segunda-feira, 29 de agosto de 2005

[Custo e preço de um medíocre]

"Senhores leitores: encarregaram-me de vos dizer que a direcção protectora decidiu proibir que vos fosse mostrado quanto custa e rende um medíocre, porque o inquérito, feito por sujeitos competentes, tinha o grave defeito de mostrar o medíocre a nu, cena eventualmente chocante para a estabilização da bolsa de mercadorias. Em seu lugar, prometemos redescobrir o Brasil, a bem da mediocração"

[Mário Henrique-Leiria, in Aqui, nº 2, Setembro 1976]

A espuma intelectual

"... O bom povo e os revolucionários de ontem deram lugar às vítimas de hoje..." [Helena Matos, in Publico]

A festa da semana, entre os intelectuais, teve a inspiração de uma deliciosa Carta Aberta de Maria João Seixas a esse talento restaurado do jornalismo, de nome Helena Matos. Na brisa do dia seguinte, o protesto à patifaria de MJS escarrapachou-se nas Cartas ao Director - cortesia José Manuel Fernandes & por amor à plebe -, pondo a descoberto essa ferramenta do intelecto (E.P.C. dixit) que assina para a imortalidade da escrita indígena, Inês Pedrosa. Ficámos entendidos.

Graciosamente, o trato espiritual da douta questão fez correr no berço da blogosfera uma série de afectadas gratidões liberais pela cheia de graça Helena, profundos & piedosos desagravos contra a sentença de MJS, acabando em reputadas sentenças em torno da moral cristã, do dever & culto da discrição intelectual, afinal qualidades temperadas nas delicias da tinta instruída da paróquia lusa. A afronta assim desmerecida fez, entre o pânico dos livres-pensadores neoliberais, esperar uma qualquer esculpida réplica pela pena ajuizado da própria Helena Matos. Debalde! O brilho profano da jornalista semanal e historiadora em part-time não se vislumbrou. A prosa e os atropelos à gramática da dita senhora foram mais um descalabro. A vassourada da doce Helena teve a inteligência dum garoto do ciclo preparatório. E o folheto heróico celebrou a inteligibilidade costumeira - nenhuma. Pobre Lucília!

Ingrid Bergman [n. 29 Agosto 1915-1982]

"I was informed that you were the most beautiful woman ever to come to Casablanca. That is a gross understatement." Captain Renault (Claude Rains) to Ilsa Lund (Ingrid Bergman), Casablanca (1942)

Locais: The Official Ingrid Bergman Web Site / Ingrid Bergman / Ingrid Bergman Gallery

quinta-feira, 25 de agosto de 2005


Elogio da vida portuguesa & aviso aos nobres leitores

"Dois copos no balcão. A garrafa / à mão" [E. G. Carneiro]

Senhores, o temor das palavras deslavadas que do charco da Nação ainda nos surpreendem, pisam os nossos pés. Acabados de arribar do doce pecado além-mar ou luz do mundo, a voz dos indígenas asseguram-nos que estamos em pastagem lusa. O taxista que não pastoreia já coisa alguma, diz-nos a oração costumeira: "os povos felizes não têm história". Evidentemente!

Sentimos, entretanto, a respiração do dr. Sampaio quando bradava contra o mundo infecto dos incendiários e ... padecemos. Sampaio tinha o corpo crivado de anos de relaxação governamental e felicidade urbano-depressiva. Todos desconheciam esse glorioso desembaraço. Mesmo os jornalistas. Sem mais, essa língua do céu que é o DN, declara a candidatura presidencial do excitante prof. Silva. Sem lastimar a nossa sorte, que as desgraças são tantas & sem repouso, sentimos de imediato a venerada atenção das donas-de-casa lusas, o arrebatamento republicano da sopeiral Helena Matos, o convite chez Espada Club para um tea-party liberal, a energia da escrita de Pulido Valente filho e as avés-marias de meia-dúzia de intelectuais ditos de gauche, todos esperando o Godot de Boliqueime. Entretanto, Figueira da Foz ardia e Coimbra expirava de dor. No resto do país o choro e o luto eram totais. Home sweet home.

Antes de abrir a alma ao casual rebuliço do leito, antes mesmo de tocarmos o silêncio no descanso das palavras, soubemos do encerramento do Arqueólogo, do Aviz, Azul Cobalto, Fora do Mundo e Joaquinzinhos. O mundo está, de facto, perigoso.

domingo, 7 de agosto de 2005


... além mar

Informamos os estimados amigos, que em boa hora caminham para o lava pés costumeiro e em inocente saudade juvenil, que os descansos deste mês de Agosto, para nós, têm o encanto de além-mar. É verdade: o Rio de Janeiro continua lindo! Diremos que a lide diária é prometedora. Estamos mais instruídos. Os sebos fazem-nos uma dor imensa, é certo, mas obedecemos à voz da perseverança. Peca-se por aqui, de felicidade. O resto não dá para dizer.

Desta forma, para que não vos canseis de horrores sócraticos & mendistas, daqui vos damos um sopro de viração & devoção ardente, ali do lado esquerdo da pedra. Nada mais que o tumulto de José Mário Branco em "Cantiga de Alevantar". Que é o que mais precisamos. Aceitai-o no vosso coração. E a continuação de boas férias, sol & banhos. Disse.

Curtas ou como amontoar cascalho

"Há penúria de escriturários. Tudo corre para o jornalismo" [Karl Krauss]

- à sombra da adega, que a noite era devota para animar o gentio de Vilarelho, a rapaziada da Periférica fez uma ousada entrevista a Helena Matos, conhecida militante liberal e escriba privativa d'O Público. A ventura desta arrojada paixão pelas sentenças sopeirais da dita senhora lá foi germinando, presume-se entre algum desporto líquido presenteado pelo verde puríssimo e o debate sobre as ilustrações da Atlântico, ocupando algumas páginas hilariantes da revista dos moçoilos. O calão político vulgaríssimo da grande educadora liberal foi de uma puerilidade feminina espantosa. A erudição não foi bem trabalhada. A trovadora liberal orna a ignorância com vistosa colheita de mesa-de-café. Compreende-se, pois, que o clamor picaresco da estimosa senhora eduque a boa gente liberal. Após alusões de circunstância e outras regateiradas, os entrevistadores e a insigne senhora partiram de enxada às costas para novas pregações. Virtude admirável! Quem os viu assegurou que os seus lábios eram avaros. Tal como os dias.

- a saraivada de "livros para férias" que o prof. de Oxford, João Carlos Espada, da mansidão da rotina da silly season descreve, no Expresso, para uso e abuso de veraneio, são mimosas leituras para corpos delicados e espíritos abatidos. O colunista do "Mar Aberto", averso a leituras ao longo do annus horribilis de práticas gastronómicas, assinala copiosas obras, a saber: o conhecido Martin Wolf, tormento do magistério de José Manuel Fernandes; o lembrado "What América Can Learn from School Choice in Other Countries", onde se celebram virtudes aos pobres e à classe operária em geral; as controvérsias de Scalia, para constitucionalistas prudentes e seus confessores; a narrativa social-cristã de D. António dos Reis Rodrigues sobre o lugar da Família, da propriedade privada e do Estado (versão soft de Engels); um tal "Milagre Português", croniquetas de desmando panfletário do César das Neves e 1 (um) romance recrutado ao inefável arq. António José Saraiva. Ficámos acabrunhados. Nem um policial de algibeira, uma poesia inspirada, ou romances e novelas graciosas, nos foram impacientemente sugeridos. O clima poético ou romanceado da livraria avulsa do colunista não atinge a altura intelectual chez Espada. O coração livresco do desabusado professor é um desastre. Confirma-se, assim, o dizer: "as obras fazem os homens diferentes". Boas leituras.


"Bem-aventurado o coleccionador! Bem-aventurado o homem privado!" [Walter Benjamin] [aqui]

"O bibliófilo está sempre garimpando. Basicamente é o «viciado» por obras raras ou edições de arte ... Interessa-nos a capa, a encadernação, as ilustrações, a dedicatória, o autógrafo, as anotações no meio do livro ..." [José Salles Neto, Presidente da Confraria dos Bibliófilos]

"A arte de «bookinar», expressão do poeta Carlos Drummond de Andrade, está cada vez mais difícil" [professor Marcondes] [in A paixão na prateleira]

"Apesar dos anos de garimpagem, [José] Mindlin não se define como um colecionador, mas, antes de tudo, um leitor inveterado. «Estou sempre com um livro na mão», conta. «Sou um leitor que passou a bibliófilo.» A leitura foi a origem de sua vasta coleção, com os livros sendo adquiridos um a um. Mas como Mindlin interessa-se pelos mais variados assuntos - ficção, poesia, teatro, biografia, ensaio, relato de viagem, para ficar em alguns -, a biblioteca cresceu «indisciplinadamente», como ele gosta de frisar (...) Aos poucos, vai surgindo o interesse pelas primeiras edições, as encadernações, as tipologias, ou seja, a atração do livro como objeto. Chega-se então à busca de raridades. Nesse ponto, o leitor já está irremediavel mente perdido. Foi o que aconteceu comigo. Dei-me conta de que era uma doença incurável, mas, ao contrário das outras, só me fazia bem. Por isso, nunca me preocupei." [ler mais aqui]

"... não somos nós que temos a biblioteca, ela é que nos tem" [Guita]

Chamas do nosso desvario

nós temos chegado ao fim de tudo. o fado deste país é andarmos a ser, desde sempre, administrados por criaturas banais. o discurso confiado na classe política é a perda na nossa dignidade. deputados ou ministros, jornalistas e cidadãos, todos nós estamos resignados. chorados. pagamos o tributo desde o óasis cavaquista, que nos desviou da lide agrícola em troca dos enfeites citadinos e da maravilha da sociedade de consumo. passámos prestáveis pela cobiçada aventurança guterrista que nos fez prostrar de joelhos no défice e no compadrio dos boys. encantamentos tivemos na apalavrada época barrosista, afinal protector de uns poucos para perseguição, sacrifício e desgraça de muitos mais. e que nos condenou para todo o sempre a sermos as ovelhas negras da União. sorrimos na desgraça do santanismo & da sua garotada, que o desastre era já ali. voltámos a ser fervorosos da saudade decente de querermos um governo digno, proveitoso, moralmente são. sem qualquer esperança tudo nos arde. incautos deparámos com novas humilhações. a nossa virtude é não termos virtude alguma. sermos rascas. delicadamente grosseiros. a censura não passa, nunca, por aqui. está sempre noutro lado. estamos, decisivamente, embaraçados. assombrados de miséria.