usou grandes sapatos no escritório.

Tinha um narcisismo de vida e gostávamos de jantar em família, a sós, ou com o Carlos Coelho Campos, o Victor, o Bicker e muitos outros. O Alface tinha uma disponibilidade imensa e muitos amigos, muitas amigas.

Ele faz-me muita falta. O Alface faz-nos muita falta.
E só não faz falta à literatura portuguesa porque escreveu depressa e partiu cedo, sem prosa algaliada a atravancar a loja, pelo que os seus livros vão andar muito tempo por aí, numa luminosidade inconveniente.

[João Carlos Alfacinha da Silva, Alface (1949-2007) Escritor excelentíssimo, por Vasco Santos (Editor da Fenda), in Público, 5/03/07 - sublinhados nossos]

A morte que entre

"Mal caiu à cama , o avô mandou chamar por mim, mas não me encontraram porque estava escondido no sótão a espreitar a sopeira que ensaiava ao espelho poses lascivas numa roupa interior de folhos e rendinhas que eu lhe oferecera estoirando as mesadas dos últimos seis meses e que o avô fizera o favor de adquirir em meu lugar na Loja do Povo, não sendo portanto de espantar que o cinto de ligas e as meias de vidro, tal como as cuecas vertiginosas e o sutiã blindado lhe assentassem às mil maravilhas na impudícia carnal. Oh impudícia, oh mor glória!

A tratante fingia ignorar a presença do menino no acre armário de madeira, esgazeado com o cheirete a naftalina que ensopava aventais, batas e fardas de gala, e ela dava o cuzinho repolhudo e empinava as mamas, estirava o pescoço e as coxas, afagava a redondice da barriga e a rolice dos ombros, tudo para ver se acabava comigo, a realíssima putéfia. Só vista.

Ninguém diria, mas ninguém diria, olhando os olhos e as carninhas dominadoras, que aquilo era pouco mais que uma miúda, fresco produto campaniço (...)

Avô, posso ver-te morrer?
Se te portares bem.
Também posso morrer contigo, avô?
Vive antes comigo, miúdo.
Tens mesmo de morrer?
Por mim não tinha.


(...) Avô, será verdade?
O quê, miúdo?
Que o céu está cheio de gajas boas?


Esteve para aí dez minutos a rir, o avô. Não parava. As lágrimas corriam-lhe em bica pelo carão abaixo. Cataratas.

Acorreu a enfermeira e vá de rir histericamente, como veio a família em peso e não tardou que as gargalhadas deles fizessem chocalhar o lustre do tecto. As tias velhas agarravam-se às velhas barrigas inchadas, os primos do campo uivavam e batiam as botas no soalho azinho, a sopeirinha mijou-se, o Gastão desatou a soltar inconveniências e ouviu-se milagre, o mudo fala.
Diz-se tudo.
Não repararam foi que o avô tinha deixado de rir. Ele e eu.
O avô tinha nos olhos o sorriso mais bonito que se pode ter. Sempre teve. Fitava-me a direito. De tanta ternura é que morreu"

[Alface, in O Fim da Bichas, Fenda, 1999]

sexta-feira, 2 de março de 2007


O reino do eng. Belmiro

O negócio da OPA da Sonaecom sobre a PT terminou. A Assembleia Geral da PT rejeitou há minutos a desblindagem dos estatutos da empresa e após peripécias de grande martírio para o grupo Sonae, que sai sem nobreza alguma de todo o processo. Os grandes vencedores foram Henrique Granadeiro, a estratégia internacional do grupo PT, os seus accionistas, investidores financeiros e trabalhadores. De algum modo, o espectáculo que nos foi dado observar nos media, onde se assistiu à mais subserviente lavagem (leia-se o jornal o Público e atente-se no papel desempenhado pelo sr. Carlos Tavares) visando o confisco da opinião pública (como se os accionistas & investidores fossem, assim, desta forma influenciáveis por análises encomendadas, sem nenhum rigor analítico) face à mais organizada e "desonesta" das propostas havidas nos últimos anos, explica como Portugal é um país de anões a brincar ao sério. A presuntiva sanha especulativa do eng. Belmiro, seguindo aliás a sua máxima de sempre de confundir para reinar, finalizando numa derrota sem glória, vai deixar marcas. O eng. Belmiro é dessa casta de homens onde a vingança segue sempre dentro de momentos. Esperemos que haja bom senso, para que o efeito boomerang disto tudo não seja destruidor. A todos os intervenientes. A ver vamos.

Cartas Jocosas

[da Revista Feira da Ladra, tomo I, retiramos a carta anónima (Guilerme da Serra Madeira, seculo XVIII ?) que se segue, recolhida do espólio de Martinho da Fonseca. Trata-se, como é dito, de uma "declaração" a uma senhora por parte de um "oficial de carpintaria" e que resolveu, para o fim passional almejado, utilizar o encanto de escrita de "todos os instrumentos da sua Arte".

"Minha Senhora, por certo que entendia eu, que chegando a avistar a avultada estancia da sua formosura, acharia nella os compridos barrotes dos seus favores, e as maiores vigas das suas finezas, mas, como so encontro com as duras taboas da sua esquivança, quanto mais lhe metto a serra da minha firmeza afiada com a lima da minha deligencia, entao tópo mais com os duros nós dos seus desprezos, os quaes fazendo estalar a folha da minha ventura, me fazem quebrar a corda da minha esperança; pois quando me julgava subido aos altos andaimes da sua estimaçaõ me vejo precipitado das ripas da sua tyrania, e posto no chaõ do meu abatimento, onde junto ao banco do meu triste fado, escavando com a enxó da minha desgraça, os contínuos serrafos do meu cuidado, a pesar da juntura da minha efficacia, faço em cavacos o meu coracaõ; espalhando-os pela terra das minhas tristezas, alli lhe pega o fogo do meu zelo, e ardem em labaredas as aparas da minha lembrança, deixando as vivas brazas em cinzas, para o meu esquecimento ..."

[in revista Feira da Ladra - ler aqui toda a carta, tomo I, p. 72-75]

Feira da Ladra on line

A revista mensal ilustrada - Feira da Ladra [1929-1940]-, hoje rara, dirigida superiormente por Cardoso Martha [1882-1958], e que tem artigos estimadíssimos de arqueologia, genealogia, heráldica, história, literatura & outras curiosidades, com colaboração de Gustavo Matos Sequeira, Luís Chaves, Henrique Campos Ferreira Lima, Luciano Cordeiro, Fidelino Figueiredo, Rocha Madahil, Julieta Ferrão, entre outros ... está disponível integralmente on line.

Eis mais um inestimável serviço público, prestado pela Hemeroteca Municipal de Lisboa. Ler e fazer o download, aqui.

quinta-feira, 1 de março de 2007


Aniversários ... muitos!

"Lembro-me de tudo como se fosse hoje / as crianças brincavam nos jardins" [M.C.V.]

Andamos desaustinados [i.é. sem o velho e estimado austin, ali ao canto superior] e longe dos tumultos da blogosfera. A nossa alma, imperecível de dissidências escrypturais e decerto sem a virtude da gratidão, não se tem alimentado das boas postas que fulminam o éter virtual indígena. Falta de ardor, copulação a mais (ou a menos, cum laude), fogosidade leviana, que sabemos nós. Por isso, deixámos sem a devida vénia alguns dos nossos observatórios ilustres. Imperdoável!

Queremos agora balbuciar (se nos for permitido!) o maior dos parabéns, revestidos de felicitações, pela passagem de mais um annus de impetuosas prosas (Ai! de nós ... fugaces labuntur anni) aos lúbricos da superstição liberal - o Insurgente; aos sábios do Blasfémias (com mas gran sosiego ao fulminante J. M., pelas arengas afinadas junto do túmulo liberal) e mesmo que o ano lhes tenha passado por cima; e, à guisa de júbilo, oferecemos o nosso testemunho de reconhecimento ao orador, puríssimo de eloquência e robusto de sentimentos, o nosso Um Blog Sobre Kleist. Graças!